Morre Primo Bianco, o gato da diva Phedra de Córdoba
Por Miguel Arcanjo Prado
Morreu nas primeiras horas desta quinta, 4, o gato Primo Bianco, que pertenceu à grande diva transexual cubana Phedra de Córdoba (1938-2016), ícone do teatro, da Praça Roosevelt e da Cia. de Teatro Os Satyros, fundada por Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez. Após a morte da artista, o bichano foi adotado pelo psicanalista Hélvio Benício e pelo analista financeiro Rogério De Comi e vivia com o casal, cercado de carinho, em Taboão da Serra, na Grande São Paulo. Nesta manhã, o gato de 14 anos faleceu cercado de cuidados e muito amor, vítima de uma trombose no miocárdio, devido à idade avançada.
Primo Bianco ficou famoso no teatro brasileiro porque sempre era citado por sua dona como um gato muito carinhoso e também genioso, nas famosas entrevistas que Phedra de Córdoba concedia a este Blog do Arcanjo, sempre grande sucesso de audiência nas redes. Em uma das entrevistas, fez questão de posar para o fotógrafo Eduardo Enomoto com o Primo Bianco em seu colo, sentada em frente a seu guarda-roupa barroco, onde o bichano gostava de se esconder, quando não ia parar dentro de seus sapatos, debaixo da cama.
As conversas reais inspiraram o espetáculo Entrevista com Phedra, que marcou a estreia do jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado na dramaturgia. A obra venceu o Prêmio Nelson Rodrigues de Melhor Espetáculo de 2019. A peça foi dirigida por Juan Manuel Tellategui e Robson Catalunha e contou no elenco com os atores Márcia Dailyn, como Phedra ressuscitada, papel que lhe rendeu indicação ao Prêmio Aplauso Brasil de Melhor Atriz de 2019, e Raphael Garcia, no papel do jovem repórter Arcanjo. A obra voltará em nova temporada presencial assim que for possível.
Em conversa emocionada com o Blog do Arcanjo, Hélvio Benício revela que a partida de Primo Bianco foi tranquila e serena, com muito cuidado e amor. “Tivemos a melhor relação possível. Primo era carinhoso e dengoso, subia na minha cama, na minha cabeça e gostava de se esconder no guarda-roupa”, recordou, sensibilizado. “Fiquei ao seu lado a noite toda, até seu último suspiro”, conta. Ele conta que também adotou Rebeca, a outra gata de Phedra que deu um susto na sua dona ao engolir um botão e que hoje convive com os gatos Macunaíma e Medeia.
Aliás, a mania de Primo Bianco se esconder foi registrada no texto da peça Entrevista com Phedra, na qual o gato da diva marca forte presença por ser tão genioso quanto sua dona. Mesmo sem aparecer, Primo Bianco é um dos personagens mais marcantes da peça.
Quando soube da morte do bicho, Divina Núbia, uma das melhores amigas de Phedra de Córdoba, ficou muito sensibilizada. Aos prantos, conta: “Eu fiquei muito mexida com isso, me veio um filme, tudo que eu vi a Phedra passar naquele apartamento do Anhangabaú. Como ela foi feliz naquele lugar com o Primo Bianco! Que ela fique feliz, onde ela esteja, com ele ao lado”, balbucia. Divina Núbia também é citada no espetáculo Entrevista com Phedra, no qual a diva conversa com ela por telefone no começo da peça e ainda pergunta pela amiga Divina Valéria.
Primeira bailarina trans do Theatro Municipal de São Paulo e que herdou de Phedra de Córdoba o título de diva da Cia. de Teatro Os Satyros e da Praça Roosevelt, Marcia Dailyn sofre o impacto da partida do bichano que virou personagem com quem contracenou. “É muito triste, porque a gente conheceu o Primo e o amor que a Phedra teve por ele, igual eu tenho ao meu gato, o Mustafá, que está com 13 anos, só é um aninho mais novo que o Primo. Agora, o Primo vai reencontrá-la. A Phedra veio buscá-lo, certamente, para matar a saudade”, diz.
