Por Miguel Arcanjo Prado
Morreu a grande atriz brasileira Nicette Bruno, neste domingo, 20, aos 87 anos, após lutar bravamente contra a Covid-19. Ela estava internada desde 26 de novembro na Casa de Saúde São José, no Rio.
“A Casa de Saúde São José informa que a atriz Nicette Bruno, que estava internada no hospital desde 26 de novembro de 2020, faleceu hoje, às 11h40, devido a complicações decorrentes da Covid-19. O hospital se solidariza com a família neste momento”, diz a nota de divulgação do hospital neste domingo.
A Cultura permanece em profundo luto com a partida de tão importante nome de nossas artes. Afinal, Nicette teve atuação histórica no teatro e depois também na televisão e no cinema.
O Blog do Arcanjo envia os sentimentos aos filhos, netos e bisnetos da atriz, que estava à frente de uma das famílias mais importantes das artes, que ela formou ao lado do marido, Paulo Goulart, que morreu em 2014.
Este jornalista escreve com profundo pesar este texto, pois teve a honra de entrevistar Nicette Bruno variadas vezes, nas quais ela sempre esbanjou carisma, inteligência e um profundo respeito pela imprensa e a crítica.
Este escriba ainda teve o privilégio de entrevistar Nicette Bruno no programa Persona em Foco da TV Cultura, há exatos cinco anos, em 2015, no qual ela rememorou com alegria e sabedoria sua larga trajetória no depoimento televisivo agora histórico.
Lembre os artistas que morreram em 2020
Biografia de Nicette Bruno
Nicette Xavier Miessa, mais conhecida como Nicette Bruno, nasceu em Niterói, no Rio de Janeiro, no dia 7 de janeiro de 1933. Filha de Sinésio Campos Xavier e da atriz Eleonor Bruno Xavier, iniciou sua carreira artística aos quatro anos de idade, cantando e declamando poemas no programa infantil de Alberto Manes, na Rádio Guanabara.
Aos 11 anos, acompanhada pela mãe, passou a integrar o grupo de teatro da Associação Cristã de Moços. Em seguida, participou do Teatro Universitário, de Gerusa Camões, e do Teatro do Estudante, dirigido por Paschoal Carlos Magno e Maria Jacinta.
Tornou-se atriz profissional aos 14 anos, quando entrou para a Companhia Dulcina-Odilon, da atriz Dulcina de Morais. Participou da montagem da peça Anjo negro, de Nelson Rodrigues, quando foi dirigida pela primeira vez por Ziembinski.
Aos 17 anos, fundou o Teatro de Alumínio, em São Paulo. Durante a montagem da peça Senhorita minha mãe, do Louis Verneuil, conheceu o ator Paulo Goulart, com quem se casou e teve três filhos: os atores Paulo Goulart Filho, Bárbara Bruno e Beth Goulart. A partir daí, estava formado o núcleo do que viria a ser o Teatro Íntimo de Nicette Bruno, TINB, inaugurado em 1953, que contou com a participação de grandes atores como Tônia Carrero, Rubens de Falco, Walmor Chagas, entre outros.
Ainda durante a década de 1950, Nicette Bruno integrou praticamente todas as principais companhias de teatro do país, recebendo diversos prêmios de Melhor Atriz. Em 1954, casou-se com o também ator Paulo Goulart na Igreja de Santa Cecília, em São Paulo. Em 1962, mudou-se com a família para Curitiba, onde trabalhou na Escola de Teatro Guaíra e participou do Teatro de Comédia do Paraná.
Nicette Bruno estreou na televisão ainda na época do Teatro de Alumínio, na TV Tupi de São Paulo, fazendo participações esporádicas em recitais e teleteatros, como em A corda, dirigido por Cassiano Gabus Mendes. Naquela emissora, atuou na primeira adaptação do Sítio do picapau amarelo, a cargo de Tatiana Belink e Júlio Gouveia. Em seguida, trabalhou no Teatro de comédia da TV Rio, sob a direção de Maurício Sherman, e no programa Dona Jandira em busca da felicidade, da TV Continental, junto com Paulo Goulart.
