Luiz Gabriel Lopes volta ao simples em Sóis: ‘Cultura é um bem essencial’ | Entrevista do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Um dos compositores mais talentosos e versáteis de sua geração na música popular brasileira, Luiz Gabriel Lopes está de volta às simplicidades das palavras para sonhar feito planta, após intenso mergulho no pop colorido da recém-extinta banda Rosa Neon. Em nova fase, autoral e mais intimista, o músico faz neste sábado (15) às 19h um evento para celebrar o lançamento de Sóis, seu mais novo EP pelo selo Pequeno Imprevisto.
LG, como também é chamado, batizou o encontro de Costura – Conversas e Canções, que terá uma hora de duração pelo Zoom. Além de apresentar ao seleto público as cinco faixas em formato voz e violão, ele ainda vai versar sobre música e vida. Quem quiser participar é só adquirir o disco Sóis na plataforma Bandcamp. Na sequência, receberá o acesso ao bate-papo, além de livreto digital com letras, cifras, capa, contracapa e faixas em alta qualidade.
Centrado em seu próprio caminho, Luiz Gabriel Lopes concedeu esta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo. Falou sobre Sóis, sua música, o fim da banda Rosa Neon, a carreira e a vida nestes turbulentos tempos, além de revelar o que anda lendo e ouvindo. Nós mantivemos a escrita em caixa baixa adotada pelo artista em suas respostas, para manter seu estilo leve de ser.
Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Luiz, por muito tempo você teve carreira em paralelo com bandas como Graveola e Rosa Neon. Agora decidiu se dedicar exclusivamente ao seu trabalho solo/autoral? Por quê?
Luiz Gabriel Lopes – na real eu não decidi nada de forma muito pensada ou definitiva, foi uma conjuntura que se apresentou e que eu tô curtindo viver nesse momento… banda dá muito trabalho, né? rsrs… claro que é uma experiência incrível, muita troca, muito aprendizado, mas envolve uma necessidade de negociação também, um alinhamento constante, é um desafio grande pra administrar. daí, eu que tenho essa estrada já longa de inventar bandas e me dedicar muito profundamente a elas, acho legal também dar uma redirecionada nos rumos e poder ter mais tempo e espaço mental pra desenvolver meu caminho solo, onde eu consigo exercitar uma liberdade maior nas escolhas, no meu ritmo… tô feliz com esse momento.
Miguel Arcanjo Prado – Em que medida a pandemia foi responsável pelo fim da banda Rosa Neon?
Luiz Gabriel Lopes – não posso dizer muita coisa sobre o fim da banda, que foi uma decisão tomada depois que eu já tinha deixado de fazer parte. me desliguei no fim do ano passado por sentir que precisava seguir outros caminhos, e é simples assim. sobre a pandemia, o que sinto é que as medidas restritivas que têm sido colocadas ao setor cultural, e a falta de aprofundamento numa discussão criativa e responsável sobre essa questão, principalmente no Brasil, tem sido trágico para os criadores de arte e pra toda a cadeia de produção e consumo. há um desmantelamento em muitos níveis, o debate está interditado e o caos é tão grande que não parecemos nem perto de começar a encontrar soluções viáveis para o que será um próximo momento, onde possamos criar condições para que a cultura seja de fato encarada e vivenciada como um bem essencial, pra além das telas.
Miguel Arcanjo Prado – Quais músicos fazem a sua cabeça atualmente?
Luiz Gabriel Lopes – eu sou um curioso, escuto muita coisa, isso de pesquisar sons do mundo todo, de vários gêneros, como uma forma de viajar, de expandir minha própria sensibilidade musical… gosto muito. gosto de ouvir até o que não gosto, rsrs. porque sempre ensina alguma coisa. sou fascinado por fonogramas, eu piro muito na arquitetura dos sons gravados, como eles funcionam… então é difícil falar, o que eu tô ouvindo, é sempre uma montanha de coisas. ultimamente ando muito interessado na música indígena contemporânea, tenho desenvolvido alguns trabalhos junto com jovens artistas hunikuin, do acre, inclusive, que deverão ser lançados em breve pelo selo mimawai, com quem colaboro já há uns anos. também descobri uma cantora turca chamada gaye su akyol, uns lances meio rock meio gótico meio oitentistas, bem estranho e interessante. também voltei a ouvir muito o Gil e Jorge, um álbum ao vivo em estúdio que eles gravaram juntos em 75… enfim, muita coisa.
Miguel Arcanjo Prado – Na pandemia você se mostrou um músico muito produtivo, com os EPs Presente e agora Sóis. O mundo atual lhe aguçou a composição?
Luiz Gabriel Lopes – nem tanto a composição, que sinto que flui num ritmo bastante próprio, mas a vontade de lançar mais discos, e a organização para fazê-lo com um mínimo de constância e de cuidado. nesse sentido, o trabalho com os selos, pequeno imprevisto e dalatamusic, tem sido uma bênção. ter pessoas tão queridas e sensíveis cultivando o som junto e ajudando a organizar toda a parte dos lançamentos, é um privilégio, uma alegria. tenho muitas canções engavetadas, que ainda não gravei nem foram gravadas por ninguém, então a minha vontade daqui pra frente é conseguir dar vazão a esse material. e seguir compondo, claro, que é meu exercício diário, minha lente de leitura do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Neste momento tão tenso para o Brasil você tem buscado trazer leveza em seus trabalhos, o que se reflete tanto em Presente quanto em Sóis. É uma decisão pensada? Por quê?
