Primeira mulher negra a ser secretária de Cultura de São Paulo, Aline Torres concede entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Fotos de BOB SOUSA e EDSON LOPES JR.
Aline Torres chegou à Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo com um feito histórico: é a primeira mulher negra a assumir a gestão da Cultura da maior metrópole da América Latina. “Sou uma secretária de Cultura com cara de gente”, define, nesta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo, ao completar um mês no cargo. A conversa ocorreu em uma agradável manhã de sol em seu gabinete, no oitavo andar do Edifício Sampaio Moreira, primeiro arranha céu de São Paulo, de onde se avista o Vale do Anhangabaú, Viaduto do Chá e Theatro Municipal, cartões postais da cidade.
A simples presença de Aline, 35, uma mulher negra, jovem, de Pirituba, na periferia paulistana, neta de um homem negro escravizado, em um lugar de tamanho poder mexe com as pessoas na cidade e no Brasil, sobretudo a população negra e periférica. “Recebi uma mensagem de uma pessoa negra falando: ‘Eu hoje chorei quando te vi na TV'”. Em recente entrevista à Veja São Paulo, logo após a posse, ela ressaltou: “Ricardo Nunes fez o que a esquerda não fez, dar a caneta a uma negra”.
Escolhida pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB), Aline Torres tomou posse em 30 de agosto último, no lugar de Alê Youssef, que pediu para deixar a pasta. Filiada ao mesmo partido do prefeito e com passagem anterior pelo PSDB, Aline frequentou na adolescência o curso do Educafro, projeto social que promove ascensão de negros e negras por meio do estudo universitário.
Aline Torres tem no currículo farta experiência na administração pública cultural: é pós-graduada em Gestão Cultural pela USP (Universidade de São Paulo), realizou projetos premiados da TV Cultura e já dirigiu o CCJ – Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso, na Vila Nova Cachoeirinha, também na periferia paulistana. A relações públicas ainda esteve à frente da reformulação do antigo ProAC ICMS, que passou a integrar o ProAC Direto, na Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, sob gestão de Sérgio Sá Leitão.
Nesta entrevista, Aline Torres avalia o primeiro mês como Secretária de Cultura de São Paulo, fala sobre a representatividade negra no poder público, revela sua relação profunda com o Carnaval e seu samba no pé e adianta novidades sobre a possível retomada da grande festa popular em 2022. Ela ainda reforça o recado dado pelo primeiro edital que lançou, o da Retomada Presencial, focado em ações para retomada econômica da periferia da cidade, e reitera seu diálogo aberto e franco com o prefeito Ricardo Nunes, além de deixar as portas abertas para conversas com os profissionais da cultura da cidade para “construir juntos” sua gestão e inclusive não descarta ligar para o antecessor, Alê Youssef, se sentir necessidade de um papo ou alguma dica. Para finalizar e irmos logo para o papo, ela avisa ter os pés no chão e não se iludir com o poder: “Eu estou secretária de Cultura. Não sou uma pessoa deslumbrada”.
Com você, Aline Torres. Leia com toda a calma do mundo:
MIGUEL ARCANJO PRADO – Aline, nos quadros dos antigos secretários de Cultura de São Paulo que estão na antessala onde esperei para entrar, percebi que só tinha o Emanuel Araújo de negro. Apenas um. Você é a segunda pessoa negra e a primeira mulher negra a ocupar esse cargo. Como se vê neste lugar de comandante da Cultura da maior cidade da América Latina sendo mulher negra?
ALINE TORRES – Eu acho que é uma missão. Mas, ao mesmo tempo que eu vejo como uma missão, eu vejo com muita serenidade, porque alguém sempre tem que ser o primeiro em alguma coisa e ainda mais em nossos casos. Pra gente conseguir avançar e quebrar barreiras para nossa história, tem muita coisa antes. Sobretudo, nós mesmos, os negros. Então, eu vejo com muito avanço. Eu vejo com muita serenidade também, mas também com olhar de preocupação de que isso não pode ser algo único, eu não posso ser a única nesse momento de 2021, para essa nossa virada de paradigma de 2022. Que existam outros Arcanjos, que existam outras Alines por aí.
Que existam outros Arcanjos, que existam outras Alines por aí.”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – É preciso oportunidades aos profissionais negros?
