Por Miguel Arcanjo Prado
Diretor em constante atividade no audiovisual argentino, trabalhando em cinema, televisão e streaming, Roly Santos é responsável por orquestrar o encontro cinematográfico entre Brasil e Argentina no filme Agua dos Porcos, que acaba de estrear no país-irmão no canal e plataforma Cine.Ar. Com roteiro de Oscar Tabernise, o longa deve chegar ao Brasil em 2021 com o título Águas Selvagens e produção de Rubens Gennaro e Virginia Moraes da Laz Audiovisual.
O filme policial, de gênero neo-noir, conta a história de um ex-policial (Roberto Birindelli) que vai à região da Tríplice Fronteira investigar um crime, mas acaba metido em uma teia bem maior do que imaginava. Estão ainda no elenco multinacional formado por atores argentinos, brasileiros e uruguaios Mayana Neiva, Allana Lopes, Juan Manuel Tellategui, Daniel Valenzuela, Leona Cavalli, Néstor Nuñez e Mausi Martínez, entre outros.
Roly Santos é responsável por sucessos como o longa Que Absurdo Es Haber Crecido, o documentário Café Sospeso — codirigido com Fulvio Iannucci e no catálogo da Netflix –, a série de ficção Dédalo, que recentemente estreou no Canal 9 da Argentina, e do documentário Manos Unidas, ainda por estrear.
Nascido na cidade de General Pico, em La Pampa, e vivendo na capital, Buenos Aires, Roly Santos conversou com o Blog do Arcanjo com exclusividade sobre a experiência em Agua dos Porcos/Águas Selvagens.
Leia com toda a calma do mundo.
Imagem do abre: o diretor argentino Roly Santos no set de Agua dos Porcos/Águas Selvagens com o protagonista do filme, o ator uruguaio Roberto Birindelli – Foto: Chaparral Pictures/Divulgação.
Miguel Arcanjo Prado – Como é para você estrear um filme no streaming no meio deste contexto de distanciamento social?
Roly Santos – Tem uma parte ruim e uma boa. A ruim é que o filme foi pensado principalmente para salas de cinema, tanto pelo tempo, a imagem e a trilha sonora. Uma estreia em TV e plataformas lhe tira impacto artístico. A boa é que o streaming chega a uma maior quantidade de pessoas. A audiência é exponencialmente maior e há mais possibilidades que o filme encontre seu próprio público. Aumentou a visualização de filmes e séries em plataformas, para os criadores de filmes é bom, contudo, há uma pandemia, eu me cuido do contágio e não me esqueço dos mortos nem do sofrimento dos familiares.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi trabalhar com um elenco multinacional falando castelhano e português em Agua dos Porcos?
Roly Santos – A grande maioria falávamos nos dois idiomas. Alguns atores do Uruguai e da Argentina vivem no Brasil. O portunhol é a língua que nos unia. Se pôde trabalhar normalmente, ainda que, nas cenas dramáticas de Mayana [Neiva] falando em espanhol ou de Allana [Lopes] falando português, tivemos de ensaiar e adaptar palavras, ou muito portuguesas ou muito hispânicas. Por exemplo, o personagem Blanca deveria dizer “foder” e preferimos que diga “transar”, que é uma palavra compreensível ao ouvido hispânico. Nós estreamos sem legendas, porque queríamos que a audiência argentina sinta essa dificuldade do idioma que não termina de entender, como sucede a um forasteiro nas fronteiras.
Miguel Arcanjo Prado – Você crê que o audiovisual brasileiro tem de aproximar-se mais do audiovisual argentino?
