Crítica | Paranoia no Teatro Oficina conecta SP de ontem e hoje no reencontro com o público

Oficina reabre as portas com Paranoia, poesia de Roberto Piva sob encenação de Marcelo Drummond
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Fotos BRUNO POLETTI
@brunopoletti
Ir ao Teatro Oficina é sempre um rito. Sobretudo quando isso acontece após o mais belo teatro do mundo, segundo decretou jornal inglês The Guardian e qualquer um com sensibilidade percebe logo de cara, ficar quase dois anos fechado por conta da pandemia.
Este aguardado reencontro com o público acontece com um monólogo, sem os excessos carnais típicos da companhia liderada há 63 anos pelo diretor José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso.
E é aquele que figura entre os mais emblemáticos atores da companhia, Marcelo Drummond, quem assume o posto de mestre-sala da retomada presencial com Paranoia.
O espetáculo foi concebido pelo próprio artista a partir da poesia de Roberto Piva, que foi amigo de Zé Celso e cujas poesias já integraram outras peças do grupo, como Mistérios Gozosos.
Retire seu ingresso para Paranoia no Teatro Oficina

Paranoia cria uma ponte no tempo entre a São Paulo do século passado, já urbana mas ainda bucólica, com a aceleradíssima Pauliceia millenium pós-pandêmica e já submersa no mar tecnológico.
A poesia que se faz no encontro do Oficina com as palavras de Piva, na boca de Drummond, é pura sofisticação. Paranoia prova que o teatro e a poesia devem caminhar juntos.
Obviamente, não se trata de uma obra fácil, pois exige concentração do espectador nas palavras ditas. Não há a distrativa voluptuosidade dos corpos (quase) sempre presentes nas peças do Oficina, mas sobra conceito e no encontro das palavras com as imagens que surgem nas telas.
Aliás, o Oficina foi pioneiro nesta conexão digital com o público e em transmitir suas peças ao vivo para todo o mundo pelas ondas do YouTube, bem antes que isso se tornasse a única forma de sobrevivência do teatro em quarentena.
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E o Oficina conta o trunfo de ter em sua equipe criativa um cineasta de talento incomensurável: Igor Marotti, o Glauber Rocha do Oficina. Dono de sensibilidade ímpar e domínio completo da câmera, ele recria a peça como um sofisticado filme em tempo real com seu olhar aguçado e curioso para a cena e seus detalhes, estabelecendo interessante jogo de intimidade com o ator.

E este jogo tem dado certo. Paranoia estreou de forma tímida e com poucas sessões, mas logo a notícia da retomada do Teatro Oficina se espalhou, e o público compareceu em peso, lotando as sessões outra vez, o que fez com que o grupo decidisse prorrogar a temporada. Aliás, um fato incontestável: o Oficina tem o público mais interessante e inteligente da cidade.

O fato é que o povo estava morrendo de saudade de estar no terreiro teatral criado pelos arquitetos Lina Bo Bardi e Edson Elito e incrustado na rua Jaceguai, 520, ao lado do terreno de Silvio Santos onde o grupo sonha criar o Parque do Bixiga — Silvio Santos, familiares e Prefeitura de São Paulo, por favor, abram o coração para que isso se torne realidade, como o já inaugurado e elogiado Parque Augusta Prefeito Bruno Covas.
Afinal, o centro de São Paulo precisa de árvores para respirar em meio a tantos prédios que não se cansam de subir com “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como canta Caetano. É preciso que a cidade escute “tuas Oficinas de florestas, teus deuses da chuva”.

É importante lembrar que a companhia teatral mais longeva do Brasil e dirigida pelo mais importante encenador vivo na América Latina está sem qualquer tipo de patrocínio, o que já diz e muito desta tristeza contemporânea chamada Brasil. O Oficina só sobreviveu nos últimos meses graças aos seus OAVNs (Objetos Audiovisuais Não Identificados), que contaram com a acolhida generosa de seu público fiel.

Mas, voltando ao espetáculo Paranoia, o jogo de cena entre Marcelo Drummond, público e o cinema ao vivo de Igor Marotti se casa com a propositiva videoarte de Ciça Lucchesi, criando uma atmosfera para que a poesia de Piva navegue tranquila, embalada pela sonoridade do virtuoso piano de Chicão ao vivo e da trilha de Zé Pi, sob comando da atenta Camila Fonseca no som.
A luz, como sempre no Oficina, é soberana, deixando onírico tudo que se olhe nas nuances de Luana Della Crist e Pedro Felizes, com assistência de Angelica Taize.

Logo de cara, o público vê o nome da peça ser habilmente desenhado em uma grande faixa na passarela do Oficina, em uma bela intervenção caligráfica de Sonia Ushiyama, que faz os espectadores acompanharem, circunspectos, cada letra de Paranoia surgir. Antes, o prólogo do espetáculo, com suas devidas recomendações, é um show à parte com a drag Kaëka Tchëka, do sempre ótimo ator Kael Studart.

Paranoia ainda tem nos bastidores a arquitetura cência de Marília Gallmeister, mídia tática e macumbas gráphykas de Camila Mota e Cafira Zoé, além de produção de Tati Rommel, preparação vocal de Beth Amin, administração de Anderson Puchetti e assistência à produção de Danielle Rosa e Rafael Lopes, todos integrantes de um dos times mais aguerridos do teatro nacional, o Teatro Oficina Uzyna Uzona.
Ao conectar aos dias de hoje o olhar do do poeta Roberto Piva para aquela São Paulo da década de 1960, Paranoia acaba por fazer com que o público desenvolva um olhar mais interessado para a cidade, reconhecendo nomes de ruas e praças na boca de Marcelo Drummond, o que estimula cada espectador a enxergar a vida à sua volta e tirar, nem que seja por algum átimo de tempo, o olhar viciado das telas brilhantes. Porque a vida se faz no ao vivo do aqui e agora.
PARANOIA, de Roberto Piva, com texto e direção de Marcelo Drummond
Avaliação: Bom ✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Fotos Bruno Poletti
Quinta, sexta e sábado, 20h, no Teatro Oficina (Rua Jaceguai, 520, Bixiga, São Paulo). R$ 25 a R$ 100 na Sympla.
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Godot e Fédro
Além de Paranoia ao vivo, o Oficina ainda está em cartaz no digital com Esperando Godot, projeto da diretora Monique Gardenberg com Zé Celso e que conta no elenco com Marcelo Drummond contracenando com Guilherme Calzavara, Pascoal da Conceição, Danilo Grangheia e Raphael Moreira. A peça foi filmada no próprio Teatro Oficina. Zé Celso ainda está no filme Fédro, dirigido por Marcelo Sebá e codireção de Camila Mota, no qual contracena com Reynaldo Gianecchini, que foi ator do Teatro Oficina na virada dos anos 1990 para o começo dos anos 2000, quando logo foi alçado ao posto de galã de novelas.
Blog do Arcanjo mostra bastidores de Paranoia no Teatro Oficina













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Editado por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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