Léo Kildare Louback: Ao meu sugar daddy, com amor
Querido sugar daddy polar,
A vida aqui nos trópicos está um delírio. Acontece tanta coisa ao mesmo tempo, que não dá para contar. E já que você insiste em morar nesse iglu obsoleto sem internet, decidi escrever só quando eu tivesse uma de minhas previsões bombásticas. E ontem tive uma. A pior de todas.
Sua rena vai cair da bunda, mas ambos sabemos que quando eu tenho alguma revelação, não é fake news. Vou ser curto e grosso: Jesus vai voltar. Sim, eu sei que parece uma previsão óbvia. Mas é isso mesmo. Não será cruzamento de anjo com virgem adolescente. Ele vai vir de baixo, do núcleo da terra. Seu corpo será gigante, composto por lava pura, a mais pura lava de começo de mundo. Seus pés tocarão o fundo mais fundo do oceano e sua cabeça roçará as nuvens.
O povo vai entrar em pânico, vão acusá-lo de demônio disfarçado e ele vai gargalhar alto, mas tão alto que os sistemas de alarme de todos os continentes vão disparar ao mesmo tempo. Um ruído insuportável. A vibração da sua barriga-lava morrendo de rir vai provocar tsunamis divinos. Toda a água do mar será expulsa e lançada sobre os homens de fé. Então silêncio.
Um silêncio largo tomará conta do espaço. Um dilúvio cheio de graça, sem arca, sem tempo e sem sobreviventes. Só ele, o corpo-chama sem traços definidos de um Messias despertado mirando-nos, sozinho e feliz, na fossa que sobra do oceano vazio. Outros detalhes desconheço. Foge, tiozão barbudo! Pega agora seu berrante, sopra forte, organiza esses veados e vai embora.
Pode ser que encontrem algum planeta pra repovoar. Ou pode ser que se percam indefinidamente no infinito. Mas nada, nada será pior do que a fúria de um Deus alegre. É uma carta de despedida. Só me entristece não poder acariciar sua barba pela última vez, não poder dormir no seu peito depois de mais um dia de viagens congeladas. Engole a lágrima e decora a caravana.
O futuro interestelar vai precisar de muitos astronautas vermelhos. Um beijo, do seu admirador nada secreto, que nunca acreditou em você, mas sempre soube que você existia. Isso é o que posso dizer por agora. Não é momento de sofrer, mas de agir. Finalmente sempre nos saem melhor as improvisações que as estratégia covardes e nefastas para conquistar o Nada. Pensamos muito, morremos rápido. Já falamos sobre isso.
No momento, o amor do mundo está dormindo, no piso imundo de pisadas gastas. Algumas vezes, tenho certeza que nasci apaixonado, outras tenho certeza que não. Pode ser que as duas possibilidades coexistam. Pode ser que estejam tentando assassinar-se enquanto a outra sonha. Pode ser que nem sabem que sou dois. Mientras tanto, o tempo. Agora, muito calor. Demorou para chegar, mas chegou forte. Ainda continuo sem saber se gosto ou não do verão. Estou cansado. Voltei a fazer esporte. A correr no parque. 17 km por dia. Peso menos e estou mais lindo que nunca.
E finalmente, justo agora, em meio ao esperado apocalipse de nosotras, estou feliz. Há algo de felicidade em tudo que termina, talvez por ser o inevitável recomeço de algum futuro, fora do limbo. Acostume-se à ideia de se tornar anônimo, finalmente. Depois de tudo isso, nenhum deus mais será adorado. Se escuta a quatro ventos que a era de vocês terminou e começa a Era das Deusas e nessa era, nem eu ou algum Papai Noel, somos bem-vindos. Serão elas. E o mundo delas será, enfim, verde.
Love you, my bear.
*Léo Kildare Louback escreve todo mês uma crônica a convite do Blog do Arcanjo. Este artigo não reflete, necessariamente, as ideias nem opiniões do veículo.
*Léo Kildare Louback é multiartista, professor e tradutor de alemão formado pela UFMG com intercâmbio em Hamburgo, na Alemanha. Mineiro de Contagem, vive em Buenos Aires. Participou de festivais no Brasil, Argentina, México e Cuba. Em 2013, ganhou o prêmio Marcelo Castillo Avellar do Palácio das Artes, com o projeto Como Matar a Mãe – 3 Atos, da Sofisticada Companhia. Artista colaborador do centro cultural Feliza Arco Íris, atuou nas peças argentinas Au Revoir, Papá (texto próprio com direção de Natalia Casielles), Chancha Coraje (texto e direção de Pato Ruiz), Troyanas Is Burning e Las Destroyers (de Charlee Espinosa) e Clavemos El Visto (de Ezequiel Hara Duque e Joni Camiser). No cinema, esteve nos filmes Trago Seu Amor, de Dellani Lima, Não Há Cadeiras, de Pedro di Lorenzo, Breve História do Planeta Verde, de Santiago Loza (Prêmio Teddy no Festival de Berlim 2019) e em Fucking Selfie, de Charlee Espinosa. Em 2016, publicou o livro Sobre Voo ou a Literatura Nasce com a Morte de um Pássaro, pela Editora Scriptum. @loubackl
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Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Bob Sousa.
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