Crítica | Benditas Mulheres, de Célia Forte, é olhar corajoso e irônico para bastidores do teatro

Célia Forte, autora da peça Benditas Mulheres – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Fotos ANNELIZE TOZETTO
@annelizetozetto

O admirável mundo das mulheres, com seus múltiplos conflitos, tem lugar de predileção na dramaturgia de Célia Forte, que acaba de estrear seu terceiro espetáculo, Benditas Mulheres. Ela também é autora das peças Amigas, pero no Mucho, sobre quatro amigas que amam se detestar, e Ciranda, uma ode feminina geracional com mãe e filha. A nova obra, sedimentada em um olhar irônico e corajoso para os bastidores femininos do teatro, pode ser vista no Teatro Renaissance (Alameda Santos, 2233), em São Paulo, sextas e sábados, 21h30 (retire aqui seu ingresso).

Nesta retomada dos palcos presenciais após o duro período da quarentena, a peça não deixa de ser uma homenagem à própria classe teatral. Entretanto, não se trata de uma homenagem de fã, mas, de alguém que enxerga os bastidores de dentro, de uma profissional do ramo. Afinal, Célia Forte acumula 36 anos de experiência teatral com o escritório Morente Forte de assessoria e produção teatral, em parceria com sua sócia Selma Morente. As duas são figuras icônicas e de absoluto respeito no teatro paulistano.

Célia Forte e Selma Morente, da Morente Forte: 36 anos de dedicação absoluta ao teatro brasileiro - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
Célia Forte e Selma Morente, da Morente Forte, na estreia de Benditas Mulheres: 36 anos de dedicação absoluta ao teatro brasileiro – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

Repleta de metalinguagem e crítica, às vezes sutil e tantas outras explícitas mesmo, ao mundo das artes cênicas, com sua bem alimentada fogueira de vaidades, a montagem se ambienta nos bastidores da construção de uma peça de teatro. As personagens são duas atrizes vaidosas, Sara e Helena (as corretas Carol Rainatto e Maria Pinna), uma diretora sisuda, Vanda (uma eloquente Vera Mancini), e uma carismática camareira à espreita, Otila (Claudia Missura, roubando literalmente a cena), que estão no processo de leitura da peça e em busca de uma terceira atriz.

As atrizes Maria Pinna, Claudia Missura, Vera Mancini e Carol Rainatto na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

Neste embate constante entre quatro mulheres, Célia Forte, em conjunto com a direção do velho parceiro Elias Andreato — que opta por focar no texto e no jogo da atriz, além de apostar todas as fichas em Claudia Missura — constrói uma crítica ao comportamento que divide as classes sociais nos bastidores de uma obra teatral, desmistificando e humanizando a figura do artista. Afinal, artista também é gente, para o bem e para o mal.

Chama a atenção no texto a maneira ríspida e até mesmo deselegante que a camareira é tratada pelas colegas “artistas” e o modo resignado que esta releva as pequenas humilhações diárias. É como se as três personagens letradas se sentissem superiores à personagem servil, fazendo questão de explicitar a todo momento o que as diferencia, o que soa controverso, pois geralmente temos a ideia de que artistas “querem mudar o mundo”, ou pelo menos se vendem assim aos olhos do grande público.

Assim, a obra de Célia Forte expõe um comportamento estrutural típico das classes mais abastadas no Brasil, país de forte herança escravocrata — também é impossível deixar de notar a escolha por não se tocar no delicado e urgente tema racial, visto que todas as atrizes escolhidas são brancas, o que faz com que a obra se concentre apenas no conflito de classe, foco da dramaturga neste trabalho.

As atrizes Maria Pinna, Claudia Missura, Vera Mancini e Carol Rainatto na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

Contudo, enquanto as artistas se acham mais importantes e talentosas do que são, a camareira Otila, e nisso o excepcional talento de Claudia Missura contribui e muito para o sucesso do espetáculo, acaba por demonstrar aos poucos ser a mais capaz — e humana —dentro daquela sala de ensaio. E isso incomoda as outras mulheres. É preciso dizer que Otila, além de roubar a cena, também rouba o coração e as fartas gargalhadas do público.

O conflito central do espetáculo — o de classe —faz rir, mas, também, leva o público a certa dose de reflexão — por mais que grande parte deste público se identifique mais com as “artistas” do que com simplória camareira e sua vida sofrida, simples e impressionantente feliz na periferia. Enquanto que as dondocas estão mergulhadas em um mar de ressentimentos mal resolvidos do passado.

Um olhar romantizado de uma burguesia para a vida periférica se faz presente, mas, é preciso ter em mente que trata-se de uma comédia, e o espetáculo busca cumprir sua função de divertir e entreter o público. De todo modo, a dramaturga demonstra coragem em seu ato artístico de revelar comportamentos que se escondem nos bastidores com sua ironia fina. E isso a torna merecedora de nosso respeito e aplauso. Afinal, artista ou camareira, é tudo gente.

Benditas Mulheres, de Célia Forte, direção Elias Andreato
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Fotos Annelize Tozetto

Retire seu ingresso para Benditas Mulheres!

Blog do Arcanjo entra no camarim da estreia de Benditas Mulhers, de Célia Forte, no Teatro Renaissance

A camareira Cristiane Ferreira no camarim da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A camareira Cristiane Ferreira no camarim da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Claudia Missura na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Vera Mancini na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Vera Mancini na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Carol Rainatto na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Carol Rainatto na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Maria Pinna na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Maria Pinna na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
Camarim da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
Camarim da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
Equipe da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no camarim do Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
Equipe da peça Benditas Mulheres, de Célia Forte, no camarim do Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

Blog do Arcanjo mostra quem aplaudiu estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance

Selma Morente, Maria Luisa Mendonça e Célia Forte na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
Selma Morente, Maria Luisa Mendonça e Célia Forte na estreia de Benditas Mulheres no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Vivianne Pasmanter aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Vivianne Pasmanter aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Maria Luisa Mendonça aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Maria Luisa Mendonça aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O ator Wilson de Santos aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O ator Wilson de Santos aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O produtor teatral Leonardo Leal aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O produtor teatral Leonardo Leal aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Simone Zucato e o médico Victor Fioravanti aplaudiram a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Simone Zucato e o médico Victor Fioravanti aplaudiram a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O ator Adriano Toloza aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O ator Adriano Toloza aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O fotógrafo Seide Bruno aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O fotógrafo Seide Bruno aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O ator Rodrigo de Castro aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O ator Rodrigo de Castro aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Ynara Marson aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
A atriz Ynara Marson aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
A atriz Victoria Blat aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado aplaudiu a estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo
Público aplaude estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance - Foto: Annelize Tozetto - Blog do Arcanjo
Público aplaude estreia de Benditas Mulheres, de Célia Forte, no Teatro Renaissance – Foto: Annelize Tozetto – Blog do Arcanjo

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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