Como Barcelona enfrenta crise na cultura nesta pandemia, por Marcos Fábio de Faria
A convite do Blog do Arcanjo, o dramaturgo e escritor Marcos Fábio de Faria relata como está o setor artístico na cidade espanhola nesta quarentena
POR MARCOS FÁBIO DE FARIA*
Especial para o Blog do Arcanjo
BARCELONA, ESPANHA — Desde o dia 12 de março, oficialmente, estamos de quarentena na Espanha. Com medidas bastante radicais de isolamento em comparação com o Brasil, o país ibérico conta, hoje, com mais de 25.000 mortos e mais de 210.000 casos confirmados.
Apesar disso, a parceria entre poder público, meios midiáticos e a população tem conseguido frear a propagação do vírus e o número de recuperados chega a 119.000 casos. O coronavírus mudou completamente a dinâmica do país. Barcelona, uma das cidades mais visitadas do mundo, tem suas ruas desertas e somente com serviços essenciais abertos ao público.
Assim como no Brasil, um dos setores mais afetados pela pandemia foi o de arte, cultura e entretenimento, o que levou a classe artística à organização e reivindicação de políticas públicas especificas para o setor. Assim, surgiu o documento “52 medidas extraordinárias para confrontar as consequências da crise sanitária provocada pelo COVID-19 ao setor das artes cênicas e da música”, firmado entre a classe artística e o setor público.
Viver com muito menos
Mesmo com essas medidas, a situação do teatro e a manutenção dos artistas seguem em permanente questão. Para o diretor dos grupos Vuitè4ART e Dona’m Temps Teatre, Xavi Tarragüel, nessa crise, “o teatro sobreviverá, é claro, mas a qual preço? Teremos que nos reinventar e viver com muito menos”.
Xavi acredita que “um caminho será oferecer o conhecimento teatral em forma de oficinas abertas a todas as pessoas e, também, para coletivos específicos” sobretudo tendo em conta que, para o teatro, “o futuro é incerto, mais que nunca”.
Artistas vivem precariedade
Já Silvia Albert Sopale, uma das mais instigantes atrizes da Espanha e protagonista da peça No Es País para Negras, ressalta que “a situação dos artistas em Catalunha e no teatro é, em sua maioria, muito precária, com exceção das grandes figuras, já que seus cachês são mais altos”.
Segundo ela, a maioria dos artistas precisam ter outro trabalho “o artístico e um segundo, geralmente na docência ou nos bares e restaurantes e este último sofre, agora, da mesma incerteza do teatro”. Os artistas, nessa quarentena, têm passado por certa precariedade, já que até hoje “não existem canais de ajudas específicas para o nosso setor, ajudas que nos facilitem suportar esta situação inesperada”, afirma Silvia.
Para a atriz, “as características do setor, nossos contratos não estão assinados, pois se costuma fazê-los poucos dias antes da estreia, mesmo que a reserva de espaço já esteja feita com meses de antecedência”, essa prática, comum já nas artes cênicas, “desobriga aos empregadores de penalizações por cancelamento e não há seguros à que possamos recorrer, o que faz com que nós arquemos com todas os prejuízos”.
Essa situação, reitera Silvia, é bastante negativa, já que “as portas se fecham e o confinamento não permite pensar com claridade”, dessa maneira, a única forma de salvar o setor “é a ajuda pública” bem como o cumprimento das 52 medidas, que prever, por exemplo, “a redistribuição das contribuições econômicas públicas realizadas a teatros públicos e ou privados, a festivais e teatros municipais que não puderam realizar suas funções durante o ano de 2020”.
Teatro está em situação complicada
O dramaturgo brasileiro radicado em Barcelona Kleber Luiz Bosque, do Teatre dels Argonautes e coordenador da mostra Nova dramaturgia Ibero-americana, ressalta que é importante analisar a situação por setores. Informa que “cada setor terá que receber do Governo, das Regiões Autônomas e das Prefeituras uma contrapartida econômica, segundo as necessidades específicas”. Por exemplo, “as companhias de teatro são as que estão em uma situação mais complicada, pois perderam parte das temporadas e das participações em festivais, além dos espaços de trabalho e ensaios, fechados pelas regras de confinamento”. Portanto, para sobreviverem a essa crise, precisam de uma maior atenção do estado.
A situação artística na Espanha em pouco tem se diferenciado da brasileira, em que o descaso dos setores públicos em relação aos profissionais da arte tem sido a tônica dessa epidemia, mesmo sendo um setor fundamental para que a população passe, com saúde, esse período. Não sabemos, ainda, quanto tempo ficaremos confinados e isso se torna, também, uma crise para o setor artístico em ambos os países.
*Marcos Fábio de Faria é escritor e dramaturgo, autor, entre outras peças, do musical Madame Satã. Graduado e mestre em Letras pela UFMG e doutorando no Cefet-MG, com parte de sua pesquisa em Barcelona, Espanha.
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Muito bom! Caro amigo, não sei se o que vou sugerir já não está previsto para um próximo artigo, mas você não apresentaria (e analisaria pra gente, a partir de sua longa e consistente experiência no teatro) essas 52 medidas que a classe artística está propondo por aí? Aqui, tenho visto poucas propostas. Tem um documento elaborado pelo pessoal de teatro da Bahia e encaminhado por lá pra os governos da cidade e do estado. Pense aí. Beijo e abraço. Saudade.