Ídolo da Argentina, Charly García chega aos 70 anos como artista que influenciou gerações na América Latina com canções icônicas
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Com Romina Grosso, da Telám
Charly Garcia, o maior nome do rock argentino e um dos grandes músicos da América Latina, completa 70 anos neste sábado, 23 de outubro. Ele dialogou artisticamente com vários brasileiros ao longo de sua trajetória artística, como com Milton Nascimento, com quem gravou seu hit Inconsciente Colectivo junto de Mercedes Sosa, Paula Toller, que fez feat em sua música Buscando un Símbolo de Paz, grande canção do rock argentino, Caetano Veloso e Paralamas do Sucesso, que gravou com Charly Rap de las Hormigas.
Genial, polêmico, lúcido e à frente de seu tempo, Charly García, o homem de ouvido absoluto que sempre soube se reinventar, marcou a história do rock argentino e se tornou um pilar da cultura nacional a partir de uma trabalho rico e influente em toda América Latina.
Charly Garcia é um artista inigualável, desses que atravessam o mundo todo com sua música, com suas loucuras que sempre foram abraçadas por todes. E sempre teve um carinho especial pelo Brasil, desde a época que morou em Buzios junto com a lendária banda argentina Serú Girán, até sua amizade eterna com Paralamas. A música dele nunca teve fronteiras, sempre foi universal.”
Hernan Halak
CEO da produtora Mundo Giras, argentino radicado em São Paulo
Em Buenos Aires, um enorme concerto reúniu grandes nomes da música que executam a obra de Charly Garcia no palco do Centro Cultural Kirchner (CCK) com transmissão ao vivo pela TV argentina direto do Auditório Nacional no qual ele foi a maior estrela no palco, ao fim do show, emocionando a todos com seus grandes hits.
Charly trouxe para o nível local a figura do “rockstar”, com alguns escândalos públicos incluídos, e sua sensibilidade musical o levou a criar um estilo único que lhe permitiu passar por diferentes estágios – do rock progressivo ao rock sinfônico, as influências da nova onda e do uso de máquinas, o folk e seus conhecimentos de música clássica se voltaram para a canção, sem perder sua identidade.
Seja diante de bandas populares como Sui Generis, La Maquina de Hacer Pájaros e Serú Girán, seja em seu brilhante palco solo, ele manteve essa postura com um trabalho capaz de conciliar qualidade e popularidade. Sua figura ainda sempre foi marcada pelo bigode bicolor, por conta do vitiligo, mas que tornou uma de suas marcas.
Começo musical no colégio
Nascido em 23 de outubro de 1951 em uma família de boa vida econômica no bairro de Caballito, em Buenos Aires, com o nome de Carlos Alberto García Moreno, iniciou seus estudos musicais aos quatro anos no Conservatório Thibaud Piazzini, onde recebeu um rigoroso educação artística que lhe permitiu aprender prematuramente a tocar obras de Bach, Mozart e Chopin, entre outros clássicos. Seu pai era um importante produtor musical, que trabalhou com nomes como Mercedes Sosa.
Sua vida mudaria, em suas próprias palavras, quando descobrisse a música dos Beatles, a banda que ele dizia “ter inventado a juventude”, e decidisse liberar sua ânsia reprimida de compor música. Com Nito Mestre, seu colega no Colégio Dámaso Centeno, formou o Sui Generis, onde exibiu, até sua separação em 1975, massivos recitais então inéditos no estádio Luna Park, uma obra que vive até hoje. A banda era produzida por Billy Bond, atualmente grande produtor de musicais em São Paulo.
Charly García fez rock progressivo nos anos 1970 e resistiu à ditadura argentina
A segunda metade dos anos 70 mostrou um García mais próximo do rock progressivo , onde magnificamente assumiu o uso do Mellotron através, em La Maquina de Make Pájaros e, posteriormente, em Serú Girán, formação em que também brilhou David Lebón, Oscar Moro e um jovem Pedro Aznar.
Esse período também se caracterizou pela capacidade de Charly de contar o obscurantismo a que a ditadura cívico-militar havia submetido a Argentina, especialmente por meio de canções como No Te Dejes Desanimar, de La Máquina, e Canción de Alicia en el País, de Serú, além da clássica Los Dinossaurios, na qual decretou de maneira poética o fim da ditadura e homenageou os desaparecidos políticos.
Anos 1980: Charly García vira rockstar
Em Peperina, 1981, o último álbum de estúdio de Serú Girán, García antecipou o que viria em sua fase solo. Trabalhos como Yendo de la Cama al Living e fundamentalmente Clics Modernos, marcaram a entrada do rock argentino para a modernidade, com influências da nova onda e do uso de máquinas.
Em 1984, Charly lançou Piano Bar , um álbum onde regressa a uma sonoridade mais rock, sobretudo a partir do recurso de regravar com uma banda estável (integrada, entre outros, por um jovem Fito Páez). Demoliendo Hoteles, Cerca de la Revolución e Raros Peinados Nuevos são alguns dos temas marcantes desta grande obra.
