Miguel Arcanjo Prado aponta neste artigo que sociedade e classe artística ainda estão longe de abandonarem o racismo estrutural
Neste 13 de maio de 2020 o Brasil lembra os 132 anos da abolição da escravatura no país. Praticamente nada em termos históricos. Afinal, fomos um dos últimos países do mundo a abandonar oficialmente tal barbárie de escravizar outros seres humanos.
Contudo, o país ainda tem entranhado o racismo estrutural como parte do cotidiano da sociedade e das instituições. Este, coloca os negros automaticamente em uma posição inferior, na qual suas vidas parecem valer menos, como observamos agora nesta pandemia do novo coronavírus: os negros morrem mais que os brancos.
Outro dia, este jornalista ficou abismado ao ver uma reportagem de uma grande revista semanal que mostrava como a comunidade artística paulistana estava se virando economicamente nesta quarentena. Dos 14 artistas famosos e “anônimos” fotografados e ouvidos pela revista, nenhum era negro. Nenhum.
Ou seja, não há artistas negros que precisam se virar nesta quarentena? Ou eles não merece sequer ser ouvidos pela reportagem de tal revista? Ninguém na redação percebeu que em 14 artistas ouvidos nenhum era negro? Pelo jeito, não.
Fatos como esse, infelizmente, ainda são corriqueiros, mesmo com tanto barulho nas redes feito pela comunidade negra, exigindo maior representatividade em todas as áreas.
As empresas se fazem de surdas e apenas reagem quando o dedo são apontados diretamente para elas, não tomando a iniciativa de mudar este cenário por conta própria.
Negros e negras que ocupam cargos com poder de decisão ainda são raros, ficando a maioria subalternizada no mercado de trabalho, que segue reproduzindo uma lógica pré-abolição, na qual o negro e a negra devem servir, jamais comandar.
Se o racismo estrutural está escancarado no cotidiano, ele também dá suas caras no teatro brasileiro. Quem não se lembra das figuras que recentemente defenderam nas redes sociais o blackface como “liberdade de expressão”. Não foram poucos.
Já tivemos desde espetáculo que ganhou cachê com dinheiro público para refletir sobre a dor do branco ao se descobrir racista a até mesmo peça que utilizou a diáspora como tema em um elenco numeroso no qual não havia um negro sequer e sendo patrocinada por uma grande instituição cultural — aliás, boa parte dessas instituições só descobriu que o negro existe como artista após muita pressão nas redes nos últimos anos.
Em muitas superproduções musicais, os negros ainda figuram no fundo do coro. Na TV, atores e atrizes negros ainda não são escalados para personagens que não tenham brifado que são negros.
Mesmo no teatro alternativo independente, mesmo naquelas companhias que se dizem progressistas, a figura do negro com real protagonismo ainda é raridade, salvo nas companhias que tratam da temática negra, formada por atores que muitas vezes não conseguiam trabalho no mercado teatral.
Duramente muito tempo, as peças desses coletivos negros sequer eram noticiadas ou frequentadas pela crítica, salvo a exceção deste jornalista e crítico que vos escreve. Quem duvida que pergunte a grupos como Os Crespos ou Coletivo Negro.
A verdade é que, 132 anos após a abolição da escravidão no Brasil, ainda temos um longo caminho a evoluir como sociedade e classe artística, para que de fato negros e negras tenham as mesmas oportunidades e os mesmos direitos. Quando a chibata social vai parar de bater nesta população?