ALINE TORRES – Sim. A gente precisa mesmo de oportunidades. Então, além de ter essa missão, que não é fácil, porque ser o primeiro não é fácil, pois a cobrança de todos os lados é muito mais forte, também tem o olhar de trazer, de acolher, de entender quais são as nossas necessidades e quais são as nossas oportunidades, que eu possa abrir caminhos para os nossos. Então, se você me perguntar: está feliz? Estou. Mas, preocupada com a missão que eu tenho pela frente também.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Aline, você geriu o Centro Cultural Ruth Cardoso, localizado na periferia, na Vila Nova Cachoeirinha, e de repente está aqui no centro da cultura paulistana, em uma posição que lhe deu muita visibilidade. O que continua a mesma coisa e o que teve de mudar?
ALINE TORRES – Não mudou nada na Aline! A Aline antes do Centro Cultural da Juventude Ruth Cardoso foi coordenadora de orçamento robusto no PROAC-ICMS. Eu fiz alteração da lei do PROAC-ICMS. Fiz a gestão do programa, mudei a cara do programa. Eu incluí o edital de Cultura Negra no edital PROAC-ICMS, no PROAC Edital. Depois, fui trabalhar na TV Cultura e fiz e escrevi projeto de leis de incentivo da TV Cultura, e um deles é ganhador do Prêmio APCA. Ou seja, foram as minhas mãos que fizeram isso. E, obviamente, junto com uma equipe muito incrível. A Aline, depois que saiu da TV Cultura, ela foi para o CCJ, ela teve muita visibilidade também e não foi a Aline que chegou aqui, foi o trabalho que a Aline fez. Foi a Aline que sentou no ponto de ônibus para entender o porquê de as crianças da região do CCJ não entrarem dentro do equipamento para ver atividades. Foi a Aline que conversou com os comerciantes, foi a Aline que fez o bloco da Tia Ruth e que agora vai coordenar o Carnaval de São Paulo, o maior carnaval de blocos do Brasil, que é o nosso. Então, a Aline não mudou em nada. Gestão pública, e obviamente que agora tem um tamanho muito maior, é você administrar orçamentos, ver prioridades, entender como a gente consegue avançar. Mas, esta Aline aqui continua a mesma Aline do Camisa Verde e Branco [tradicional escola de samba paulistana], a mesma Aline, em alguns momentos briguenta, a mesma Aline serena muitas vezes. A Aline, em si, não mudou.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você falou do Camisa Verde e Branco. Você tem essa ligação com o Carnaval, com o samba, que vejo pulsar em você e é uma das bases da cultura brasileira. Qual a sua relação com o Carnaval?
ALINE TORRES – Além de ser uma eterna apaixonada pelo Carnaval, inclusive no meu trabalho de conclusão da pós-graduação em Gestão Cultural na USP, lá no CELACC [Centro de Estudos Latino-Americanos sobre Cultura e Comunicação] da ECA [Escola de Comunicações e Artes], com o nosso mestre Prof. Dr. Dennis Oliveira, porque sei que você também fez a pós lá, o meu tema foi o Carnaval. Eu sou uma eterna apaixonada pela arte do Carnaval em si, pela raiz que ele proporciona à nossa gente. Eu costumo dizer que ele era, porque não costuma ser mais, mas o Caranval era o único dia que a Maria e o João eram rei e rainha. Isso é muito rico pra gente! Então, o Carnaval pra mim é muito mágico. Eu participei de algumas gestões, queimei o dedo com cola quente, fiz projetos de lei, fiz tudo dentro de uma escola de samba. Inclusive chorar por perder ou por ganhar. Mas, a minha relação com o Carnaval continua muito próxima, durante todos esses anos eu continuei muito próxima. Agora, eu estou mais cansada, acho que não tenho mais pique pra desfilar. Não tenho mais saúde pra isso [risos]. Mas, o meu olhar continua o mesmo e vem de dentro do Carnaval.
Já queimei o dedo com cola quente… Meu olhar continua o mesmo e vem de dentro do Carnaval.”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você falando aí de pique pra desfilar, do Carnaval, o que poderia me adiantar sobre como a Secretaria de Cultura da Cidade de São Paulo está enxergando a possibilidade de um Carnaval em 2022?
ALINE TORRES – O carnaval de bloco é uma das grandes atividades da Secretaria de Cultura. A gente está em conversa com o prefeito Ricardo Nunes e outros secretários. O secretário Alexandre Modonezi, que é o secretário de Coordenação das Subprefeituras, é quem está cuidando de toda estrutura, da logística. O secretário Edson Aparecido, que é o secretário de Saúde, também está junto, pra gente balizar todos os riscos e prós e contras possíveis. Pra gente conseguir colocar um Carnaval com responsabilidade.
