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Pedro Granato: ‘Digital é ou não teatro parece passeata contra guitarras elétricas 2020’

Por Miguel Arcanjo Prado

O diretor Pedro Granato, do Núcleo Pequeno Ato, acaba de estrear a peça de teatro digital Caso Cabaret Privê, um thriller policial escrito por Tainá Muhringer e Felipe Aidar e disponível no Sympla. Ele se une à turma que já tem grupos como a Cia. de Teatro Os Satyros, de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez, como mais um adepto ao novo formato teatral que ganha, a cada dia, mais força neste novo normal, sendo aderido por nomes como Sergio Mamberti, Irene Ravache e Ana Beatriz Nogueira.

Nesta exclusiva Entrevista de Quinta ao Blog do Arcanjo, o artista paulistano fala sobre o processo do espetáculo e ainda revela novidades dos teatros públicos da Prefeitura de São Paulo, já que ocupa atualmente o comando da Coordenação de Centros Culturais e Teatros da Secretaria Municipal de Cultura.

Sobre a polêmica atual levantada por nomes conservadores em relação ao teatro digital, se seria ou não teatro, declara o seguinte: “Me parece uma passeata contra a guitarra elétrica 2020, sabe? É negar a evidência de uma coisa que já está acontecendo. Isso é teatro, não é teatro, acho essa discussão profundamente desinteressante. É uma realidade e a gente tem que lidar com ela. E acho que isso veio para ficar”.

Leia com toda a calma do mundo.

Miguel Arcanjo Prado – Esta é a primeira peça que você estreia no ambiente digital? Como se sente com esse novo formato?
Pedro Granato – Eu sinto que foi uma aproximação, na verdade. Eu vejo esse vínculo com o espaço digital como um processo que começou no País Clandestino, que foi o espetáculo que eu apresentei na MITsp, em 2018, que a gente criou a peça online. Fizemos algumas residências, porque eram 5 diretores um de cada País, mas teve muita parte do processo que a gente se falava por Skipe, então manter viva uma peça, construir um conceito online já foi treinado ali. Em 2019, no começo do ano eu estreei Babylon: Beyond Borders, no Sesc Consolação, e essa realmente foi feita online com 4 países conectados simultaneamente, só que acontecia no palco, era uma peça hibrida. Isso me preparou para entrar nessa peça francamente digital e acreditar que isso é possível. Me sinto experimentando uma coisa mais avançada que é a interatividade, de realmente não estarmos juntos durante a execução da peça. A pandemia, de certa forma, potencializou uma coisa que já existia, essas ideias e esses caminhos já estavam testados e a pandemia me forçou a entrar com os dois pés.

Miguel Arcanjo Prado – Como foram os ensaios? Como os atores lidaram com essa nova plataforma de atuação?
Pedro Granato – A gente teve uma boa parte do processo presencial antes da pandemia, então a gente migrou pro ensaio virtual e aí que a gente foi fazendo esses ensaios de cabine, de pequenos números individuais e foi construindo esse novo formato da peça. Não tínhamos o formato fechado. Em princípio seria um show em uma noite em que acontece um crime. Com os ensaios online partimos para a ideia do interrogatório. O crime já aconteceu e agora estamos interrogando as pessoas que estiveram nessa noite. Isso mudou muito a dinâmica dos ensaios. E também me ajudou muito nesses primeiros dias mais difíceis de encarar a pandemia, pois a gente assistia muito shows, ouvia muita música, via as coreografias, os cabarés, uma coisa bem viva, irreverente. É claro que nos momentos de crises do processo, dos momentos conceituais e colaborativos, não estar junto fez muita falta. E a gente se reuniu uma vez, em pequenos grupos, pra fazer as gravações de cenas (usadas como flash-back na peça) e isso também foi muito gostoso, poder ver as pessoas que a gente estava trabalhando.

O diretor Pedro Granato, da peça Caso Cabaré Privê, do Núcleo Pequeno Ato – Fotos: Bob Sousa – Arquivo Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – O que responde aos conservadores que andaram dizendo que teatro digital não é teatro?
Pedro Granato – Me parece uma passeata contra a guitarra elétrica 2020, sabe? É negar a evidência de uma coisa que já está acontecendo. Isso é teatro, não é teatro, acho essa discussão profundamente desinteressante. É uma realidade e a gente tem que lidar com ela. E acho que isso veio para ficar, essas relações tecnológicas já estavam ocorrendo, já teve alguns anos atrás uma peça na Mitsp que nem tinha atores, uma encenação com recursos tecnológicos, então acredito que a presença do ator em tempo real (mesmo que virtual) junto da plateia é muito rica e isso o cinema não oferece. Se a peça vai ser virtual ou presencial são variações que você pode jogar. Tem grupos que já fazem essa mistura. Eu sinto que é uma realidade e a gente vai ter que jogar com ela. Grupos mais interessantes estão jogando com isso, estão fazendo experimentos interessantes, ricos, inovadores. São os inquietos com o Magiluth, a Munganzá criando um portal digital, Os Satyros…todos buscando novos formatos.

