‘Ignorância inacreditável’, diz Caetano de artigo da Rolling Stone sobre sua live

Por Miguel Arcanjo Prado

O jornalismo cultural brasileiro anda agonizante assim como o país. Quem demonstra isso é Caetano Veloso, com didatismo de um professor, ao expor artigo de “ignorância inacreditável” da revista Rolling Stone, como definiu o compositor baiano em vídeo já visto por 80 mil internautas até a publicação desta reportagem.

O músico fez questão de vir a público criticar a nota da revista Rolling Stone sobre a live de aniversário de 78 anos que fez com os filhos, Moreno, Zeca e Tom, na última sexta (7) no Globoplay, com produção de Paula Lavigne.

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A Rolling Stone listou os seis melhores momentos da live de Caetano Veloso e filhos. No último ponto, intitulado “Instrumento original”, a publicação escreveu: “um dos momentos mais inusitados e cômicos aconteceu em ‘Pardo’, quando Moreno Veloso, na falta de instrumentos, usou um prato e um talher para fazer o som. Quem sabe faz ao vivo, não é?”.

O texto da revista especializada na área musical debochou do fato de Moreno tocar um prato e um talher como instrumento, no que a publicação demonstrou grande desconhecimento musical, já que os objetos fazem parte das raízes do samba.

A tradição não só é mantida no Recôncavo Baiano, terra natal do compositor e de sua irmã, Maria Bethânia, como nas rodas de samba Brasil afora. Qualquer pessoa que se aproxime de verdade de um dos mais emblemático estilos musicais do país sabe disso.

Mas, a revista Rolling Stone, em texto não assinado, classificou de cômico o fato de Moreno utilizar um prato para fazer música — como se houvesse alguma regra para produção musical.

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A fala da revista explicita inclusive desconhecimento não só da música brasileira, que extrai som ritmado até mesmo de uma caixa de fósforos, como da história musical da humanidade, que sempre foi capaz de fazer música com qualquer objeto desde as mais remotas eras.

Com razão, Caetano chamou o texto da Rolling Stone de “maluquice” e “ignorância inacreditável”, demonstrando-se chocado com o nível do jornalismo musical praticado pela versão brasileira de uma revista musical de renome internacional.

E lembrou que o texto comprova desconhecimento de sua própria obra, reforçando que seu disco Araçá Azul, de 1972, priorizou o prato e faca entre os instrumentos utilizados.

Dona Edith do Prato, que morreu em 2009, um ícone do prato e faca no Samba de Roda do Recôncavo Baiano – Foto: Divulgação – Blog do @miguel.arcanjo

O texto da Rolling Stone reflete a opção pelas grandes redações em abrir mão de profissionais qualificados e com trajetória na cobertura cultural para contratar redatores de custo inferior, mas sem a mínima formação ou especialização na área que cobrem.

E chama a atenção que instrumentos não-canônicos e de origem negra na música brasileira sejam motivo de deboche para a Rolling Stone, o que só evidencia uma visão reducionista do que poderia ser considerado “música”, visão esta colonizada e preconceituosa — pois é estruturalmente racista no tipo de argumentação.

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Arcanjo indica: artigo Samba de Roda, O Prato e a Faca como Tecnologia Sonora, de GG Albuquerque

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Caetano explica ‘prato e faca’

Caetano Veloso, didático, explicou em vídeo para os repórteres e editores da Rolling Stone por que seu filho Moreno tocou prato e faca em sua live.

“Prato e faca no samba de roda na Bahia é obrigatório. É um instrumento tradicional, mas, não é só na Bahia. João da Baiana… Aqui no Rio ainda tem gente que toca, em área de samba mesmo, tem gente que toca. Você falar com qualquer pessoa do mundo do samba que sabe das coisas, falar ‘prato e faca’, ‘ah sim, prato e faca’, entendeu?”.

E prosseguiu sua réplica: “Agora, uma revista de música pensar que prato e faca foi inventado na hora, porque Moreno não tinha instrumento, é uma maluquice. É uma ignorância inacreditável”, pontuou o cantor e compositor baiano.

Paula Lavigne, produtora, empresária e mulher de Caetano, também pontuou: “Uma p… produção da Globoplay não tinha instrumento, ele pegou uma faquinha e um pratinho… Oh, meu Deus do céu! Ô, turma, vamos ‘se ligar’, né?”, pediu a empresária.

“O prato e a faca, em uma roda de samba, são uma forte representação da nossa cultura. Qualquer profissional que se propõe a falar sobre música deveria ter o aprofundamento necessário para tratar de nossa cultura com mais cuidado e respeito”, afirmou Caetano Veloso.

Folha: ‘Estilo caseiro’

O jornal Folha de S.Paulo também falou do prato e da faca utilizados na live por Moreno Veloso como “estilo caseiro”, sem explicar sua tradição na música popular brasileira. Escreveu a Folha, também em texto sem assinatura do autor: “[…] reforçando o estilo caseiro da live, Moreno Veloso o acompanhou tocando um prato com um talher, que voltou a aparecer em ‘Reconvexo'”.