MIGUEL ARCANJO PRADO – As pessoas estão sedentas pelo Carnaval?
ALINE TORRES – O que você imagina? Um ano e meio a sociedade inteira dentro de casa, sem nada. Na hora que a gente anunciar que vai ter um Carnaval, você acha que alguém vai ficar em casa? Não vai, né!? Então, vai ser um grande teste de estrutura, de organização que a gente precisa conseguir fazer. Então, a gente tá ponderando, fazendo vários estudos. Eficácia de número de contaminados, enfim, tudo. Mas há uma grande possibilidade de o Carnaval acontecer, porque hoje, São Paulo é a grande capital da vacina no país. A gente tem uma altíssima porcentagem de adultos com duas doses de vacina. Então, a gente tem muitos pontos positivos na nossa frente pra conseguir fazer esse Carnaval de 2022.
São Paulo hoje é a grande capital da vacina no país. Então, a gente tem muitos pontos positivos na nossa frente pra conseguir fazer esse Carnaval de 2022
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você falou desse diálogo também com os outros secretários. Sua chegada já foi focada na cultura como parte da retomada econômica da cidade, no primeiro edital que você lançou. A cultura sofreu muito em 2020. Eu sei porque eu cubro a cultura de perto, e os artistas perderam tudo, não tinham com que trabalhar, demorou a chegar a Lei Aldir Blanc. A gente não sabe como eles viveram até novembro, dezembro de 2020, foi aí que começou a chegar algum dinheirinho. Dentro desse contexto, São Paulo, sobretudo a Prefeitura e o Estado, foi o oásis da classe cultural brasileira. Quem segurou a cultura foi São Paulo. Qual papel você vê na Cultura, nessa retomada econômica? E como você desenha para as pessoas que acham que a cultura é só o artista no palco, que tem o pipoqueiro, os ténicos, que tem o bilheteiro, que tem o motorista de aplicativo que leva, que tem a pizza depois da peça… Como que você explica para o povo a importância da Cultura na grana de São Paulo?
ALINE TORRES – A importância da cultura é fundamental. É fundamental! A gente está com um olhar que é fruto de muita conversa com o prefeito Ricardo Nunes. Ele falou assim: ‘O que que a gente vai poder fazer para os técnicos da cultura?’ O cara que era roadie, que era técnico de som, técnico de áudio, faziam vários jobs durante o mês e ele conseguia pagar o aluguel e viver bem, se divertir aos fins de semana e, do dia para noite, esse cara simplesmente parou de trabalhar. E ele não tinha mais nada para fazer. Simplesmente assim. A grande estrela ainda teve de certo modo a sua visibilidade, e o backstage, não. Quando a gente fala deste edital que a gente está lançando, o primeiro Edital da Retomada, é sobre isso. O prefeito Ricardo Nunes pediu pra gente conseguir fazer um estudo e pensar ações para que a Cultura seja uma das principais ferramentas para a retomada econômica na cidade de São Paulo. E não são só dois milhões de reais. Eu cheguei aqui e em uma semana eu fiz um edital e consegui buscar o orçamento de dois milhões de reais que não iam ser para esse edital, iam ser para as outras coisas. Então, são 20 projetos que vão gerar impacto econômico na periferia. E aí, quando você gera impacto econômico ali, você está contratando pessoas do seu entorno. Você está fazendo um giro econômico, gerando impactos positivos.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Seu foco é valorizar o impacto econômico da Cultura?
ALINE TORRES – Pensar na cultura nesse olhar de gerador econômico para a cidade vai ser o olhar dessa gestão para 2022. É realmente entender e pensar diversos tipos, não só de editais, mas de políticas públicas que a gente realmente consiga chegar na população da cultura da cidade de São Paulo. No artista. Aí você tem agora as casas voltando a abrir. População vacinada. Aí uma grande casa de shows vai e contrata um grande artista. Não é demérito não, ok, bacana. Mas quem que vai contratar o MC, quem que vai contratar o grupo de teatro pequeno? Se a gente não tiver políticas públicas pensadas nisso, esse público nunca vai ter o seu olhar. Então, esse edital é pra já dar o tom do que a gente pretende fazer. Porque ele tem 100% esse olhar.