A atriz participou ainda de novelas de grande sucesso na extinta TV Tupi, entre as quais: Meu pé de laranja lima (1970), de Ivani Ribeiro; Éramos seis (1977), de Silvio de Abreu e Rubens Ewald Filho; e Como salvar meu casamento (1979), escrita por Edy Lima, Ney Marcondes e Carlos Lombardi, última novela produzida pela emissora.
Em paralelo à TV, Nicette, Paulo e os filhos comandaram o Teatro Paiol, na rua Amaral Gurgel, em São Paulo, onde chegou também a funcionar o Teatro-Escola Macunaíma, onde se formaram diferentes gerações de artistas.
Nicette Bruno começou a trabalhar na TV Globo em 1980, convidada pelo ator e diretor Fabio Sabag para participar do seriado Obrigado, doutor. Na ocasião, interpretou a freira Júlia, auxiliar de Francisco Cuoco, protagonista do seriado.
Sua primeira novela na emissora foi Sétimo sentido, de Janete Clair, em 1982, na qual interpretou Sara Mendes, mãe da personagem Luana Camará, vivida por Regina Duarte. Sétimo sentido também contava no elenco com Beth Goulart, filha mais velha de Nicette Bruno. As duas atrizes, entretanto, pertenciam a núcleos diferentes da novela, e não chegaram a contracenar.
Seu trabalho seguinte foi a cozinheira Isolda, mãe do personagem vivido por Fábio Jr. na novela Louco amor, escrita por Gilberto Braga em 1983. Em seguida, participou de duas minisséries de grande sucesso: Meu destino é pecar, adaptação da obra de Nelson Rodrigues feita por Euclydes Marinho, em 1984; e Tendas dos milagres, adaptada da obra de Jorge Amado por Aguinaldo Silva e Regina Braga, em 1985.
No ano seguinte, no remake da novela Selva de pedra (1986), de Janete Clair, Nicette Bruno interpretou Fany, uma dona de pensão com ares maternais, que se afeiçoa e cuida de alguns hóspedes como se fossem seus filhos; um deles é Miro, vivido por Miguel Falabella. A atriz voltou a interpretar um personagem semelhante em Bebê a bordo (1988), de Carlos Lombardi, quando deu vida à Branca, mãe superprotetora de Tonico (Tony Ramos), Ester (Patricya Travassos) e Glória (Françoise Forton).
Dois anos depois, em 1990, a atriz pôde explorar sua veia cômica no papel da portuguesa Dona Neiva, na novela Rainha da sucata (1990), de Silvio de Abreu. Em 1992, na mesma linha do personagem anterior, trabalhou ao lado da atriz Nair Bello em Perigosas peruas, de Carlos Lombardi, quando viveu Vivian Bergman.
Nicette Bruno voltou a participar de um remake de grande sucesso em 1993, quando atuou em Mulheres de areia, de Ivani Ribeiro. Na trama, viveu a fútil Julieta Sampaio, casada com Oswaldo, personagem interpretado por Adriano Reys. Em seguida, atuou em outras duas minisséries: Incidente em Antares (1994), adaptada da obra de Érico Veríssimo por Charles Peixoto e Nelson Nadotti, no papel de Lanja Vacariano; e Engraçadinha… Seus amores e seus pecados (1995), adaptação da obra de Nelson Rodrigues feita por Leopoldo Serran, na qual viveu a moralista Zezé.
Em 1995, fez uma participação especial na novela A próxima vítima, de Silvio de Abreu, dando vida à personagem Nina. Dois anos depois, em O amor está no ar, escrita por Alcides Nogueira em 1997, interpretou a malvada Úrsula, sua primeira vilã em novelas da TV Globo.
Em 1998, participou da minissérie Labirinto (1998), de Gilberto Braga, no papel da dona-de-casa Edite dos Santos Almeida. No mesmo ano, fez uma participação especial no humorístico Sai de baixo, quando viveu a Ivone do episódio Sexta, sábado e suingue. Ainda na década de 1990, atuou em duas produções: Flora encantada (1999), novela infantil estrelada pela apresentadora Angélica e exibida durante o programa Angel mix; e Andando nas nuvens (1999), de Euclydes Marinho, na qual interpretou Judite Mota, sogra da personagem Lúcia Helena, interpretada por Julia Lemmertz.
