O Gugu Liberato que eu nunca vou esquecer
As noites de sábado à noite eram realmente impressionantes nos anos 1980. E, na casa dos meus avós paternos, dona Oneida e seu Dico, a disputa era uma só, entre minha mãe, Nina, e Tia Neném: em qual canal ficaria a televisão da sala de estar.
Minha mãe sempre queria a TV na Globo, para assistir ao “Super-Cine”, com aqueles filmes que misturavam drama e suspense que ela ama até hoje. Já Tia Neném nunca tinha dúvidas: queria ver seu apresentador favorito em uma noite leve de atrações musicais. Ou seja, o jovem Gugu Liberato e seu “Viva a Noite” no SBT.
Na maioria das vezes, Tia Neném ganhava a parada. E lá iria eu e meu primo Caio dançar a abertura do programa, o que sempre me impressionava muito, numa mistura de felicidade e medo.
Afinal, para aquele menino que eu era, ver aquele apresentador dançado ao lado de seres fantásticos como os amados Bugaloo Da Da e o Pintinho Amarelinho e a aterrorizante — para mim — mão gigante, era realmente algo impactante. Aquele homem loiro parecia viver dentro de uma cápsula de fantasia, repleta de seres de mágicos e estrelas da música.
E a tal da mão gigante era uma espécie de vilã para mim. É que Tia Sane, outra que adorava ver o programa, disse para mim que a mão era, na verdade, a ‘Mão Cabeluda’, aquela que pegava as crianças quando elas estavam no escuro.
Na hora do intervalo comercial, Tia Sane, propunha, maldosa: “Miguelito, vá lá na cozinha buscar um copo d’água para a titia”. Eu, receoso da cozinha escura, morria de medo e quase tinha um infarto quando Tia Sane chegava por trás de mim e dizia: “olha a Mão Cabeluda atrás de você!”.
Por isso, sempre achei Gugu um homem muito corajoso, por conseguir dançar tão destemido ao lado daquela mão maligna, como se não houvesse perigo algum.
O tempo passou, eu cresci, e ele também: passou para as tardes de domingo, repleto de banheira com moços e moças semidespidos e a energia inesquecível dos Mamonas Assassinas ou do É o Tchan.
E o tempo passou mais ainda e quis a vida que em um momento da minha trajetória profissional eu me tornasse colega de emissora daquele homem que povoava minhas noites de sábado na rua São Clemente, no bairro Aparecida, em Belo Horizonte.
Um dia, voltando do almoço no Memorial da América Latina ao lado da amiga jornalista Bruna Ferreira, em um desses plantões da vida jornalística, carregávamos algumas empanadas compradas na festa pátria dos imigrantes bolivianos.
E eis que, ao chegar no estacionamento da Record, na Barra Funda, nos damos de cara com ele próprio: Gugu Libarato. Ali, tão desprotegido, à nossa frente.
Ele estava aparentemente triste, cabisbaixo. Era justamente o dia em que seu contrato com a emissora havia sido encerrado e não seria renovado naquele então.
Gugu levava suas coisas para o carro, naquele momento chato quando a gente deixa um trabalho, uma empresa.
Não tive dúvidas, corri com Bruna até ele, e falei que ele era muito importante na história da TV e muito querido por todos nós, que iria fazer muita falta. Que Bruna e eu lhe desejávamos todo o sucesso do mundo e que logo viriam coisas lindas.
Gugu olhou para a gente com toda a candura do mundo, nos cumprimentou carinhosamente e agradeceu nossas palavras, antes de entrar no carro e partir.
Foi Bruna quem me escreveu para lembrar este episódio, que marcou profundamente nós dois, quando surgiu a notícia de sua morte, tão boba e trágica, repleta dessas ironias da vida, besta e breve.
E creio ser isso que eu vou guardar do Gugu: aquele olhar para nós dois, olhar de quem nunca deixou morrer o menino que havia dentro de si, aquele menino sonhador que conquistou a TV e o Brasil.
Naquela breve conversa, foi como enxergar de novo aquele quase tio que encheu de fantasia a minha infância nos anos 1980, convertido em um generoso colega de trabalho repleto da fragilidade humana, que lhe levou tão cedo de nós.
Viva Gugu. Que descanse em paz.