O olhar dessa gestão é pensar a cultura como gerador econômico para a cidade.”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJ PRADO – Você falou em edital. Eu participei no ano passado, em plena quarentena, da comissão do edital de artes negras da Prefeitura. O primeiro que teve na história. E me lembro que um dos pontos que achei positivo foi obrigar o júri a distribuir a verba para todas as regiões da cidade. E me lembro também que tinham projetos feitos de forma muito simples, mas com ações muito potentes, que você percebia que os proponentes não estavam habituados com projetos, inclusive pontuei muito na época para que fossem valorizados pelo conteúdo e não pela forma. Como você enxerga os editais públicos obrigarem o dinheiro a ser bem distribuído?
ALINE TORRES – Esse Edital da Retomada já tem uma pontuação justamente para descentralização. Para proponentes que morem em regiões afastadas do centro, ou seja, periféricas. Pra gente conseguir fazer esse olhar. Mas deixa eu falar isso que você falou agora que é muito importante. Você está corretíssimo, mas quem são as pessoas que escrevem projetos para Lei Rouanet? Porque tem todo um critério. É quase um projeto acadêmico. É quase um doutorado. Pra você escrever um projeto do PROAC-ICMS, ele também é um projeto com capacidade intelectuais específicas, com regras que você precisa entender bem a lei. E aí, quando você vem para o município, ele precisa pensar na formação desse proponente, de políticas públicas. É preciso esse olhar que você falou. Eu, antes de ser secretária de Cultura, ia para a Fábrica de Cultura para ensinar os meninos e meninas da periferia a escrever projeto de edital. E eu consegui alcançar vários jovens, a ensinar essa turma a escreverem projetos para editais. Então, a gente tem a missão e a necessidade de ensinar eles a fazerem aquilo. Obviamente, que a gente precisa entender que a necessidade e o perfil do VAI, do Edital de Periferias, além de ser mais simples, a linguagem tem de ser mais simples, porque a gente quer chegar nesses jovens, nesses proponentes, mas a gente tem obrigação de ensinar esse jovem a escrever um projeto para Rouanet no futuro também.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Uma coisa que me chama muito atenção no lançamento desse edital, foi você dizer que é preciso que artista que ganhe o edital entenda a necessidade de se comunicar. Eu, como jornalista, percebo isso, o projeto ganha o edital e não se preocupa com o público. Como que você vê isso também?
ALINE TORRES – A gente tem uma deficiência nossa, muito periférica mesmo, é isso que você falou, a dificuldade de conseguir inscrever o projeto, a gente tá muito preocupado em matar a fome.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Sim.
ALINE TORRES – Essa é a nossa verdade. Estamos preocupados em matar a nossa fome, e aí um produtor cultural, ele conseguiu o recurso para produzir o projeto, ele vai produzir o show dele, vai produzir a peça dele e aí a necessidade do afã é tão grande que ele não pensa no processo todo. Algo que é muito simples para um “farialimers”, pensar em um superprojeto e ter várias mentes, com uma para pensar só na produção, outra para divulgação, outra para captação…Aí o projeto sai perfeito. Agora, quando o projeto sou eu, o que é o caso de muitos artistas paulistanos, eu não consigo fazer tudo isso. Então, uma das maneiras de a gente começar é dizer: precisamos falar com todo mundo. Então, são 25 pontos deste Edital pro produtor conseguir montar um plano de comunicação eficiente. Você precisa guardar um dinheiro para divulgar o seu projeto, só que não é divulgar por divulgar, pensa maneiras bacanas, usa todas as ferramentas, liga lá para o Blog do Arcanjo e fala: ‘Arcanjo, eu vou colocar você aqui no meu plano de comunicação, porque que você é uma ferramenta estratégica, porque o seu canal de comunicação fala com meu público, com a minha peça, com meu show, com a minha arte’. Isso é pensar arrojado! E aí, em contrapartida, os 20 projetos ganhadores, o que eles vão fazer? O que a gente vai fazer? A gente vai divulgar esses projetos nas nossas redes sociais, coisa que a Secretaria de Cultura nunca fez e é uma reclamação dos artistas: ‘Por que a Secretaria de Cultura não ajuda a gente a divulgar?’. Então, além da gente conseguir colocar esses projetos na divulgação, é pra que ele não morra nele mesmo e pra que ele não morra na gente também de maneira curta. A gente quer ter vida longa, de relacionamento com esses projetos.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Isso é importante.
