Por Miguel Arcanjo Prado
Nem só de cinema vive o 28° Festival Mix Brasil, que acontece de 11 a 22 de novembro de forma online, gratuita e acessível para todo o Brasil. Tem teatro também. Estreia neste ano a primeira edição do prêmio Dramática: seis textos inéditos, selecionados a partir de um edital, concorrerão ao Coelho de Ouro (Prêmio do Júri) e Coelho de Prata (Prêmio do Público). O festival informa que as apresentações seguirão todos os protocolos sanitários e acontecerão ao vivo com presença de público limitado no Centro Cultural da Diversidade e transmitidas para todo o planeta.
Os espetáculos são “Wonder! Vem pra Barra Pesada!” de Rafael Carvalho e Wallie Ruy, peça do teatro Oficina inspirado na trajetória de Claudia Wonder; “Meta-Me – um Dossiê de Ode ao Júbilo”, solo de Bruno Canabarro sobre amor próprio e paixão homoerótica; “MINI-BIUs, BILs, BIOs”, com Andreya Sá e Carlos Jordão e direção de Marina Mathey, repleto de referências pops revisitadas por corpos dissidentes. Completam a lista: “O Armário Normando”, que explora as manifestações da pornografia com direção e performance de Janaina Leite e André Medeiros Martins do Grupo XIX; “Rainha” de Guilherme Gonzalez e atuação de Sérgio Rufino, sobre um septuagenário que decide concorrer ao título de rainha da bateria, e “Vírus Manifesto – Onde Estão os Meus Chinelos?!…” de Davi Parizotti e direção de Thiago Sak, um manifesto de um homem que vive com HIV.
Com direção de André Fischer e direção executiva de Josi Geller, a programação do Mix deste ano traz 101 filmes de 24 países, espetáculos de teatro, música, seminário de literatura, laboratório audiovisual, mesas sobre temas relevantes para comunidade LGBTQIA+, artes visuais e o Show do Gongo. Tudo num só lugar: a plataforma do MixBrasil (www.mixbrasil.org.br).
PROGRAMAÇÃO DRAMÁTICA| FESTIVAL MIX BRASIL 2020
11-NOV | QUARTA-FEIRA
20h – Cerimônia de Abertura Mix Brasil| Plataforma: InnSaei
12-NOV | QUINTA-FEIRA
21h – Wonder! Vem pra Barra Pesada (80′) Teatro | Plataforma: Youtube MixBrasil
13-NOV | SEXTA-FEIRA
21h – MINI-BIUs, BILs, BIOs (80′) Teatro | Plataforma: Yotube MixBrasil
14-NOV | SÁBADO
19h – “META-ME” – um Dossiê de Ode ao Júbilo (45′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
15-NOV | DOMINGO
19h – Rainha (60′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
21h – Vírus Manifesto – Onde Estão os Meus Chinelos?!… (80′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
16-NOV | SEGUNDA-FEIRA
21h – Show do Gongo (90′) | Plataforma: Youtube MixBrasil
17-NOV | TERÇA-FEIRA
21h – O Armário Normando (120′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
18-NOV | QUARTA-FEIRA
21h00 Wonder! Vem pra Barra Pesada! (80′) Teatro | Plataforma: Youtube MixBrasil
19-NOV | QUINTA-FEIRA
21h – MINI-BIUs, BILs, BIOs (80′) Teatro | Plataforma: Yotube MixBrasil
20-NOV | SEXTA-FEIRA
21h30 Rainha (60′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
21-NOV | SÁBADO
19h “META-ME” – um Dossiê de Ode ao Júbilo (45′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
21h Vírus Manifesto – Onde Estão os Meus Chinelos?!… (80′) Teatro | Plataforma Youtube MixBrasil
22-NOV | DOMINGO
19h00 Cerimonia encerramento | Plataforma: Youtube MixBrasil
SINOPSES, FICHA TÉCNICA E CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA
Wonder! Vem pra Barra Pesada – Neste ato de cria-ação evocamos Claudia Wonder! Em sua trajetória de muitas artes, vidas e afetos, Claudia é o tempo presente que atravessa a Brasil(idade) dos anos 1970 aos 2000, se amalgamando da história que se conta do mundo. Das multidões à solidão, das dores e humores, a música, o teatro e a escrita foram fiéis companheiras de uma vida em ponto de ebulição. Numa evolução democrática travesti de si, Wonder, essa maravilha de ser humano que permeou as zonas de conflito e as áreas de risco do palco e das ruas, está aqui: revista e revisitada pelas vozes e atua-ação de artistas que igualmente fazem poesia da própria vida para um arranjo de múltiplas notas.
Autoria, dramaturgia e direção: Rafael Carvalho
Autoria e atuadora: Wallie Ruy
Direção musical: Felipe Botelho
Assistente musical: Amanda Ferraresi
Luz: Luana Della Crist
Videomaker: Danilo Roxette
Cenário: Maitê Lopes Bessa
Figurino: Gustavo de Carvalho
Visagismo: Vitor Flausino
Ilustração: Angie Barbosa
Produção: Yago Goya
Classificação indicativa: 16 anos
“META-ME” – um Dossiê de Ode ao Júbilo – Ele sente muito que precisa ganhar; para isso, alguma outra coisa precisa ser criada. Uma língua nova. Uma dor. Um sumiço. A competitividade guia esta relação: um homem em relação a outro. A outro. Seus corpos forçam situações para que algum deles, um dia, quem sabe, ainda consiga desistir.
