Cicero Lira e Thadeu Peronne falam sobre peça Que Absurdo! e teatro digital
Por Miguel Arcanjo Prado
O ator Thadeu Peronne celebra 30 anos de carreira neste sábado (29), às 21h, com o espetáculo digital Que Absurdo!, sob direção de Cicero Lira, na Sympla. O enredo mostra um artista em isolamento que recebe uma surpreendente visita. Direto de Curitiba, a dupla de artistas falou com exclusividade ao Blog do Arcanjo sobre o projeto e o mergulho no teatro digital. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Como surgiu a ideia?
Thadeu Peronne – Começamos lá por janeiro, fevereiro, estava terminando minhas cenas de uma série de televisão nacional, retomamos a ideia de montarmos algo juntos, um monólogo que seria para estrear no Teatro Guaíra, era o que tínhamos em mente. Sou muito grato ao Cícero, talentoso Cícero Lira, pelo convite e que depois virou uma parceria da Thadeu Peronne Produções com a Cícero Lira Produções. Temos uma longa amizade.
Cicero Lira – Já há algum tempo eu queria fazer um Projeto com o Thadeu que é meu amigo de longa data. Ele é um ator completo e inteligente… que admiro. Então a ideia era que em 2020 (ano em que ele completa 30 anos de carreira) comemoraríamos a data com uma peça de teatro. No fim do ano passado não tínhamos ideia do que montar. Estávamos no processo de pesquisa de texto. O que sabíamos era que eu iria dirigi-lo num monólogo. Avançamos as pesquisas em janeiro e fevereiro (remotamente) e decidimos que eu iria escrever e a ideia era estrear no Mini-Guaíra.
Miguel Arcanjo Prado – Como é celebrar 30 anos de carreira?
Thadeu Peronne – Realmente comemorar trinta anos de estrada, com um convite bacana desses me deixou muito feliz. Então encorajado em ele próprio a escrever o texto e dirigir, começamos os estudos. A questão da dramaturgia foi um processo bastante interessante. Aliás o processo nesse trabalho está sendo incrível. Foi uma lapidação até chegar nessa pérola.
Miguel Arcanjo Prado – E como encararam este novo momento?
Thadeu Peronne – Por conta da pandemia foi tudo uma loucura. Trancado em casa comecei a fazer uma revisão de tudo. Abria e fechava caixas, gavetas…fazendo uma revisão da vida, limpezas! Tudo isso no meio dessa angústia da pandemia e do que temos passado com relação as artes e a cultura no Brasil. Durante todo esse tempo abríamos câmera quase todos os dias. O processo foi teatral mesmo. Só que por internet. Texto, estudos, pesquisas, trabalhos de mesa, leituras, improvisações etc. Incrível. Depois alguns encontros presenciais, com distância e esses neuróticos protocolos de pandemia. Mas 95 por cento tudo virtual.
Cicero Lima – Com o impacto da pandemia veio o isolamento, teatros fechados e continuamos com o projeto e eu tive a ideia de escrever sobre o absurdo de estar isolado, mas também o absurdo das relações voláteis que vivemos, da paixão pelo teatro e, sobretudo, sobre a importância de valorizar a liberdade e a necessidade de se ter compaixão pelo outro. Com a impossibilidade de estrear no teatro, optei em fazer para a câmera. Uma possibilidade de tornar hibrida a linguagem do teatro e cinema e/ou teatro/audiovisual. Mas como isso é ou foi possível? Este foi o grande desafio da direção. Um ator sendo dirigido virtualmente, permeado por uma câmera, em plano americano, mas com leitura de texto (de mesa como chamamos no teatro), com exercícios de improvisação e construção de personagem. Eu propus o mínimo de gesto para o ator. Uma interpretação de fundo de olho, clean e absolutamente humana. Durante todo o processo, com os ensaios já em avançados, percebemos que, além da câmera e da atuação, precisaríamos pensar na transmissão dessa sessão ao vivo e decidimos pelo Youtube. Não só a direção do Monólogo (a distância, diferente do que normalmente fazemos já que a presença no teatro é (era) fundamental), mas também o processo de produção foi absurdamente único. Minha intenção, com a direção era colocar o espectador virtual no proscênio de frente para o ator. Sem tecnologia adequada, de altíssima qualidade não se consegue o resultado que imprimimos no Monólogo. Por isso fechamos uma parceria e as sessões ao vivo ocorrem dentro de um estúdio que possui toda a infraestrutura que desejamos e seguimos rigidamente todos os protocolos de saúde.