ALINE TORRES – Então, se eu fizer uma parceria com uma TV bacana grande, com rádio bacana, com um streaming legal, eu vou falar: olha tem um projeto que vocês precisam ir lá fazer a divulgação desse projeto. Vai fazer um link ao vivo lá. Vou dizer: Arcanjo tem um projeto bacana, vai lá fazer uma matéria com eles. É isso que a gente precisa fazer, é um dinheiro público, e a gente precisa pensar políticas públicas, políticas públicas tá dentro de uma relação de você ensinar, dar oportunidade e ajudar a voar e deixar ir para o mundo, mas estruturando. É igual a mãe passarinha faz com os passarinhos, a gente precisa fazer isso com os nossos passarinhozinhos.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Está certíssima, é preciso o produtor artístico pensar parceria com o produtor de conteúdo, com o fotógrafo, porque imagem é tudo hoje em dia.
ALINE TORRES – Que bom que você me entende.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você chegou com elegância, e assumiu após a saída do Alê Youssef, que também que vem do Carnaval. Como você vê recebe o legado dos secretários que vieram antes, sobretudo o Alê Youssef e o Hugo Possolo, que foi o primeiro palhaço secretário de Cultura?
ALINE TORRES – Poxa, é um mundo de continuidades. Eu acho que o Alê teve olhares muito importantes, muito bacanas para as coisas, para as ações que ele construiu aqui na Secretaria. Tenho certeza que ele deixou as marcas dele, assim como o Hugo, mas agora a gente vai ter a gestão da Aline Torres, que tem o olhar da Aline Torres, sem desrespeito nenhum, apenas de acordo comigo. Mas, assim, tenho certeza que em algum momento eu vou ligar para o Alê e vou falar assim: ‘Olha, o que você pensou aqui, porque eu não estou conseguindo, vamos pensar em outra coisa’. Acho que não tem problema, eu respeito muito as pessoas, porque hoje eu estou secretária de Cultura, amanhã eu volto a ser a Aline Torres pessoa física. E a gente nessa vida a gente só leva a vida que a gente leva.
MIGUEL ARCANJO PRADO – Como é sua relação com o prefeito Ricardo Nunes?
ALINE TORRES – O prefeito Ricardo Nunes tem uma relação de muito respeito e escuta comigo, Ricardo é um homem que escuta as pessoas, ele me pergunta, ele me ensina muito, ele tem um olhar de cuidado pela cidade, um olhar de cuidado pela população. Esta semana, a gente foi visitar, acompanhar a obra do Museu do Ipiranga, é o nosso museu mais antigo da cidade, é um museu super importante, que está fechado desde 2013, estão fazendo uma obra incrível, super conjunta. E eu vi o prefeito interessado para ver as coisas, vislumbrando arte e cultura para a nossa cidade. Então, é nesse diálogo com o prefeito Ricardo Nunes que a gente vai construir uma gestão para as pessoas, de um prefeito que tem cara de gente e de uma Secretária de Cultura que tem cara de gente também. Sou uma secretária de Cultura com cara de gente.
É nesse diálogo com o prefeito Ricardo Nunes que a gente vai construir uma gestão para as pessoas, de um prefeito que tem cara de gente e de uma Secretária de Cultura que tem cara de gente também.”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – E como o prefeito Ricardo Nunes vê a Cultura no governo dele? É algo importante? Você sente isso?
ALINE TORRES – Eu sinto. Eu sinto porque toda hora ele tem uma ideia diferente, toda hora ele fala sobre o tema, pergunta sobre grafite. Esse final de semana a gente estava numa atividade e ele começou a falar: os túneis, grafite, arte de rua, o que você acha disso? Ele pergunta a minha opinião e me fala dele e a gente constrói juntos. Isso é sensacional. Ele é um cara que vive, que se preocupa muito com as pontas. Essa coisa dos técnicos de cultura foi um olhar dele. Ele falou, o que a Secretaria de Cultura pode fazer para o técnico de som? A gente tem alguma política pública? Eu falei: ‘não, ano passado foi feito um edital para casas noturnas’. Ele: ‘mas casa noturna tá bom, mas é preciso pensar no técnico também, na ponta’. Ele falou: ‘E capoeira? A gente tem ação pra capoeira?’ É isso, cultura é muito importante pra ele também, mas o que é importante para o Ricardo são as pessoas, porque olha só onde ele foi, no técnico de som, no cara da capoeira, e é nesse tom que a gente vai, nesse diálogo, de respeitar todos que passaram por aqui, mas pra eu deixar a minha marca também.
