‘Internet pode expandir o teatro’, diz João Bosco Amaral da Indelicada Cia
Por Miguel Arcanjo Prado
João Bosco Amaral é o responsável pela adaptação para o teatro digital da peça O Príncipe, da Indelicada Cia Teatral, que faz temporada nas redes do grupo de 20 a 30 de agosto. O texto dele é inspirado em Shakespeare e Maquiavel e traz os atores Evandro Costa e Ricardo Fiuza em linguagem clown. Com experiência internacional, o grupo de Goiânia já representou o teatro brasileiro em lugares como México e Equador.
Nesta exclusiva Entrevista de Quinta ao Blog do Arcanjo, Bosco Amaral nos conta como foi esse processo, fala o que pensa do teatro digital e todas as discussões a respeito e ainda revela seu desejo às artes cênicas neste momento. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Como foi adaptar a peça para o formato digital?
João Bosco Amaral – A adaptação aconteceu pela necessidade do momento de permitir que o Teatro possa continuar acontecendo, mesmo na impossibilidade da reabertura dos centros culturais e da realização com a presença “in loco” do espectador. Assim nasceu a ideia de adaptação deste formato, que permite novas experimentações e uma interação com os espectadores por meio das redes sociais e também ampliando e diversificando o público. O processo foi muito interessante, porque nos obriga a repensar conceitos, modos de trabalhar e experimentar a criação, o que para o artista é fundamental. Estar nesse lugar de buscar novas possibilidades estéticas e técnicas é o que nos move e é a premissa desse Teatro Indelicado que estamos investigando desde a criação do grupo. Nesse aspecto, não podemos nos furtar à busca de soluções cênicas para o trabalho, e também é uma forma de fazer com que a Arte, o Teatro possa de algum modo “suavizar” esse momento de distanciamento social e de crise sanitária pela qual estamos passando. E fazendo isso com o clown, com o humor e a sátira, estamos também trazendo de maneira cômica uma reflexão sobre diversos temas da nossa atualidade. O melhor de tudo é podermos continuar criando, encontrando novos palcos, ferramentas e mantendo contato e criando novas plateias.
Miguel Arcanjo Prado – Como enxerga essa reinvenção que o teatro vem fazendo?
João Bosco Amaral – O Teatro vem se reinventando desde o principio da humanidade, desde os primórdios de sua criação. Ele evolui juntamente com o desenvolvimento do ser humano, sendo não só um espelho de cada sociedade, mas também uma espécie de prisma refratário que dá nortes e caminhos para onde nós, como sociedade, indivíduos e culturas vamos caminhando. E assim, sempre assimilando valores e também tecnologias que cada vez mais vieram a somar e trazer novas ferramentas e possibilidades criativas para a cena. Assim, o Teatro só tem a ganhar, e essa ideia “estapafúrdia” de que o Teatro vai acabara ou de que “isso não é teatro” não ganhará eco na história. Imagine que o Teatro já passou por isso inúmeras vezes, seja quando a mulher teve o direito de assistir e depois atuar no teatro, quando veio a iluminação a vela, a energia elétrica, a música gravada, projeções e etc. O melhor é que diversificaram as linguagens, cresceu a quantidade e a variedade de espetáculos e quem tem a ganhar é o espectador, o público que terá um cardápio amplo para definir aquilo que lhe agrada ou não. A contemporaneidade tem por premissa a hibridização de estilos, e a arte precisa estar a serviço do seu tempo. Quem define ou dá juízo de valor é o espectador, que pode escolher aquilo que mais lhe apetece. Outra coisa, é que este formato já vem se desenvolvendo há um bom tempo, e artistas e grupos que lançaram mão desses formatos não só ampliaram seus espectadores através das telas, como arrastaram multidões aos teatro, circos e locais de apresentação. O exemplo mais notório é o Cirque de Soleil, que é mundialmente famoso, onde milhões assistiram suas peças digitalmente, e sempre que realizam apresentações e temporadas em qualquer cidade do planeta estão com ingressos (a preços caros) esgotados, pois todos querem também acompanhar o fenômeno ali. Isso tem dado muito certo com a Broadway, que arrasta gente do mundo inteiro a Nova York.
Miguel Arcanjo Prado – Qual público você quer que assista à peça nas plataformas?
João Bosco Amaral – O maior e mais diversificado possível [risos]… Brincadeiras à parte, acredito que este formato, que ainda não sei qual nome dar (Teatro Online, Digital, Virtual, WiFi) tem um poder de alcance e democratização muito maior do que se estivéssemos apresentando em um teatro de 300 a 500 lugares de uma determinada cidade. Apenas àquelas pessoas testemunhariam aquele fenômeno, o que é uma das coisas exclusivas das Artes Cênicas, possível de ser reproduzida nesta plataforma também. Mas acredito que é necessário que o Teatro chegue cada vez mais às pessoas. São centenas de municípios do Brasil que nunca receberam uma apresentação de Teatro, Mais de 80% da nossa população nunca foi assistir à uma peça. Então é preciso sim, uma expansão destas atividades, ainda limitadas à grandes centros. A internet pode ser mais uma maneira de se expandir isso, mas ainda esbarramos também no acesso digital. Precisamos ter também a democratização do acesso à internet, essa dura realidade bateu às nossas portas, e muitas pessoas estão sendo alijadas dos seus direitos constitucionais de acesso à Educação e à Cultura simplesmente por não possuírem acesso aos meios digitais.
Miguel Arcanjo Prado – Como os atores reagiram a este novo formato?
João Bosco Amaral – Muito bem, pois estavam com muita vontade de voltar para a cena, para as salas de ensaio, com vontade de criar e de experimentar. E principalmente de poder realizar suas atividades depois de praticamente 5 meses de inatividade ou de trabalhos solitários. Voltar, mesmo que muitas vezes “à distância” encurta os espaços e permite que possamos manifestar o que de mais humano existe: A cultura, a afetividade e a conexão com o outro. Do ponto de vista técnico, essa adaptação exigiu dos atores um apuro com os detalhes, principalmente. Nos Teatros, o espectador normalmente não consegue ver com tanta proximidade os atores, cenografia, maquiagem… Com a lente da câmera mais próxima e o olho colado nas telas dos smartphones, tablets, notebooks, etc, cada mínimo detalhe é ampliado, e a emoção, sentimentos e intenções precisam aparecer em toda a musculatura do ator, que muitas vezes terá apenas partes em evidência para criar uma comunicação com quem assiste.
Miguel Arcanjo Prado – O que mais deseja para o teatro hoje?
João Bosco Amaral – Creio que desejo o que sempre desejei. A arte está eternamente em crise, pois o ser humano está sempre em crise. E a Arte existe justamente por causa disso. Pela nossa necessidade de refletir, de criar e de interpretar nossa existência no compartilhamento com o outro. Desejo ao Teatro que ele possa ser cada vez mais difundido por toda a sociedade, que ele possa chegar ao maior número de pessoas, sendo democratizado de fato. Nesse sentido, mais do que nunca é preciso ser artista e fazer Teatro. Mais do que nunca é necessário criar!
Veja O Príncipe, da Indelicada Cia. Teatral