Miguel Arcanjo Prado – Chegaram a ter medo?
Thadeu Peronne – Um pouco assustador eu diria, mas com muito bom humor. Outra questão que tivemos que nos debruçar foi a linguagem que envolvia a tecnologia de captação, transmissão, receptividade do público, aliás ainda é parte do estudo. Esse jogo teatral/digital agregou artistas parceiros incríveis como o Maestro Harry Crowl, que nos cedeu algumas de suas músicas. Ele fora o criador das músicas de Sete minha última montagem. A designer Miriam Fontoura, que fez um trabalho de criação das artes de divulgação, incrível. O músico carioca Thiago Mocotó que nos cedeu uma de suas músicas. Ou seja cada qual convidava seus amigos e estes iam aceitando, por exemplo recentemente entrou no nosso time a poeta Gloria Kirinus.
Miguel Arcanjo Prado – Tem algum patrocínio?
Thadeu Peronne – Tudo foi feito na raça e na parceria, pois não há investimento de Leis de Incentivo. Depois o estúdio onde ocorrem a captação da peça, que atende a todos os protocolos da pandemia. Tudo que o espectador recebe em casa é estudado, e estamos lapidando tudo isso, aprendendo. Para nós é tudo muito novo no campo cibernético. Há muito profissionalismo nisso tudo, apesar de novo.
Miguel Arcanjo Prado – E o nome, como surgiu?
Thadeu Peronne – Esse nome, Que Absurdo!, foi genialmente criado pelo Cícero, traz toda uma síntese sobre tudo que estamos passando. No que tange ao meu trabalho de ator, não muda em nada, penso que a essência seja a mesma. Trouxe para a direção um trabalho mais contido, corpo, emoção, fundo de olho, atendendo ao que também ele, o diretor, queria. Afinal estamos trabalhando com uma linguagem híbrida. O personagem é incrível. No Brasil estamos enfrentando um descaso com as artes cênicas, as artes em geral, eu realmente não entendo isso. A arte é fundamental para a evolução de uma sociedade. E aqui faço reverência para Federico Garcia Lorca “Um povo que não aguça ou fomenta seu teatro, se não está morto, está moribundo”. Mas percebo que todos amam os artistas. Se vocês observarem em tudo está presente as artes. Somos arte. Penso que devagar estamos avançando encontrando saídas.
Miguel Arcanjo Prado – Como enxergam este novo momento das artes cênicas com o teatro digital?
