Ana Cañas canta Belchior em live sob amor de Portelinha: ‘Coisa de alma’
Por Miguel Arcanjo Prado
Ana Cañas vive entre dois amores: Belchior e Portelinha. O primeiro é grande compositor cearense a quem dedica nesta quinta (9), às 21h, em seu canal no YouTube, aquela que promete ser uma das lives mais interessantes desta quarentena. A segunda é a gatinha da cantora, resgatada recentemente das ruas e que vem sendo seu porto seguro de amor diário nestes difíceis dias de confinamento.
Na live Ana Cañas canta Belchior, a artista promete revisitar a obra do gênio criador do disco Alucinação e que nos deixou há três anos, após outros tantos sumido da mídia por vontade própria. Com ajuda de amigos e fãs que colaboraram em uma vaquinha online para pagar os profissionais envolvidos, a live será transmitido da sala da casa da artista em São Paulo.
Para armar o palco improvisado, os móveis do cômodo foram empurrados para um canto, o que fez Portelinha pensar que a bagunça era uma espécie de novo playground. Além da bagunça diária e uns ou outros arranhões no sofá, a gata ainda incentivou uma mudança saudável na vida da artista: por Portelinha, Ana está deixando de fumar.
Aliás, Belchior foi responsável por um grande momento vivido por Ana Cañas neste ano, quando cantou sua música Como Nossos Pais, eternizada por Elis Regina, no alto do trio elétrico do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, arrepiando mais de 1 milhão de foliões em São Paulo, que entoaram junto da cantora o clássico de nosso cancioneiro popular.
Em meio ao nervosismo dos últimos preparativos para a live de logo mais, Ana Cañas, que venceu o Prêmio Arcanjo de Cultura entregue no ano passado no Theatro Municipal de São Paulo, encontrou um respiro para conversar com exclusividade com o Blog do Arcanjo.
No papo, falou da live, de Belchior, de Portelinha, de parar de fumar, de ajudar pessoas em situação de vulnerabilidade, das empresas que não apoiam a cultura neste momento crítico, enfim… falou das coisas que movem sua vida.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Ana, por que você resolveu fazer uma live cantando Belchior neste momento?
Ana Cañas – Oi, Miguel! Na verdade, essa ideia surgiu após os fãs se disponibilizarem a levantar uma campanha para arrecadar doações para uma live. Fiquei muito emocionada e quis fazer algo especial e diferente de tudo que já tinha feito, estar à altura desse carinho imenso.
Miguel Arcanjo Prado – E aí surgiu o Belchior?
Ana Cañas – Eu amo o Belchior profundamente. Nelsinho Motta me escreveu dizendo que ele é, ainda hoje, subestimado. Mais um motivo para cantá-lo e homenageá-lo, pois pra mim ele é do mesmo quilate dos maiores da nossa história. Sinto que não há nada mais atual e contemporâneo do que suas reflexões, diante desse cenário caótico que vivemos. Fora isso, sua poesia me emociona de uma forma idiossincrática, avassaladora. Chega a ser difícil explicar em palavras… É uma coisa de alma.
Miguel Arcanjo Prado – Você está fazendo a live com financiamento coletivo. Acha que falta às grandes marcas e empresas reconhecerem a força do artista da música brasileira?
Ana Cañas – Sim, embora seja difícil precisar os motivos exatos pela falta de incentivo, mas acredito que tenha a ver com visibilidade, números de seguidores e ativismo também (a favor da democracia, feminismo). Soubemos que Fafá de Belém, Elza Soares e Angela Ro Ro também passaram por dificuldades. Tenho certeza que a falta de responsabilidade social por parte das empresas que podem, nesse momento, patrocinar artistas tão relevantes para a música brasileira (como as que citei) reflete o abismo social e a falta de conhecimento sobre a importância desses legados. Não são somente views e likes que importam ou constroem a história.
Miguel Arcanjo Prado – O que tem a dizer a quem colaborou?
Ana Cañas – A quem colaborou, o meu muito obrigada eterno.
Miguel Arcanjo Prado – A gatinha Portelinha tem sido coadjuvante importante nestes dias e até saiu na coluna da Mônica Bergamo com você. E sei que, inclusive, ela lhe incentivou a parar de fumar. Qual a importância desta nova companheira neste momento?
Ana Cañas – Portelinha foi um grande presente que a vida me trouxe nessa quarentena. Quando eu a encontrei, tinha apenas dez dias de vida e já se encontrava numa situação tão extrema, entre a vida e a morte, num pedacinho de papelão. Hoje, o amor dela me traz inúmeras alegrias – os animais abandonados sofrem demais. Num de seus sumiços aqui em casa (ela estava enrolada num pijama, dentro do armário) fiz promessa a São Francisco de Assis se ela reaparecesse e completo 21 dias hoje sem fumar.
Miguel Arcanjo Prado – Recentemente, vi que você foi às ruas distribuir itens a pessoas vulneráveis. Por que tomou esta decisão?
Ana Cañas – Eu estava recebendo centenas de pedidos de ajuda (muitas mulheres, mães solo na periferia) e sentia muita angústia por conta desses pedidos. Essa experiência foi muito interessante e enriquecedora. É necessário conhecer todas as realidades sociais, o desenvolvimento da empatia vem de ações e práticas nesse lugar. Pessoas em situação de rua são como todas as outras, como nós mesmos – só que passam, num devido momento, por essa vulnerabilidade. O estado precisa assisti-las de forma muito mais eficaz pois o que vemos é abandono e imenso descaso.
Miguel Arcanjo Prado – Ana, se você pudesse ter um papo rápido hoje com o Belchior, o que diria a ele?
Ana Cañas – Nossa, Miguel, taí um encontro que eu adoraria! Seriam muitas ideias e papos, para uma madrugada inteira. Mas acho que eu diria apenas “Obrigada, poeta. Você é infinito”.