No início de 2000, Nicette Bruno participou do programa Você decide, no episódio A volta, de Altenir Silva, que apresentou a história de um pai que, após 15 anos de ausência, doente e falido, decide retornar a sua antiga casa. No final do ano, a atriz integrou o elenco de outras duas produções de sucesso da TV Globo: a adaptação de O santo e a porca, de Ariano Suassuna, feita por Adriana Falcão para o especial de fim de ano Brava gente, que daria origem ao programa; e a minissérie Aquarela do Brasil, de Lauro César Muniz, que retratou a trajetória de uma cantora durante o período áureo do rádio, na década de 1940, na qual a atriz deu vida à personagem Glória.
Entre 2001 e 2004, Nicette Bruno participou da retomada de um dos maiores sucessos da televisão brasileira, a adaptação do Sítio do picapau amarelo, de Monteiro Lobato. Após ter sido produzido durante quase dez anos, entre 1977 e 1986, o seriado infanto-juvenil voltava às telas da TV Globo com Nicette Bruno no papel da matriarca Dona Benta, Dhu Moraes como Tia Nastácia, Cândido Damm como Visconde de Sabugosa, e os atores mirins Isabelle Drumond (Emília), César Cardadeiro (Pedrinho) e Lara Rodrigues (Narizinho). O elenco contava ainda com João Acaiabe, como Tio Barnabé, e Ary Fontoura, vivendo o Coronel Teodorico, entre outros.
A atriz voltou a atuar em telenovelas em 2005, quando viveu a Ofélia de Alma gêmea. Escrita por Walcyr Carrasco, a novela teve uma das maiores audiências da história da TV Globo no horário das seis da tarde. O elenco, estrelado por Priscila Fantin e Eduardo Moscovis, contou ainda com as participações especiais de Betty Faria, Othon Bastos, Luis Gustavo, entre outros.
No ano seguinte, Nicette Bruno foi escalada pelo autor Walcyr Carrasco para fazer uma homenagem à saudosa Ivani Ribeiro, no primeiro capítulo de O profeta, adaptada por Thelma Guedes e Duca Rachid. A atriz, que fora amiga da novelista, interpretou a personagem Cleyde Alves de Freitas, verdadeiro nome de Ivani Riveiro.
Em 2007, a atriz integrou o elenco de outra novela de Walcyr Carrasco, Sete pecados (2007), na qual deu vida à Julieta, a Juju, grande amor de Romeu, vivido por Ary Fontoura. Além da TV e do teatro, Nicette Bruno também atuou em alguns filmes no cinema, desde Querida Susana (1947), de Alberto Pieralisi, a A guerra dos Rocha (2008), de Jorge Fernando.
Já em 2008, Nicette Bruno contracenou com o marido, Paulo Goulart, nos palcos, em O Homem Inesperado, no qual ela dava vida a uma leitora que encontra por acaso seu escritor preferido no vagão de um trem. A peça fez sucesso no Teatro Renaissance, em São Paulo, e foi destaque no Festival de Curitiba de 2008, sendo apresentada no gigante Teatro Guaíra, onde foram ovacionados.
Em 2016, Nicette fez a peça O Que Terá Acontecido a Baby Jane? ao lado de Eva Wilma, um grande sucesso dos palcos sob direção de Charles Möeller e Claudio Botelho. Na época, ela era ovacionada ao lado de Eva ao fim de casa sessão no Teatro Porto Seguro.
Neste 2020, antes da pandemia, Nicette estava ensaiando para estrear a peça Quarta-Feira, Sem Falta, Lá em Casa, na qual fazia par com a também grande atriz Suely Franco sob direção de Alexandre Reinecke. A obra teve temporada nacional suspensa por conta da pandemia de Covid-19, doença que agora nos leva esta inesquecível grande atriz chamada Nicette Bruno.
Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Bob Sousa.
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