Crítica: Meu Discurso mostra que o diferente não precisa ser nosso inimigo
É muito bom saber que, mesmo sem qualquer tipo de subsídio do governo brasileiro, nossos artistas têm garra para conseguir extrapolar fronteiras e criar potentes pontes pelo mundo.
É o que fez o ator e performer brasileiro Robson Catalunha ao se unir à atriz e performer croata Vesna Mačković, após se conhecerem no The Watermill Center, de Bob Wilson, em Nova York, para criarem juntos o espetáculo Meu Discurso.
A obra teve disputada estreia brasileira nesta sexta (18) no Espaço dos Satyros da praça Roosevelt, em São Paulo, onde faz a segunda e última apresentação neste sábado (19), às 19h, com contribuição espontânea do público.
A montagem teve estreia mundial em Zagreb, na Croácia, no começo do mês. Foi lá que ela foi concebida e, ao contrário do descaso atual de nosso governo com nossos artistas, recebeu apoio do Ministério da Cultura da Croácia e do Museu de Arte Contemporânea de Zagreb. Por aqui, a obra teve apoio da Cia. de Teatro Os Satyros, que Catalunha integra há dez anos.
Com uma concepção pós-dramática feita a quatro mãos pelos dois performers, a montagem também traz dobradinha internacional na iluminação, com luz futurista de Andrew Santro na Croácia e Tiago Capella Zanota em São Paulo, onde ainda ganhou apoio à produção de Gustavo Ferreira, Sabrina Denobile, Laysa Alencar e Hugo Leão.
Além da iluminação, outro destaque da peça são os vídeos gravados em frente à Casa Branca, em Washington, e a música original — que reverbera, fria, no corpo dos espectadores —, todos sob cuidados de Vesna.
O grande recado é a dificuldade do bicho homem em se comunicar com quem lhe é diferente, preferindo fazer julgamentos baseados em preconceitos que só empurram o mundo, cada vez mais, para esta horrível maré de ódio.
E tais discursos condenáveis surgem em cena na boca de gente (horrível) com grande poder político aqui e lá fora, o que provoca convulsões nos artistas, cujos corpos parecem estar cansados de tanta violência e falta de paz.
O recado que “Meu Discurso” nos deixa é um só: o diferente não precisa ser nosso inimigo.
É preciso tentarmos, por mais difícil que seja, retomar aquela pureza de olhar para o outro distante de nós mesmos como alguém com quem o diálogo seja possível, criando a possibilidade para convivência da diversidade; e não enxergarmos no outro distinto de nós um ser a ser exterminado.
Um recado como esse no mundo contemporâneo é fundamental, se quisermos, iguais ou diferentes, sobreviver.
Meu Discurso
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Espaço dos Satyros (praça Franklin Roosevelt, 214, São Paulo, tel. 11 3258-6345). Sábado (19), às 19h (última apresentação). Pague quanto achar que vale. 45 min. 14 anos.