Luiz Gabriel Lopes – não é algo pensado, nem calculado. vejo mais como um reflexo bastante prático e orgânico mesmo, de uma consciência que tem me chegado cada vez mais, sobre a singularidade do ofício da música, seus usos e utilidades. essa característica medicinal, energética, que tempera ânimos e humores do espírito humano, que povoa nossas memórias e cartografa nossos sentimentos. fazer música pra nos libertar dessa anestesia monolítica preguiçosa, que parece ser a única proposta civilizatória possível desse capitalismo pandêmico, mas que pelo menos a mim não convence nem satisfaz. é o que tenho tentado.
Miguel Arcanjo Prado – Se fosse pra você ter nascido em outra época, qual escolheria e por quê?
Luiz Gabriel Lopes – não sei se escolheria outra época. acho que o ano de 1986 com seu cometa halley, a infância na roça nos anos 90, a descoberta da cidade grande nos anos 2000 através da UFMG, a deriva musical pelo mundo nos anos 2010… tudo bastante sincrônico com o que deve ser e é na minha jornada. sou bastante grato ao percurso que trilhei até aqui e espero que nos próximos anos possamos encontrar novas possibilidades de viver no mundo, já que uma das principais lições dessa crise que estamos atravessando é que muita coisa não dá mais pra continuar como estava.
Miguel Arcanjo Prado – Como você lida com as questões da música contemporânea, como presença constante nas redes e a ditadura do algoritmo?
Luiz Gabriel Lopes – eu acho até que me viro bem, porque tenho sangue de comunicador, mas acho lamentável a sensação de imposição desse modelo onde o artista precisa ser influencer e ficar indo atrás de tendências e modinhas pra capturar seguidores em vez de mergulhar de verdade na pesquisa da sua própria singularidade. é tudo questão de dosar, de saber viajar entre dimensões, surfar nesse turbilhão de efemeridades e obsolescências programadas quando for preciso, depois desligar tudo e se reconectar às linhas lentas da experiência do mundo, os ciclos naturais, o mundo espiritual, as plantas, os bichos. pessoalmente, a construção da obra é o que me interessa. saber jogar com o mercado mas sem obedecer à pasteurização comportamental e epistemológica que ele propõe, eis o desafio.
Miguel Arcanjo Prado – Qual disco você recomenda?
Luiz Gabriel Lopes – vou deixar aqui o chamado pra um discasso de um parceiro querido que é o Zé Manoel, que tem rodado no meu som também. se chama “De Coração Nu”, é um bálsamo, um cancioneiro muito vivo e sensível, crítico e atento ao mundo. sou fã.
Miguel Arcanjo Prado – Qual foi o último livro que você leu?
Luiz Gabriel Lopes – acabei de ler uma autobiografia do Eric Clapton, muito massa, fácil de ler e vários moments emocionantes na escrita, a relação dele com a cena, os Beatles, os Stones, muita história. um bocado impressionante também ver o tanto que essa geração se destruiu no álcool e nas drogas, faz pensar que nós de hoje em dia somos muito, mas muito mais caretinhas mesmo – no melhor dos sentidos. Atualmente no desafio de ler o Grande Sertão Veredas, do Guimarães Rosa… mistério e maravilha.
Miguel Arcanjo Prado – O que você acha do retorno dos discos de vinil? Quer lançar novos trabalhos nesta antiga mídia?
Luiz Gabriel Lopes – acho espetacular, gosto muito do som, da visualidade e do ritual todo. To começando a desenvolver uma pesquisa no acervo da minha família, usando como material de estudo pra aprofundamento histórico sobre a história da música fonográfica brasileira e internacional, entender como os discos eram propagadores de uma quantidade de informação incrível sobre as obras e os artistas. Quero muito lançar meus trabalhos em vinil, tenho conversado disso com a galera do selo, e estamos pensando numa edição especial do “Presente” pra sair em algum momento.
Miguel Arcanjo Prado – Você transita com facilidade entre diversos gêneros musicais, de onde vem essa sua versatilidade?
Luiz Gabriel Lopes – acho que é um traço muito brasileiro, essa nossa formação chafurdados na mistureba pluri-semiótica, TV aberta, cultura de massa, vanguardas artísticas, esse DNA tropicalista que é um traço forte na nossa história. Eu cresci numa cidade pequena ouvindo rock progressivo, mpb e música erudita em casa, ia pra rua e escutava toneladas de axé e sertanejo, então acabei virando meio avestruz mesmo, gosto de muita coisa diferente entre si… acho que vou absorvendo essas influências no meu próprio fazer.
Miguel Arcanjo Prado – Qual é a música que te dá prazer?
Luiz Gabriel Lopes – eu poderia falar mil coisas mas vou dizer de um formato bastante específico que eu amo muito e que me acompanha há muitos anos como um lugar de aconchego e conforto, que são as gravações de voz e violão. tenho até uma playlist no spotify onde tô pesquisando isso, chama “voz e violão #golden”, que são fonogramas onde esses dois elementos, se não são os únicos, são o centro de energia pulsante, o texto principal. tem Edgardo Cardozo, Gilberto Gil, Ceumar, Caetano Veloso, Joni Mitchell… só pérola. me dá sensação de estar em casa.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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