Crítica: Novos Normais do Satyros cria retrato do que 2020 nos tornou
Por Miguel Arcanjo Prado
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
A Cia. de Teatro Os Satyros sempre foi ponto de convergência de todas as gentes desta metrópole chamada São Paulo. Por isso, a diversidade de corpos e discursos foi e é algo presente na trajetória do grupo fundado em 1989 por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez.
Neste fatídico ano, não é diferente. Além de ter sido pioneiro no teatro digital em março, com o solo Todos os Sonhos do Mundo, de Ivam Cabral, o grupo estreou em junho A Arte de Encarar o Medo, peça pensada exclusivamente para a nova plataforma cênica e que logo ganhou montagens em África-Europa e Estados Unidos com elencos internacionais igualmente diversos.
E, por aqui, não seria diferente na continuidade do grupo nesta investigação do teatro digital. O mais recente projeto da trupe que modificou a história da praça Roosevelt, no centro paulistano, chama-se Novos Normais, também texto da dupla Cabral-Vázquez e dirigido pelo último.
Em telepresença que confirma que teatro digital é um novo teatro, sim, e sem nenhum detrimento do teatro tradicional, até porque é o teatro possível, 20 atores encampam seus discursos potentes para refletir sobre a sexualidade reprimida e outros dilemas desta pandemia.
Como é de praxe no grupo que aposta em um teatro performativo, nesta encenação há a contribuição não só dos artistas como também do público na construção dramatúrgica, calcada neste período de quarentena e as limitações de encontros por ele expostas.
Retire ingresso pra ver Novos Normais nesta sexta, 16/10, às 20h
A montagem passeia por diversos sentimentos, alguns contraditórios, construindo um panorama deste tempo de pandemia que paralisou a humanidade.
Para aliviar as múltiplas tensões, a montagem recorre também a cenas bem humoradas, como a interpretada pelo ator Luís Holiver, excelente como um professor de yoga de YouTube que não consegue concretizar seu estado zen por recorrentes interferências familiares, um dos pontos altos da peça e que provoca o riso, algo tão precioso nestes duros tempos.
A peça ainda aborda questões político-identitárias, como o racismo e o genocídio negro nas periferias, e dialoga com a musicalidade do rap e também de canções, a cargo dos atores-músicos Alex de Jesus e André Lu, este último dono de bela voz.
É preciso aqui destacar o talento de Karina Bastos, sobretudo na cena em que sua personagem negocia com o traficante interpretado por Marcelo Vinci, também propositivo no jogo cênico. Outro que se destaca pela consciência cênica é Vitor Lins, que demonstra estudo do texto que diz. Elisa Barboza e Dominique Brand também performam com perceptível entrega.
Outro ator cuja presença entre o jovem elenco precisa ser destacada é Roberto Francisco, do alto de sua larga trajetória artística. Sua presença impõe à montagem comunicação direta do teatro digital com a história do teatro brasileiro, já que ele atuou em montagens históricas como O Balcão, do francês Jean Genet com direção do argentino Victor García em 1969, e Macunaíma, de Antunes Filho, de 1979.
Ainda estão no aguerrido (e propositivo) elenco Alessandra Nassi, Alex de Felix, Anna Kuller, Beatriz Medina, Bruno de Paula, Felipe Estevão, Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Ingrid Soares e Júlia Francez. Adriana Vaz e Rogério Romualdo assinam a orientação visual, descobrindo possibilidades poéticas do digital com seu teatro preso em uma tela.
Com essa turma unida em suas diferenças, o que torna seu teatro sempre interessante, o Satyros faz de Novos Normais um espetáculo que nos leva a refletir sobre o que somos e o que nos tornamos nestes fatídicos tempos atuais. Novos Normais cria um retrato desconcertante do que 2020 nos tornou. E propõe a pergunta: o que achamos desta imagem?
Retire ingresso pra ver Novos Normais nesta sexta, 16/10, às 20h
Fotos: Andre Stefano/Satyros/Divulgação
Como ver Novos Normais do Satyros?
Novos Normais
Sexta, 16/10, às 20h, na SP Escola de Teatro Digital
Sábados e Domingos, 18h, no Espaço Digital dos Satyros
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