Após a repercussão negativa nas redes, tanto a Rolling Stone quanto a Folha editaram os textos originais em seus sites.

A situação anda realmente complicada para o jornalismo musical (e cultural) brasileiro.

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Veja o vídeo de Caetano Veloso comentando o artigo da Rolling Stone:

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@morenoveloso aparece em algumas canções tocando prato e faca, instrumentos muito importantes e tradicionais no samba e na cultura popular. A @Rollingstonebrasil citou esse momento como cômico e inusitado, mas o fato é que de inusitado não tem nada. O prato e a faca, em uma roda de samba, são uma forte representação da nossa cultura. Qualquer profissional que se propõe a falar sobre música deveria ter o aprofundamento necessário para tratar de nossa cultura com mais cuidado e respeito. Se vocês não viram ou querem assistir novamente a live estará disponível até dia 07/09 no @globoplay para não assinantes! (Link nos stories) #CaetanoVeloso #CaetanoNoGloboplay

Uma publicação compartilhada por Caetano Veloso (@caetanoveloso) em

Veja vídeo com Maria Bethânia, Dona Canô e Dona Edith do Prato mostrando o Samba de Roda de Santo Amaro da Purificação, na Bahia, em 1971:

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Caetano Veloso, Moreno Veloso, Zeca Veloso e Tom Veloso em retrato de Bob Sousa @bobsousa para o Blog do @miguel.arcanjo
Caetano Veloso em retrato de Bob Sousa @bobsousa para o Blog do @miguel.arcanjo

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14 Resultados

  1. André disse:

    Miguel, parabéns pelo texto. Concordo com tudo o que você disse. Agora, o Caetano, cuja live me fez chorar – meu segundo choro nesta quarentena – por causa de sua imensa beleza, sempre respondeu à ignorância do jornalismo cultural. Em entrevista ao programa Vox Populi (Cultura) em 1978, ele rechaça com veemência dois “papas” (papas da arrogância, para mim), o Geraldo Mayrink e o Fernando Moraes. Mas você tem razão, com raras exceções, e elas não estão quase nunca nos meios tradicionais, a burrice triunfou.

  2. Delane José de souza disse:

    Por certo o pessoal da Rolling Stone desconhece o magistral Hermeto. Sugiro que ouçam “Chá de panela”, dos não menos magistrais Guinga e Aldir. “..se a criação é mais/ se o músico for bom / até pinico dá bom som”

  3. Primeiro é divino maravilhoso ouvir e ler Caetano eĺe consegue chamar de maluquice um comentário …que só palavras de baixo calão respondem.Segundo caso fosse um acaso seria um lindo e precioso acaso pois Moreno esbanja delicadeza e destreza que são dons de poucos ..Sugiro a criação do prêmio PRATO DE PRATA.
    Babacones!!

  4. Roberto Nunes Fernandes Junior disse:

    Ninguém pode criticar o deus caetano veloso…

  5. Alexandre Pachco Rodrigues disse:

    Simplesmente ridículo o “comentário” da revista Rolling Stones sobre o prato/faca tocado na live de Caetano Veloso/78 anos. A incompetência compromete a credibilidade da revista e renova o alerta: a ignorância e o preconceito são irmãos siameses.
    Parabéns ao Caê e filhos pela magnífica live. Parabéns especial ao Moreno, pela extrema habilidade no tocar do prato/faca.

  6. Álvaro Augusto Rodrigues disse:

    Provavelmente nunca viram e nem ouviram Ciro Monteiro e sua caixinha de fósforos. E graças a Deus a percussão brasileira é muito mais do que artigos apócrifos da Folha e da Rolling Stones.

  7. Josué disse:

    Se duvidar os caras confundem até berimbau com guitarra elétrica

  8. Lili disse:

    Meu Deus, quanta ignorância desse suposto critico musical! E o que mais me espanta é uma revista há tantos anos referência nesta área publicar o mesmo. Reflexo dos terríveis tempos que enfrentamos. Desde criança sei da existência do “prato e talher” como mais um instrumento do samba. Para um músico, se extrai som do que for possível. Triste momento esse, em todos os sentidos….

  9. Maria Emília Melo disse:

    Completo desconhecimento da história do samba e da cultura popular.

  10. Mônica Padilha disse:

    Textos condenáveis de jornalistas que nem se deram ao trabalho de pesquisar sobre nossas origens musicais. Mas Caetano fez o mesmo quando chamou de “execrável” música do cantor e compositor Vicente Celestino, sem saber que a letra baseou-se em uma lenda de vários países europeus. Tão execrável que a gravou em 1968. A ignorância promove injustiças.

  11. Verdadeira e necessaria fala de Caetano, tem a fala acima de Delane José de souza sobre Hermeto, e ai poderíamos viajar no mundo com Andreas Vollenweider e seu “LP” A Caversa, onde sons de gostas de agua em uma caverna tbm se torna música. Falta realmente pesquisa e sensibilidade, algo fundamental na Arte.

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