‘Gosto de desafiar o leitor’, diz escritor Marcio Aquiles ao lançar décimo livro
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Marcio Aquiles não economiza palavras na hora de dar título a uma obra. “Gosto de desafiar o leitor”, diz, ao responder sobre os títulos longos que já viraram uma espécie de marca. E assim o faz ao lançar seu décimo livro e segundo trabalho literário durante a pandemia, período de intensa produção para o escritor e crítico de artes, que confessa acordar às 6h para escrever.
O título do novo tomo é A Cadeia Quântica dos Nefelibatas em Contraponto ao Labirinto Semântico dos Lotófagos do Sul, publicado pela Editora Urutau. A narrativa fusiona múltiplos gêneros e estilos, com vozes ficcionais que vão desde o teatro, passando também pela prosa e a poesia.
Aquiles afirma usar “procedimentos poéticos simbolistas, surrealistas e concretos, a obra apresenta eixos ficcionais que se cruzam”. E faz passear pelas páginas personagens como um astronauta, dois amantes em conflito e até um molusco cibernético (alusão recorrente também em outros trabalhos do autor), além, obviamente, de lotófagos — moradores de uma ilha mitológica ao norte de África — e nefelibatas — aqueles que vivem fora da realidade, literalmente no mundo das nuvens.
Rafael Martins Gregorio assina o posfácio da obra e pontua que o livro é feito de “carbono, aço e neon forjados em abstinência e resignação dopamínica”. E vai além, definindo a obra “como um pesadelo de Mallarmé caso tivesse antevisto, horrorizado, a solidão de um ‘like’ no alvorecer do século 21”.
Além do livro, o autor ainda conduz no @marcioaquiles um projeto de haicais que colocam em diálogo dois autores ou teóricos da literatura. Não bastasse tudo isso, recentemente, Aquiles acaba de organizar os livros Teatro de Grupo na Cidade de São Paulo e na Grande São Paulo: Criações Coletivas, Sentidos e Manifestações em Processos de Lutas e de Travessias, publicado pelo selo Lucias, da Associação dos Artistas Amigos da Praça (Adaap), e o volume Epopeia dos Seres Selvagens, Loucos e Animais, projeto de criação coletiva realizado durante a edição 2020 do festival Satyrianas.
O Blog do Arcanjo conversou com o escritor Marcio Aquiles nesta Entrevista de Quinta sobre seu profícuo momento. Leia com toda a calma do mundo.
Blog do Arcanjo – Você publicou o primeiro livro em 2012 e em menos de dez anos chega ao décimo trabalho. Como se sente e como consegue ser tão produtivo nesta pandemia?
Marcio Aquiles – Sou uma pessoa muito distraída, tenho uma dificuldade de concentração absurda, vivo no mundo da lua, porém sou muito sério com meus trabalhos profissionais e literários. Nesse sentido, sou bastante disciplinado. Já fui bastante boêmio, porém há vários anos tenho uma vida bem regrada, acordo todos os dias antes das 6h e já começo a escrever. Além disso, tenho esse amor incondicional com a literatura, quase uma devoção, assim vejo essa produção grande como um reflexo disso tudo.
Blog do Arcanjo – Queria que você falasse um pouco do caminho entre seu penúltimo livro e este novo.
Marcio Aquiles – Meu penúltimo livro de poesia foi uma epopeia, com milhares de versos estruturados por índices, que demarcavam a longa narrativa numa divisão por sonetos de acordo com mitologias ocidentais e orientais. Havia uma precisão quase matemática no uso consciente de dispositivos distintos para cada poema, construídos por meio de algum procedimento dominante: sonoro, sintático etc. Esse livro novo é mais experimental, tem uma estrutura mais livre, mais aberta ao devaneio e a tentativas de problematizações formais e semânticas do poema.
Gosto de desafiar o leitor. Que graça tem você ler sobre o que já sabe?
Marcio Aquiles, escritor
Blog do Arcanjo – Você costuma colocar longos e complicados títulos em seus livros, a exemplo de A Odisseia da Linguagem no Reino dos Mitos Semióticos e O Esteticismo Niilista do Número Imaginário. Não tem medo de que o leitor talvez ache o trabalho hermético demais?
Marcio Aquiles – Certamente tenho [risos]. Mas há um outro lado, porque gosto de desafiar o leitor. Que graça tem você ler sobre o que já sabe? Creio que um dos papéis da literatura, do teatro, é lançar enigmas, fazer o cérebro do leitor/espectador trabalhar, promover associações de sentido etc. Tudo isso leva ao nosso crescimento cognitivo, a uma maior capacidade de abstração… Além disso, a um primeiro olhar, minha obra como um todo pode parecer meio hermética, mas não é, porque sempre trabalho qualquer texto com várias camadas; assim dá para curtir de várias maneiras: no intertexto com outros autores e obras, com os jogos sonoros presentes (aliterações, rimas internas, ecos), na narrativa por trás de tudo e por aí vai, de modo a deixar interessante tanto para o leitor ‘iniciado’ no universo literário quanto para os mais leigos.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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