MIGUEL ARCANJO PRADO – E você tem meio que uma expectativa até histórica de deixar uma marca, porque você é a primeira mulher negra a exercer esse cargo, coisa que nunca teve antes, aí chegando no ponto onde a gente começou também, que é esse. Eu queria te perguntar, como que foi nesses últimos 30 dias, em que você passou em eventos com prefeito, seu nome ficou mais público, você saiu na Folha, saiu do Estadão, saiu na Globo… Como que as pessoas chegam até você, que tipo de recado que você recebe, como que você sente assim a acolhida da cidade a uma Secretária com cara de gente, pra usar sua própria definição?
ALINE TORRES – Eu recebi milhões e milhões de mensagens que eu não consegui responder todas até hoje, mas já vou aproveitar o seu Blog do Arcanjo, que tem um ótimo alcance, para fazer isso e agradecer. Eu recebi mensagens de gente que eu nunca vi na vida. Recebi uma mensagem de uma pessoa negra falando: ‘eu chorei hoje quando eu te vi na TV, porque eu estou muito feliz, isso significa que os meus netos vão poder um dia ser algo além de segurança, sabe?’ O impacto que isso tem. Aline é pessoa física mesmo, humana. É muito forte. Mas as pessoas estão me acolhendo muito. Tem uns que não amam também, porque não dá pra agradar todo mundo e tudo bem. Acho bom até, se não vão falar tá muito fake isso aqui.
Recebi uma mensagem de uma pessoa negra falando: ‘Eu hoje chorei quando te vi na TV, porque estou muito feliz, isso significa que os meus netos vão poder um dia ser algo além de segurança, sabe?'”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – Faz parte do jogo democrático.
ALINE TORRES – Faz parte do jogo democrático, exatamente. Mas eu fui muito acolhida, eu estou assim realmente muito contente e feliz, mas eu não fico deslumbrada, eu fui rainha de bateria, de bloco, de escola de samba e eu tinha uma coisa que assim, eu odiava ser bonita, sabe essa coisa de ser bajulada? E eu sempre lidei com o poder, eu sempre estava perto do poder e eu entendo que aquilo não é pra mim, não sou eu, ele está ali naquele momento, o poder, ele é muito instável, então, todo esse acolhimento, todo esse carinho, obviamente que eu agradeço, estou muito feliz por ter sido acolhida. É preciso continuar sendo acolhida por essas pessoas estarem nessa expectativa, nessa cobrança muito forte, mas eu entendo que a gente tem que parar de endeusar tudo também. Eu sou de carne e osso, você é de carne e osso, o prefeito é de carne e osso, todo mundo tem os seus momentos, mas é com muita serenidade, não muda sabe, não muda a chavinha.
Eu estou secretária de Cultura. Eu não sou uma pessoa deslumbrada.”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
MIGUEL ARCANJO PRADO – Você tem pé no chão?
ALINE TORRES – Eu chego em casa, coloco o meu pijama, vou olhar meus boletos, vou ver qual vai ser o sorteio da Roda a Roda Jequiti que eu faço todo mês, entendeu? Nada muda. Eu ligo pro meu cabelereiro e digo: ‘pelo amor de Deus, estou cheia de cabelo branco’, mas eu faço permanente afro e não posso pintar…É isso, nada vai mudar entendeu? Eu estou secretária de Cultura. Eu não sou a pessoa deslumbrada.
MIGUEL ARCANJO PRADO– E qual recado você tem para dizer aos profissionais da Cultura, tanto os que estão no palco quanto os que ficam nos bastidores, que também são grande parte dos leitores do Blog do Arcanjo?
ALINE TORRES – Poxa, eu acho que o principal recado é me ajudar a construir juntos, vamos conversar, vamos dialogar, vamos fazer aquele movimento gostoso da escuta. Eu acabei de chegar e um dos objetivos é a gente sentar com calma, chamar vários segmentos separados pra gente construir. Eu não vou ser aqui a pessoa que vai impor regra, eu quero ouvir das pessoas as necessidades delas e eu vou falar, isso pode, isso não pode, vamos ter ideia juntas. Então, a primeira é, um: tenha fé e esperança em mim e vamos construir juntos essa gestão, para essa gestão ter a cara de São Paulo, não ser só a cara da Aline, pra ter a cara de várias pessoas, de todos os jeitos, cores, tamanhos e sabores diferentes aqui.
Quero ouvir as pessoas, pra não ser só a cara da Aline, pra ter a cara de várias pessoas, de todos os jeitos, cores, tamanhos e sabores”
Aline Torres, secretária de Cultura de São Paulo
Agradecimentos: Rodrigo Barros, Décio Caramigo e Gabriel Fabri.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
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