Roly Santos – É o recomendável e em Curitiba e Florianópolis eles sabem, estão fazendo muitas coproduções com Argentina, Uruguai e Paraguai. Rubens Gennaro [produtor de Agua dos Porcos/Águas Selvagens] já via isso claramente desde muito tempo. Em Curitiba, têm de batalhar coma discriminação de São Paulo e do rio em matéria cinematográfica. Eles têm mais problemas em concretizar uma parceria com Rio do que com Buenos Aires. Mas, o mais importante é que o cinema argentino tem entrada fluída com Espanha, França e Itália. Do contrário, para um filme brasileiro se faz muito difícil entrar em um mercado de 500 milhões de pessoas e ficará reduzido ao marcado do Brasil e de Portugal. Não falo de qualidade, pois todas as cinematografias têm qualidades, mas de mercados aos quais possam obter um filme. Não se trata que um filme brasileiro tenha sucesso na Espanha, México ou Argentina, se trata que muitos filmes brasileiros tenha esses territórios para que as histórias brasileiras se possam estender mais além de seus limites impostos pelo idioma.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi sua parceria com os produtores brasileiros Rubens Gennaro e Virginia Moraes, da Laz Audiovisual?
Roly Santos – Tive medo ao começar, desconfiava. O trabalho, a pré-produção, a filmagem, a solução de problemas, mudanças de governos, relação entre os institutos de cinema, temas financeiros, tudo podia ter fracassado e conseguimos eliminar as barreiras de desconfiança à força de trabalho e honestidade. Há imagens do fim das rodagens, todos abrançando-nos, elenco e equipe técnica. Todos puderam receber, não temos dívidas nem no Brasil nem aqui na Argentina. Se formou uma equipe onde, sinceramente, podemos dizer que terminamos amigos de todos. Só tenho palavras de agradecimento para Rubens e Virginia, para a Ancine, para o IAAVIM Insituto de Cinema de Misiones e para o INCAA da Argentina.
Miguel Arcanjo Prado – Quais são as expectativas para a estreia do filme no Brasil quando passe a pandemia?
Roly Santos – Isso eu não sei muito bem. Por um lado o público brasileiro já conhece os protagonistas, que não eram conhecidos na Argentina, mas o desafio é que se fala mais espanhol que português. Assim que, pessoalmente, não tenho nenhum prognóstico, mas sempre creio que um filme termina encontrando seu público, é necessário fazê-lo visível e entregá-lo ao público.
Miguel Arcanjo Prado – Fazer cinema de gênero, neste caso neo-noir, é mais difícil?
Roly Santos – O cinema de gênero tem seus fanáticos, como na literatura, desperta paixões, ódios e amores. Estou vendo a crítica dividida, uns muito a favor e outros em contra, é quase como um clássico de futebol, todos querem opinar sobre como deveria ser. Isso é o mais lindo do cine-neo-noir, “sua forma”, o conteúdo do crime é uma anedota, é a forma que esses crimes se contam o que importa para o noir. Não é que seja difícil, senão que a vara de medida é muito alta, há obras primas e fãs que seguramente se desilusionarão e outros que se encantarão. Não é mais que um filme, o melhor que nós pudemos fazer.
Miguel Arcanjo Prado – Quais são os novos talentos no audiovisual argentino e brasileiro na sua opinião?
Roly Santos – Eu conheci e vi trabalhos de Toni Venturi, Tata Amaral, Rose La Creta, Lucia Murat e meu referente obviamente foi um argento-brasileiro como o saudoso Héctor Babenco, mas há uma nova geração que ainda não conheço. Na Argentina, se está produzindo muito, também uma grande quantidade de referentes. Creio que o maior talento ou experimentação se dá nos gêneros do cinema que antes eram considerados Classe B e também nas séries para plataformas. O realismo dramático foi absorvido pela televisão. Quero dizer, os filmes realistas de câmera na mão, explorando a criminalidade ou denúncia social no cinema ficaram velhos, as redes são mais eficientes para a denúncia social audiovisual. O cinema se está reconvertendo (como o teatro) em gêneros mais ligados à fantasia, à exageração dos sentidos. Hoje o cinema está mais perto, criativamente, dos videogames que de Shakespeare.
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