A atriz Leticia Calvoza na peça de teatro digital Caso Cabaré Privê, do Núcleo Pequeno Ato – Foto: Ana Alexandrino/Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – Como faz para conciliar seu trabalho artístico com o de gestor público dos teatros municipais?
Pedro Granato – Olha Miguel, eu não sei como eu faço pra conciliar [risos].

Miguel Arcanjo Prado – O que vocês têm planejado na Secretaria Municipal de Cultura em relação aos teatros municipais neste novo normal?
Pedro Granato – A gente tem feito muita coisa. Primeiros algumas ações para o setor, fizemos uma escala de contratações de atrações online em tempo recorde, a gente nunca fez tantos contratos em tempo tão curto. Só na coordenação dos teatros a gente já está passando agora de 2 mil artistas e mais de 1.2 milhões de visualizações, só com artistas independentes. Muito nesse trabalho de pulverização, de formiguinha, de fazer redes de visibilidade pra quem está precisando e pra quem tem um trabalho que merece ser mais conhecido pelo público. A partir disso fizemos um edital emergencial de premiação para os espaços culturais onde conseguimos premiar 100 espaços dando uma ajuda nesse momento tão difícil. Agora em agosto vai ter o Festival Palco Presente que a ideia é justamente os teatros privados e os teatros públicos fazerem programação virtual a partir do teatro, voltar a ocupar esses prédios. Esse final de semana fui fazer a gravação dessas cenas da peça Caso Cabaré Prive no Pequeno Ato e foi muito prazeroso! Foi muito bom pensar que eu posso manter o distanciamento social, usar máscara, evitar aglomeração, sou seja, ainda não é abrir para o público, mas eu posso usar o teatro e ter todos os recursos dele, a luz, o som, a caixa preta, que é totalmente diferente de fazer alguma coisa em casa. E a partir daí a Secretaria vê com muito cuidado essa retomada que vai ser feita muito pouco a pouco, primeiro nesse caminho digital, depois nas áreas abertas ou apresentações em teatros sem público para ir lentamente retomando o público nos espaços quando houver mais segurança, quando a gente sentir que isso não está contribuindo para se alastrar a pandemia.

O ator Gustavo Zanela na peça de teatro digital Caso Cabaré Privê, do Núcleo Pequeno Ato – Foto: Ana Alexandrino/Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

Miguel Arcanjo Prado – Sobre o que é esta sua nova peça? Como será a interação com o público?
Pedro Granato – A peça é sobre um assassinato em um cabaré. Só que é um assassinato de um figurão político, é o filho do presidente, que como muitas celebridades fez uma festa privê, no caso um cabaré, e isso é uma coisa totalmente fora da agenda dele, os números foram pensados pra receber esse cara. O corpo foi encontrado, mas não está claro como ele morreu e quem o matou e aí começa essa trama de mistério onde a plateia vai interrogando as pessoas que estavam nessa noite pra poder achar essas respostas em um tempo bem emergencial, pois essa noticia está prestes a explodir por ser o filho do presidente. E por ser em um cabaré fechado a notícia ainda não vazou, eles estão tentando abafar e os investigadores tem que achar alguma resposta convincente pra poder noticiar isso para o público.

Miguel Arcanjo Prado – O que hoje você mais deseja aos artistas? E ao Brasil como um todo?
Pedro Granato – Que a gente tenha capacidade de se unir porque eu sinto que a gente se perde em pequenas discussões internas. A gente comete o terrível erro de achar que o mundo é a classe artística. Ou achar que o público do teatro tem que ser os fazedores de teatro quando temos uma cidade inteira pra conquistar. Minha sensação é que tanto na politica pública quanto mesmo nessa discussão que você colocou do teatro on-line ser ou não ser teatro, a gente se desgasta, se opõe, em um setor que precisa de união, que precisa trabalhar como setor para expandir a sua importância pra sociedade. Quanto mais peças tivermos e mais públicos nessas peças, todos ganham! Quantos mais editais, quantos mais artistas passarem pelo poder público, acredito que essa ideia de um setor como um todo acho que é o que eu mais desejo. Acho que isso reverbera para o Brasil também, que a gente se veja como uma população mesmo. Um País com muita desigualdade, com muitas questões, racismo estrutural, a gente precisa se unir mesmo, a gente precisa transformar o País a partir de um projeto comum. Buscar ouvir o outro, buscar empatia, buscar resgatar projeto de País. Sinto que estamos em um momento que a gente ofende o outro projeto de País, mas é difícil você ver um projeto de futuro consistente então a gente precisa reinventar o nosso futuro, precisa parar de viver de passado e construir um futuro juntos. É isso que eu desejo para a cultura, é isso que eu desejo para o País, que a gente volte a ter perspectiva, que a gente possa trabalhar juntos!

Colaborou Adriana Balsanelli.

Veja a peça Caso Cabaret Privê

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