Por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: ✪✪✪✪
A tarde e noite deste sábado (12) foi movida a música brasileira por quase nove horas para quem acompanhou a primeira edição virtual do Coala Festival, transmitida ao vivo direto de um paraíso secreto em São Paulo. Rodeados pela natureza exuberante, os músicos da velha guarda foram realmente o grande destaque com seus instrumentos certeiros e vozes afinadas, caso da apresentação de Novos Baianos e de Gilberto Gil. Mas os icônicos também deram espaços aos mais jovens, caso dos talentosos Gilsons, grupo formado por filho e netos do compositor baiano.
A grata surpresa foi ouvir a voz doce e afinada de Francisco Gil, filho de Preta Gil e com futuro promissor junto de seus pares de banda. Ele, e os excelentes músicos José Gil e João Gil demonstraram familiaridade com os acordes que se fusionaram sem barreiras com o som e a poética de Gilberto Gil — vestido com uma charmosa jaqueta que trazia suas iniciais —, ao lado do também virtuoso filho Bem Gil e do excelente percussionista Ricardo Guerra, os dois músicos convidados. Certamente, os Gilsons foram a melhor revelação do Coala Festival 2020.
O momento de grande nostalgia — e de emoção — aconteceu durante a apresentação do Novos Baianos, bem na hora do crepúsculo, dedicada a Moraes Moreira, integrante que morreu no começo deste ano, mas “presente em cada acorde”, como definiu Baby. E todos nós concordamos.
Aliás, Baby, “que já foi Consuelo e hoje é do Brasil”, também em definição da própria durante o show, estava serelepe e com sua infindável juventude, além do domínio vocal primoroso, mesmo diante das insistentes falhas técnicas no som durante a apresentação, sobretudo nos microfones das vozes, com volume infinitamente inferior ao da banda. Foi comovente vê-la cantar Acabou Chorare. Cercados por banda respeitável, Paulinho Boca também demonstrou maturidade, e Pepeu Gomes nos lembrou que sua guitarra baiana permanece imbatível.
Mas nada que a força da memória afetiva dos hits dos Novos Baianos não resolvesse. Diante de seu incontestável legado, o público, mesmo em casa, é pura alegria e consentimento.
No começo de tudo, Mestrinho e Mariana Aydar fizeram um correto show de forró que abriu a festa, no qual clássicos de Dominguinhos foram o ponto forte. Com figurino marcante, Mc Tha teve seu destaque quando se emocionou, ao som de atabaques, ao louvar Yemanjá.
MC Tha cedeu o palco ao convidado Rico Dalasam, que correu atrás de uma afinação durante sua singela performance. Aposta do evento, Nego Bala, com seus versos e funk que denunciaram o genocídio negro e o desmatamento, deu seu recado.
Entre os Djs, Ubunto fez o set mais vigoroso e propositivo, com sua inebriante mistura de sonoridades afro com outras pérolas da música mundial. Mary G foi didática ao apresentar nomes fundamentais à nova geração, como o disco Opinião de Nara Leão e o álbum de Clementina de Jesus produzido por Caetano Veloso. Ainda assumiram as carrapetas com euforia o trio Shaka x EB e Cinara.
Na apresentação desta edição estiveram o carismático ator Kelson Succi e a cantora e modelo Camila de Alexandre. É preciso destacar a importância da representatividade de suas figuras como ponto forte. E, apesar do nervosismo em alguns momentos de tensão técnica, os dois seguiram na função de forma corajosa.
Contudo, uma coisa é fato: se a dupla de apresentadores dominasse o histórico dos convidados ou tivesse em mãos fichas com pesquisa própria e farta sobre os mesmos — como até Faustão faz desde sempre —, os momentos de silêncio poderiam ter sido preenchidos com informações e curiosidades ao público em casa, e não só por elogios superficiais.
Antes que esta crítica chegue ao fim, é necessário aplaudir toda a equipe do Coala Festival, da que ficou à frente das câmeras à que esteve nos bastidores. Gente que mesmo diante da situação tão adversa como a de uma pandemia global que tanto fere a cultura, não esmoreceu e fez acontecer esta tão importante festa da música brasileira, sempre geradora de encontros e diálogos potentes.
O Coala Festival levou alegria às milhares de pessoas que acompanharam o evento de suas telinhas e telonas em casa. E isso é um mérito e tanto nestes tempos. Por isso, mais uma vez: nossos sinceros aplausos. E fica aqui a torcida para que a próxima edição seja novamente presencial, com muito olho no olho e calor humano. “Queira Deus, Oxalá”, como cantou o grande Gilberto Gil, sustentado na sabedoria ancestral de seu opachorô.