A atriz Julia Bobrow, amiga de Phedra e colega na Cia. de Teatro Os Satyros, que sempre a ajudou com os seus bichos e também citada no texto de Entrevista com Phedra, afirma. “Eu chorei com a partida do Primo. Quando Phedra se foi, eu fiquei responsável em achar um adotante para os gatos dela. E achei esse moço maravilhoso que adotou o Primo e a Rebeca. Primo Bianco era filho, melhor amigo, guia e o maior companheiro da Phedra. Acho que ninguém conheceu nossa diva tão profundamente quanto ele. Ela sempre tinha uma história para me contar sobre seu felino. Primo era o grande amor da Phedra e espero que, de alguma forma, agora eles fiquem juntos para sempre”.
O ator Ivam Cabral, que tinha Phedra como filha, afirma: “Eu conheço muitos protetores de animais, eu próprio me considero um ativista pelos animais, mas nunca conheci ninguém que amasse os gatos tanto quanto a Phedra. Desde que a conheci ela tinha gatos, e me lembro da morte do gato dela anterior ao Primo Bianco chegar. A Phedra ligou para mim e chorava compulsivamente. Eu nunca tinha visto a Phedra naquele estado, nunca tinha visto ninguém ficar daquele jeito por causa de um animal, eu não tinha animal naquela época. A Phedra me ensinou a gostar dos animais. A minha paixão pelos animais foi herdada pela Phedra”, diz. “Desde sempre via ela com o Primo Bianco, quando ele chegou, eu me lembro de pequenos detalhes da relação que ela tinha com ele. Quando ela morreu, a gente fez uma campanha grande junto de Julia Bobrow para que Primo Bianco fosse junto de sua irmãzinha, a Rebeca, e encontramos os novos tutores deles que trataram ele como muito amor. Recebi essa notícia com uma tristeza tão grande, mas aliviado também porque ele teve muito amor. E se o futuro existe após a morte vai ser um belo encontro”, conclui Ivam Cabral.
O diretor Rodolfo García Vázquez lembra um detalhe que mostra a paixão de Phedra por Primo Bianco. “Ela amava tanto esse gato. Às vezes, mesmo sem grana, bem apertada mesmo, ela dava um jeito, mas nunca deixava ele sem sua comidinha preferida”.
Miguel Arcanjo Prado, autor de Entrevista com Phedra, lembra: “Primo Bianco sempre foi um personagem muito presente em todas as entrevistas que fiz com Phedra. Ele se escondia e só saía no finzinho, quando eu já estava indo embora. Aí a Phedra me dizia: ‘Ele saiu porque gosta de você’. Apesar de ela sempre dizer isso, quando eu tentava colocá-lo no colo, ele sempre me arranhava, o que deixava a Phedra sempre muito nervosa com a situação. Ela amou loucamente aquele gato, e também a Rebeca, que veio depois e também foi adotada pelo Elvio Benício e o Rogério De Comi, ótimos pais para os dois, cuidando dos bichos com o mesmo amor com que Phedra fazia. Certamente, agora Primo está com Phedra lá no céu. A peça vai retornar em temporada presencial assim que for possível e farei questão de ter na reestreia Elvio e Rogério que cuidaram do Primo com tanto amor”.
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Miguel Arcanjo Prado é jornalista, mestre em Artes pela UNESP, pós-graduado em Mídia, Informação e Cultura pela ECA-USP e bacharel em Comunicação Social pela UFMG. Eleito três vezes pelo Prêmio Comunique-se um dos melhores jornalistas de Cultura do Brasil. Nascido em Belo Horizonte, vive em São Paulo desde 2007. É crítico da APCA, da qual foi vice-presidente. Passou por Globo, Record, Folha, Contigo, Editora Abril, Gazeta, Band, Rede TV e UOL, entre outros. Desde 2012, faz o Blog do Arcanjo, referência no jornalismo cultural. Em 2019 criou o Prêmio Arcanjo de Cultura no Theatro Municipal de SP. Em 2020, passou a ser Coordenador de Extensão Cultural e Projetos Especiais da SP Escola de Teatro e começou o Podcast do Arcanjo em parceria com a OLA Podcasts. Foto: Edson Lopes Jr.