Falas Negras na Globo é o programa do ano e revela talentos como Tatiana Tibúrcio
Por Miguel Arcanjo Prado
O especial da Globo Falas Negras, dirigido por Lázaro Ramos e idealizado por Manuela Dias, e que foi ao ar na noite do Dia da Consciência Negra, é o programa mais importante que a TV brasileira produziu neste 2020 e fez história. Com um elenco completamente afinado, uma atriz levou o Brasil aos prantos com a força de sua interpretação gigante: Tatiana Tibúrcio, atriz carioca de 43 anos e também responsável pela preparação de elenco do especial de teledramaturgia que apresentou aos brasileiros a história de 22 personalidades negras do país e do mundo.
Tatiana interpretou Mirtes Souza, mãe do menino negro João Miguel, que caiu de um prédio onde a mãe trabalhava como empregada doméstica, depois que a patroa, branca, colocou a criança sozinha no elevador. A atuação de Tatiana em Falas Negras a coloca no patamar das grandes atrizes da TV brasileira. Tatiana Tibúrcio demonstrou ser do nível de Ruth de Souza e Fernanda Montenegro, o que a coloca entre as melhores de sua geração. Ela precisa ser urgentemente valorizada na televisão com excelentes personagens. Sua cena arrepiou milhões de espectadores, levando a maioria deles aos prantos.
Não foi um acidente, quem matou o filho dela foi a indiferença, oriunda do racismo”, Tatiana Tibúrcio.
Tatiana, que também é mãe de um menino negro, declarou que imaginou a dor de perder o próprio filho para criar a cena que encerrou o especial em uma noite que o Brasil havia vivenciado mais uma vez a morte de um negro pela força bruta branca racista na vida real.
“Quando uma mãe preta perde um filho, ela perde quase tudo porque não tem muito mais. Toda mãe tem medo de perder seu filho para um acidente, uma doença, uma fatalidade, a mãe preta tem medo de perder seu filho por todos esses motivos e também pelo racismo”, afirmou. “E foi dessa forma que a Mirtes perdeu o filho dela. Não foi um acidente, quem matou o filho dela foi a indiferença, oriunda do racismo”, pontuou a atriz.
Tatiana Tibúrcio demonstrou ser do nível de Ruth de Souza e Fernanda Montenegro, o que a coloca entre as melhores de sua geração. Ela precisa ser urgentemente valorizada na televisão com excelentes personagens.
O desempenho excepcional de Tatiana Tibúrico e do elenco magistral do especial Falas Negras é uma resposta inquestionável a executivos, dramaturgos e diretores de TV que insistem em repetir a frase racista de que não haveria um grande número de negros talentosos para preencher os papéis da teledramaturgia, como declarou certa vez uma novelista e mulher do dono de uma importante emissora paulista.
Integram o afinado elenco do especial Falas Negras os atores Fabricio Boliveira, Babu Santana, Guilherme Silva, Ivy Souza, Naruna Costa, Taís Araujo, Heloisa Jorge, Barbara Reis, Mariana Nunes, Izak Dahora, Silvio Guindane, Olivia Araujo, Reinaldo Junior, Aline Deluna, Flávio Bauraqui, Bukassa Kabengele, Angelo Flavio, Samuel Melo, Aílton Graça, Tulanih Pereira, Valdineia Soriano e Tatiana Tibúrcio. Todos irretocáveis.
Naruna Costa fala sobre ser Angela Davis ao Blog do Arcanjo
A autora Manuela Dias merece aplauso por ter idealizado Falas Negras, demonstrando ser uma mulher branca aliada na luta antirracista. A série ainda contou com outras duas mulheres em seu time de frente: Thaís Fragozo na pesquisa e Aline Maia como consultora e pesquisadora.
Assim que Falas Negras foi ao ar, Taís Araújo, que interpretou impressionantemente Marielle Franco, vereadora negra carioca brutalmente assassinada a tiros e cujos responsáveis ainda não foram punidos, lembrou da importância da luta conjunta antirracista em toda a sociedade.
“São 22 atores, 22 profissionais competentes, 22 vidas, 22 pessoas com seus depoimentos pessoais latentes que se juntaram aos depoimento das personagens interpretadas por elas. Só isso já seria louvável, mas além disso tinha uma equipe de profissionais empenhada em dar seus depoimentos, no cenário, no figurino, na caracterização, na fotografia, no áudio, na trilha, na edição, na direção. muitos profissionais negros, poucos não negros, mas que sabem que a história do Brasil não foi feita por um único grupo étnico. Sim, o problema é de todos e a obrigação de encontrar a solução, também”, afirmou Taís Araújo.
É isso, Brasil, o problema do racismo (e de acabar de uma vez por todas com ele) é de todos nós. Mesmo que a parte racista do país declare ‘ser daltônica’, buscando camuflar o inegável racismo institucional e estrutural brasileiro, o que só acaba por corroborá-lo. Porque é na negação que o racismo cresce. É preciso revelá-lo e acabar com dissimulações e discursos hipócritas. As instituições, o Estado, as empresas e a população já demonstraram saber, e muito bem, diferenciar no cotidiano e no poder os brancos dos negros. Não dá mais para seguir assim. Basta.
Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Bob Sousa.
Não só eles que estavam em Falas Negras, mas sabemos o tanto de Atores Negros Talentosos estão por aí só querendo oportunidades e não só em produções com temática racial, podemos fazer todos os.tipos de personagens