Dramaturgia e performance: Bruno Canabarro
Colaboração artística: Daniel Gonzalez, Weber Fonseca
Realização: aLETALcompanhia_
Classificação indicativa: 18 anos
MINI-BIUs, BILs, BIOs – A partir de memórias de mini-bixas, mini-travas, e n-beibes, assim como de vídeos transmitidos pela televisão brasileira (entre os anos 1990 e 2000), surgem situações que evocam cisProfessoras de primário, brigas domésticas uó de pai e mãe, e supostas Deisy’s de videoclipes, que são ressignificadas num jogo quase infantil, em que saltos, batons e lençóis se tornam pequenos bafos para celebrar momentos, e também para evidenciar e desacuendar violências da norma social.
Atuação e dramaturgia: Andreya Sá, Carlos Jordão
Direção: Marina Mathey
Produção de cenário e figurino: Su Martins
Direção técnica: Murilo Chevalier
Captação de vídeo em cena: André Cherri
Fotos: Pedro Athie
Classificação indicativa: 16 anos
O Armário Normando – O experimento “O Armário Normando” é uma performance virtual a partir de um processo de casting, com os atores candidatos a integrarem a gravação de um metapornô. Nesse “processo seletivo encenado” cada performer propõe em seu teste uma versão própria do capitulo do “O Armário Normando” de Georges Bataille. Nessa ação híbrida entre presencial e online, cada janela virtual mimetiza um “armário” singular em que a fantasia despudorada de Bataille ganha uma expressão própria. “O Armário Normando” conta uma das orgias mais impressionantes de “História do Olho”, vivida por oito jovens. A cena culmina em um cenário destruído, corpos “sujos e despidos, numa desordem desvairada”, entre cacos no chão, secreções de toda ordem como sangue, urina e vômito, e com a polícia e os pais dos jovens batendo à porta, o que incita os jovens a uma loucura ainda maior, como se tivessem pegado fogo, “como se fossem tochas”. O extremo da situação nos leva a aliar o realismo e a performatividade ao hiperencenado como recurso para, quem sabe, atingir o real por sua outra ponta, ou, como diz Hal Foster, empurrar o ilusionismo até o ponto do real.
Idealização, direção e performance: Janaina Leite
Direção e performance: André Medeiros Martins
Atriz: Anitta Saltiel
Dramaturgia e assistência de direção: Lara Duarte
Vídeos e trilha sonora: Mateus Capelo
Classificação indicativa: 18 anos
Rainha – Felício é um mordomo aposentado que trabalhou grande parte da vida em casa de família tradicional. Nas horas vagas, costumava frequentar a noite gay, ainda que escondesse dos outros sua condição sexual. Cansado da solidão, ele toma uma inusitada decisão: candidata-se ao posto de rainha da bateria de uma escola de samba, em plena terceira idade.
Autor: Guilherme Gonzalez
Ator Sérgio Rufino
Direção, iluminação, trilha sonora, cenário e figurino: Márcio Macena
Classificação indicativa 14 anos
Vírus Manifesto – Onde Estão os Meus Chinelos?!… – Numa viagem entre as décadas de 1980 até os dias atuais, acompanhamos flashes das trajetórias de Clessi, Davi e Naná – todos tocados pelo HIV –, cada um em sua época, e sua relação com a soropositividade, suas lembranças do antes e depois, suas memórias, suas loucuras, suas ignorantes fés… Os fantasmas do passado que habitam a casa e fazem companhia pra diva decadente Clessi, em seu “museu de grandes novidades”, a despertam nas noites de verão, reviram seus sonhos, e com eles vivemos madrugadas de lirismo, contestação e whisky, muito whisky, muito lirismo. Enquanto isso, Naná caminha por entre as ruas e encruzilhadas das cidades por onde passa, louvando as santas Marias Padilhas e acreditando em cada novo amor de madrugada, em um anel de plástico, um perfume barato, e tomando garrafadas para suar e transpirar sua “gripe gay” até que se cure… E, entre baratos e baratas de um verão carioca, Davi perde seus chinelos, deixados em apartamentos úmidos e quentes, e segue descalço para o que seria o grande inverno de sua vida, tentando chegar apenas ao próximo verão, buscando todos os seus chinelos perdidos em alcovas. “Mas, vida, ali, quem sabe, eu fui feliz?!”, é o que se pergunta e se responde a cada dia… A Cigana havia lido seus destinos. Suas linhas da vida eram cortadas ao meio.
Texto: Davi Parizotti
Elenco: Davi Parizotti
Direção: Thiago Sak
Concepção de cenário: Thiago Sak
Concepção de figurino: Davi Parizotti
Trilha sonora original: Diego Rodda
Desenho de luz: Diego Rodda
Classificação indicativa: 16 anos
Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Bob Sousa.