Thadeu Peronne – Eu, particularmente penso ser um momento muito novo. Um renascimento. O teatro sempre se adaptou as mudanças da vida cotidiana na história, e, tudo mudou, e é preciso essa adaptação. Antes não tínhamos a luz, depois da luz, tudo mudou. Há muitas críticas porém temos de nos adaptar. No futuro teremos um teatro híbrido. Há uma diferença em filmar uma peça, concebida unicamente com uma linguagem de palco e uma peça concebida diretamente para internet. Pra mim o digital seria uma simbiose do teatro de palco, passando pelo audiovisual até chegar nessa terceira fase que seria o que o público vai receber em casa. É preciso estudar e entender esses softwares, essas tecnologias. É importante entender que em casa o público, principalmente neste momento recorre às artes, isso é indubitável. Eu chamaria também de Poética Cibernética. Os filmes por exemplo têm todo um tratamento estético. O padrão de comparação é alto. Mas estamos fazendo teatro, então é preciso todo um equipamento de alta qualidade tanto na captação quanto na transmissão. As plataformas como Youtube criam constantes atualizações, às vezes um pesadelo para quem transmite. Fora toda a burocracia técnica. As salas de reunião adaptadas para teatro precisam melhorar, elas precisam ser adaptadas para salas de teatro mesmo, seria incrível que isso fosse criado. No que tange as artes cênicas, fomos os primeiros a parar e seremos os últimos a voltar, certo? Porém nunca paramos de fato, todos continuam a criar. Tenho visto trabalhos incríveis do mundo todo e aberturas para divulgação e incentivos. Críticos, pensadores como você Miguel, que incentiva e dá espaço para artes. São tantos profissionais incríveis. Nessa pandemia, daquele meu jeito de dormir muito pouco, assisti mais de cento e cinquenta espetáculos disponibilizados nas redes sociais e muitas lives, teatro ao vivo digital etc. Além de ter me afundado em reflexões profundas acerca das Artes Cênicas… Penso que deveria se criar editais imediatos para transmissões de espetáculos de teatro digital, adaptados a essa nova realidade. É preciso essa adaptação. Muitos trabalhos estavam prontos e tiveram que parar. Mas como adaptá-los para o digital? Dá, porém isso demanda recursos técnicos. É o que penso. Haverá um hibridismo nas linguagens porém, o teatro presencial é sem dúvida o teatro verdadeiro e nunca deixará de ser. Essa questão da pandemia pede adaptações cruéis pois diminuindo o número de espectadores numa sala de teatro, faz com que a bilheteria não banque os espetáculos. É preciso incentivo ou por renúncia fiscal ou que os empresários de fato, apostem nas artes. Temos trabalhado muito nisso. O teatro filmado já existe há tempos. A teledramaturgia, lembram?
Miguel Arcanjo Prado – E você, Cícero, o que acha do teatro digital?
Cicero Lira – Ouvimos muitas críticas a respeito do teatro digital e alguns até questionam se isso é realmente teatro ou audiovisual ou TV ou uma mistura. Se lembrarmos que a palavra teatro (do grego) significa – lugar para ver ou para contemplar – e que há essa comunhão entre ator e público presencialmente, acredito que não seja teatro mesmo o que estamos fazendo. Mas essa perspectiva não deve ser a única. O teatro -só- tem 5 mil anos e nunca vai deixar de existir! O teatro digital (não estou falando do teatro filmado que já é uma realidade há muito tempo) veio para ficar. Esse hibridismo é muito interessante. E também é desafiador para qualquer diretor ou ator. O modelo de negócios de produção cultural também teve que se adaptar. Mas as parcerias, já que não temos nenhum patrocínio, são fundamentais e elas sempre existiram no nosso ofício. A divulgação agora está sendo feita por nichos e o público está na internet. Então entender de marketing digital é fundamental para o produtor e ser estratégico, além de oferecer um produto de alta qualidade artística e técnica. Não tem como você reter a atenção do espectador/internauta se o som tem ruídos, se a internet falha no meio da projeção, se a imagem não tem qualidade…Ou seja, já é difícil normalmente, pois o público, principalmente os jovens, estão imersos em tantas outras atrações ou distrações no meio digital que fica difícil competir.
Miguel Arcanjo Prado – Pretendem deixar a peça em cartaz nas redes por quanto tempo?
Thadeu Peronne – A peça é para o palco. Foi adaptada. Pretendemos seguir sim. Mas as datas e apresentações estão sendo estudadas. Tudo tem um custo e o processo de divulgação demanda muito empenho. Tudo muito desafiador. Precisamos de patrocínio. Vendas antecipadas. Ainda em disponibilizar sessões do Que Absurdo! gravadas. Deveria existir mais editais que premiasse espetáculos gravados para que estes fossem disponibilizados para o público. Também penso, agora como diretor dos meus trabalhos, adaptá-los para o sistema digital AmorexiA Tragicomédia Musical Num Cabaré, As Aves de Aristófanes e Sete. Que Absurdo! Podemos dizer que já nasceu nesse terreno. Há muito pela frente, todos os dias.