Depois de um frustrado projeto de álbum conjunto com Luis Alberto Spinetta, do qual mal sobreviveu o icônico Rezo por Vos e o lançamento de Tango, álbum com Pedro Aznar com forte presença eletrônica, em 1987 lançou Parte de la Religion, onde sintetiza o gosto pelas inovações tecnológicas e a energia de uma banda que toca ao vivo. O disco tem a participação dos brasileiros Paula Toller, em Buscando un Símbolo de Paz, que se converteu em hit de FM em toda a Argentina até os dias atuais, e Paralamas do Sucesso no Rap de las Hormigas.
Os discos Como Conseguir Chicas e Filosofia Barata y Zapatos de Goma deram lugar ao retorno malsucedido, mas lucrativo, de Serú Girán, até que em julho de 1994 gravou La Hija de la Lágrima, seu sétimo álbum de estúdio apresentado como ópera-rock que incluía peças instrumentais, canções memoráveis como Víctima, outras cativantes como La Sal no Sala e Chipi-chipi.
Grande amor de Charly Garcia no Brasil: Marisa Pederneiras, a Zoca, bailarina do Grupo Corpo com quem viveu por uma década
Charly García teve um grande amor brasileiro, a bailarina do Grupo Corpo de Belo Horizonte Marisa Pederneiras, a quem conheceu em 1977, durante turnê do espetáculo Maria Maria, com músicas de Milton Nascimento, em Buenos Aires. Ela era uma jovem dançarina de 17 anos, apelidada de Zoca. Charly a conheceu em um bar no centro portenho, após a sessão. Ele estava na fase final de The Bird Making Machine e acabava de se separar de María Rosa Yorio, mãe de seu filho Miguel García. Ela trocou Charly pelo seu melhor amigo, Nito Mestre.
O novo amor fez o músico argentino se mudar para a casa dos Pederneiras, em Belo Horizonte, onde foi recebido pela família de sua namorada brasileira com muito carinho. “Comecei a ouvir Milton Nascimento e sua música me virou a cabeça. Então, com o Zoca, passamos a ir à casa de David Lebón e tentamos convencê-lo por todos os meios a vir conosco para o Brasil ”, disse Charly ao jornalista Daniel Chiróm em seu livro de 1983 Charly García, A Seco.
Em meados de 1978, os Lebón e os García alugaram uma casa em Búzios, no litoral do Rio de Janeiro. Os Lebóns ocupavam o andar térreo, enquanto Charly e Zoca tinham um quarto no primeiro andar. Os dias se passaram entre música, cerveja e ácidos. Algumas tardes, Charly usava a janela como trampolim e pulava na piscina, feito que repetiria alguns anos depois em Mendoza.
“Búzios foi uma época muito divertida. Fiquei em Belo Horizonte, mas viajava constantemente para Búzios. Estava cheio de malucos fumando machonha o tempo todo ”, confessou Zoca ao jornalista Sergio Marchi, autor de Não Diga Nada, Uma Vida de Charly García.
Essa foi a manjedoura de Serú Girán. Depois de alguns meses, Pedro Aznar e Oscar Moro se juntaram a Charly García e David Lebon. E juntos foram para o estúdio Eldorado, em São Paulo, fazerem gravações históricas com Billy Bond como produtor do primeiro álbum de Serú Giran.
Para Zoca, Charly compôs Zocacola, música do disco Como Conseguir Chicas. O fim da relação amorosa deu origem ao disco Filosofia Barata y Zapatos de Goma, de 1990, o sexto álbum de estúdio que traz um Charly mais introspectivo e pesado após perder seu grande amor brasileiro.
Polêmicas e concertos inesquecíveis
No meio de uma produção caótica e díspar, que incluía Estaba en Llamas Cuando me Acosté e um Unplugged (Acústico) para a rede MTV, Say no More, El Aguante e dois álbuns ao vivo: Demasiado Ego e Charly & Charly (que gravou um recital privado para o então presidente Carlos Menem).
Charly ainda dividiu com sua querida amiga Mercedes Sosa o excecional disco Alta Fidelidad (1997), com suas músicas arranjadas para o estilo canção de Mercedes. Com suas músicas apresentadas de modo mais sofisticado, o disco o consagrou ainda mais Charly García como grande compositor.
Depois de um recital compartilhado gratuito, o novo século o encontrou se jogando do nono andar de um hotel em Mendoza em uma piscina após uma noite febril, substituindo a dupla por Nito Mestre (de Sinfonia para Adolescentes) e publicando discos como Influência e Rock and Roll Yo.
O lento retorno à atividade incluiu o lançamento de Kill Gil, a apresentação de Lineas Paralelas (Artifice Imposible) no Teatro Colón e um novo álbum, Random, lançado em fevereiro de 2017, além de recitais esporádicos intitulados La Torre Tesla nos teatros Coliseo e Gran Rex e no estádio Luna Park, todos em Buenos Aires, que esgotaram rapidamente e que funcionaram como cartões-postais de uma grande vida artística que se festeja e se recria e à qual vai agregar – pelo menos – mais um álbum que está praticamente finalizado.
Artistas celebram 70 anos de Charly García
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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