Trace Brazuca chega para ser canal onde negros têm vez
Por Miguel Arcanjo Prado
Os negros e negras brasileiros sabem que a televisão retratou e segue retratando essa comunidade que é mais da metade da população de forma caricata, preconceituosa e estereotipada.
Na TV aberta, por exemplo, quando negro não interpreta papel de doméstica ou de bandido na teledramaturgia, costuma surgir nos noticiários policiais. Raramente negros comandam programas, são repórteres, entrevistadores ou mesmo aparecem de forma positiva, como um especialista detentor de saber.
Diante deste cenário, é para se comemorar a chegada da emissora Trace Brazuca, braço da Trace Brasil, pertencente ao grupo internacional comunicativo Trace, presente em 120 países do Globo e se comunicando com 350 milhões de pessoas. O canal estreia neste sábado (25) nas operadoras Claro (624) e na Vivo (630), com 24 horas diárias de programação.
A nova emissora promete empoderar negros e negras, construindo narrativas positivas sobre esta população, que ganha prioridade em sua grade, focada na cultura afro-urbana brasileira e internacional. A data da estreia não foi por acaso: 25 de julho é o Dia da Mulher Negra Latino-Americana.
Importante influenciador da comunidade negra brasileira, AD Junior está à frente do marketing do projeto, que tem como CEO José Papa. Junior conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo sobre a empreitada já histórica.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado –- Qual a expectativa para estreia do canal?
AD Junior – A expectativa é que este canal transforme a visão das pessoas sobre a narrativa dos afros brasileiros neste país. Temos um objetivo claro de entreter e empoderar e acima de tudo trazer neste mundo “pós-pandemia” uma nova análise sobre as questões de racialidade no Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – O que você pode adiantar sobre a grade do Trace Brazuca? Ainda há espaço para novidades?
AD Junior – O canal trará muitas playlist por conta do seu DNA musical. Mas teremos também conteúdos voltados para a educação, bastidores do mundo do entretenimento e programas que vão da medicina à culinária. Estamos negociando outros formatos de programas também para a pós-pandemia.
Miguel Arcanjo Prado – Pensa em fazer parcerias com produtores de conteúdo negros no Brasil no novo canal?
AD Junior – Claro que queremos parcerias com produtores negros. Já temos estreitado laços com o Anderson Jesus, do Iracema Rosa Produções, com a Sabrina Fidalgo e também existem conversas com outros produtores brasileiros. Tudo isso para cimentar o nosso ideal de construir uma narrativa escrita pelos nossos.
Miguel Arcanjo Prado – A Trace é uma plataforma que congrega o que mais?
AD Junior – A Trace Brasil é uma multiplataforma. Você pode ter acesso ao nosso conteúdo nas redes sociais, temos um canal de TV 24 horas (o Trace Brazuca), temos o Trace Trends que é um programa na Rede TV! (todas as terças às 22h30), o Trace Play (nossa plataforma de vídeos on demand) e em setembro traremos o Trace Academia (um espaço que traremos educação e entretenimento para jovens periféricos).
Miguel Arcanjo Prado – Qual o maior objetivo de vocês?
AD Junior – Nosso maior objetivo é ser um grupo referência em produção de conteúdo e empoderamento por meio da narrativa audiovisual. Não queremos ser o maior, mas sim o pioneiro que abrirá portas para muitas discussões positivas para trazer ao Brasil o avanço que precisamos.
Miguel Arcanjo Prado – Como vocês estão fazendo para driblar a crise da pandemia que pegou o canal no momento de lançamento?
AD Junior – Quando a crise chegou estávamos discutindo com as marcas que poderiam ser as parceiras do canal. Tudo parou. Porém, após o caso George Floyd nos EUA, as empresas retomaram o diálogo conosco. É um misto de apreensão e felicidade sobre a entrada do canal no ar. Ao mesmo tempo, sabemos a responsabilidade de como entrar com um canal sem gravar grandes conteúdos por conta da pandemia. Ainda assim, ante a tudo isso estamos extremamente positivos quanto às novidades que a Trace trará ao Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – Por que o Brasil precisa de um canal como o Trace Brazuca?
AD Junior – Levanto aqui uma outra questão: por que precisamos do Canal do Boi? Ou um canal de esportes radicais? Respondendo isso chegamos à necessidade de termos um canal como o nosso no país: existem grupos segmentados no nosso país. Precisamos da Trace Brazil para conversar diretamente com os afros brasileiros. Não temos nada de diferente em relação a canais que existem no EUA ou em outros países estrangeiros. O audiovisual está aí para explorar toda as nuances, e o nosso canal existe para lidar com a parte ligada a cultura afro brasileira no Brasil. Faremos isso de uma forma cada vez mais original, porque traremos legitimidade de quem fala (quem conta a sua narrativa) e para além disso fazer projeções de qual tipo de mundo os afro brasileiros querem pertencer. Um espaço onde os negros não serão chamados para falas caricatas ou estereotipadas.