Por Miguel Arcanjo Prado
O Brasil abriu os ouvidos para a música produzida pelos vizinhos da América Latina neste sábado (19), fazendo uma rica troca cultural na terceira edição do Festival Mucho!, realizada de forma online e gratuita pelas produtoras Mundo Giras e Difusa Fronteira do alto do Edifício Martinelli, no centro histórico de São Paulo. No lineup, músicos de sete diferentes países uniram seus sons em um desejo genuíno de troca cultural baseada no respeito e afeto mútuos.
A integração de povos e etnias latinos floresceu por todos os espaços do evento, desde as bandas no palco montado nas alturas como também na dupla de apresentadores e nos bastidores, passando para o público a verdade perceptível da união de discurso e prática.
Dona de voz ímpar, a brasileira Ellen Oléria representou com grandeza a música brasileira e exaltou a ancestralidade negra tendo como companhia a pianista Paola Lappicy. A dupla demonstrou que a luta antirracista é de todos em uma potente imagem de integração e diversidade racial repetida também na dupla de apresentadores do evento.
A xenofobia foi espantada com a força das irmãs bolivianas da Santa Mala, que junto ao DJ De La Paz cantaram contra o preconceito e a escravização de imigrantes, sacudindo o Edifício Martinelli com seu som derrubador de todos os estereótipos.
A cubana Daymé Arocena impressionou a todos com a versatilidade de sua voz, também fazendo referência aos orixás da tradição afrocubana yorubá que faz sua ilha conversar de forma direta com a negritude diaspórica presente no Brasil. Repleta de doçura, levou seu show a um lugar de amor ao contar que contava com a ajuda do marido na técnica.
A tradição folclórica chilena fusionada com matizes diversas de música global ganhou corpo na charmosa e elegante apresentação de Pascuala Ilabaca Y Fauna, repleta de vigor e amparada por músicos virtuosos.
Virtuosismo roqueiro marcou as apresentações dos paraguaios da banda Villagran Bolaños, com seu rock latino potente diretamente de Assunção, e Señor Flávio, integrante da icônica banda argentina Los Fabulosos Cadillacs, com seu som garage eternamente jovem, representando muito bem a grandeza do cosmopolita rock argentino.
O fim apoetótico do Mucho! ficou a cargo do furacão Francisco, El Hombre, atualmente entre as melhores bandas do Brasil, com seus integrantes brasileiros e mexicanos e uma proposta sonora que funciona como um liquidificador antropofágico latino-americano.
A Francisco, El Hombre, com direito a baixista nova e cantando perfeitamente em espanhol e português, destravou não só toda a equipe do Mucho! nos bastidores do Edifício Martinelli como também o público em casa. As lutas identitárias e progressistas foram representadas por letras contemporâneas, com uma banda repleta de presença de palco.
Todos foram devidamente acordados pelo Baile Sudaca – inteligentemente o xingamento aos imigrantes latinos “sudaca” é apropriado pela Francisco, El Hombre e ressignificado em “sorriso e luta”.
O Festival Mucho! 2020 surgiu nas telas mundo afora sem qualquer tipo de afetação, com tudo se desenrolando de forma natural e verdadeira. A integração latino-americana lema do evento está presente não só no discurso como também na prática de vida dos artistas e equipe. E é essa verdade que transpareceu por todo o evento.
Não custa lembrar que os idealizadores do Festival Mucho! representam a própria integração que propagam: Hernan Halak, da Mundo Giras, é um argentino radicado no Brasil, enquanto que Felipe Gonzalez, da Difusa Fronteira, é um brasileiro que morou por muitos anos na Argentina. Ambos trabalham incansavelmente para que a música latina tenha espaço por aqui.
Essa verdade se repetiu nos apresentadores do Festival Mucho!: o ator argentino Juan Manuel Tellategui, radicado em São Paulo, e o jornalista brasileiro Miguel Arcanjo Prado, que já morou em Buenos Aires, ambos fusionando com a intimidade própria da dupla o português e o espanhol para criar uma comunicação abrangente.
Quem nos dera se o mundo político latino-americano copiasse o espírito de integração do Festival Mucho!, que se oferece ao público como importante ponte pela qual trafega livre e sem qualquer tipo de barreira toda a exuberância da diversidade sonora latino-americana. Com sua proposta real e concreta de amor, irmandade e respeito entre os povo latinos, o Festival Mucho! deixa incontestável exemplo a governantes e população deste impressionante continente chamado América Latina.
Veja cobertura completa do Festival Mucho!
Veja a seguir o vídeo do Festival Mucho! 2020:
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