Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Arte relevante antecipa tendências sociais. É como se o artista fosse uma entidade com sensibilidade premonitória ao futuro. Isso se confirma com a Cia. de Teatro Os Satyros mais uma vez, com a remontagem de Pink Star, espetáculo estreado presencialmente em 2017 e que foi completamente reformulado para o teatro digital. A quem viu a primeira encenação no soturno Espaço dos Satyros Dois da praça Roosevelt, a nova montagem confirma o espetáculo como uma profecia sobre os rumos do Brasil.
O texto perspicaz de Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez se concentra no assassinato de Purpurinex Brilhante, pessoa que abriu mão do gênero para só ser. Contudo, tal liberdade parece ter despertado a ira em quem não consegue enxergar o mundo e as pessoas fora das caixinhas pré-estabelecidas.
Com ritmo frenético e trilha envolvente de Felipe Soares, Vázquez dirige a montagem mais uma vez, sob assistência atenta de Gustavo Ferreira. A história policial ganha ares futuristas, como se fosse um cartoon multicor abusadamente pop, destaque da direção de arte de Adriana Vaz com assistência de Letícia Gomide. Com ampla liberdade de quem é o grupo teatral pioneiro na abordagem de todas as letrinhas do alfabeto da identidade de gênero nos palcos brasileiros, o Satyros se dá ao luxo de apresentar olhar irônico para as mesmas. Afinal, para o bem ou para o mal, gente é gente, independentemente da sigla à frente.
O frescor da peça nasce não só do texto ou da direção, mas, sobretudo, de um elenco totalmente entregue, no qual o protagonismo de Diego Ribeiro, como Purpurinex, reforça que 2021 é o ano de ouro do ator. O artista gaúcho de Uruguaiana radicado em São Paulo também foi destaque recentemente em As Mariposas, do Satyros. Mais maduro e sacudido pela vida que em 2017, Diego Ribeiro revisita Pink Star com toda a segurança do mundo, dando matizes distintas ao texto, dito por ele com muito sabor, em interpretação épica-dialética rara no teatro brasileiro, ainda tão necessitado de boas atuações. Ele só confirma o Rio Grande do Sul como celeiro de bons atores.
Com um carro-chefe de tal magnitude, o elenco segue em prumo certo, oferecendo ao público atuações efervescentes, altamente debochadas e dinâmicas até não mais poder. Todos merecem ser citados, nome por nome: Alessandra Nassi, Alex de Felix, Anna Kuller, Beatriz Medina, Bel Friósi, Bruno de Paula, Cristian Silva, Diego Ribeiro, Dominique Puzzi, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Guilherme Andrade, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Ingrid Soares, Julia Francez, Karina Bastos, Luis Holiver, Maiara Cicutt, Marcia Dailyn, Roberto Francisco, Silvio Eduardo e Vitor Lins. Ainda há a voz de André Bachiega e o preparo vocal bem sucedido de André Lu, que domou o elenco nas notas corretas para as cenas musicadas.
Com um time tão afinado, o público se diverte em Pink Star e fica boquiaberto diante das possiblidades estéticas do teatro digital descortinadas pelos incansáveis artistas do Satyros. Não à toa, eles são hoje reverenciados no mundo inteiro.
Pink Star (2021), da Cia. de Teatro Os Satyros
Avaliação: Ótimo ✪✪✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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