Cicero Lira – Estamos planejando cumprir a temporada que começou em agosto e devemos ir até o mês de setembro. A ideia é fazer mais duas sessões Ao Vivo. Temos outros planos de também oferecer ao público a sessão gravada, mas ainda estamos estruturando esse modelo em termos de distribuição e devemos testar se há demanda. Uma temporada de teatro, normalmente, ocorre desta forma: um mês com sessões de quinta a domingo. Quando você vai para uma plataforma digital isso cai por terra. O investimento que se deve ter em marketing digital para que você tenha um público razoável é gigantesco. Patrocínio sem Lei de Incentivo também é quase impossível. Mas estamos aprendendo com erros e acertos. Eu acredito que o processo de uma montagem (seja ela digital ou não) é sempre mais importante que o produto final (a peça em si). Porque estamos sempre aprendendo, apesar de já estarmos há muitos anos no mercado. No digital, eu reaprendi a ser produtor. Tudo ocorre de maneira muito rápida em todos os sentidos. Mas estamos muito felizes com os primeiros resultados. O público paga por um teatro digital de qualidade.
Miguel Arcanjo Prado – Qual mensagem gostariam de deixar ao teatro brasileiro?
Thadeu Peronne – Minha história é o resultado de tudo que já fiz e faço. Permanecer nessa corda bamba tem sido o grande desafio. Me multipliquei. Atuo, produzo, dirijo, dou aula etc. A gente envelhece, tudo muda. Nossa profissão sempre renasce, fora e dentro de nós. O teatro brasileiro está resistindo, fazendo sua parte, mesmo diante de tantos percalços. Precisamos unir forças. O teatro é transformador. Eu sempre digo que somos uma espécie de anjos. Não tem como um artista não ser generoso. Somos generosos porque nos entregamos para o outro, para a sociedade, contando histórias, fazendo rir, chorar, fazendo refletir, mergulhando na poesia, na metafísica… Que nos unamos e nos fortaleçamos. O Teatro digital veio pra ficar, estudemos e nos adaptemos. Que Absurdo! tem sido uma grande desafio e ao mesmo tempo uma grande descoberta. Estamos dividindo nossa experiência, para que todos também possam seguir em frente. No fim é sempre para o outro. Sigamos fortes. Parafraseando Bertolt Brecht somos imprescindíveis!
Cicero Lira – O teatro digital ao vivo veio para ficar e já estão surgindo tantos Projetos interessantes e muito criativos com linguagens híbridas. O teatro brasileiro só tem a ganhar com essas múltiplas linguagens que vão além da sala de espetáculo. A internet é uma rede de conexões e multiplataformas e um campo fértil para as artes. Se soubermos utilizar e conhecer bem esses recursos tecnológicos podemos propor que um mesmo projeto teatral se transforme em vários. Acreditamos que esse seja o futuro do Monólogo Que Absurdo! Estreamos “mundialmente” (sempre brinco com isso mas é verdade), vamos continuar nosso processo de pesquisa para estrearmos “localmente” no teatro em Curitiba. Do texto para teatro pode surgir um Roteiro para um Curta, do Curta uma minissérie para uma plataforma streaming e por aí vai… O teatro não só brasileiro, mas mundial, está passando por esse processo de busca por novas possibilidades e vejo de forma positiva. Somos resistência. A arte, neste período de pandemia, me salvou! Talvez daqui mais uma década, tudo volte ao (novo) normal e, quem sabe, outros (novos) normais surjam. Mas o teatro resiste com toda sua força e criatividade que só o artista brasileiro tem: fazer muito com pouco! Evoé!
Veja a peça Que Absurdo!