Crítica | Naked Boys Singing desmistifica nudez masculina com elenco talentoso e direção segura
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O teatro é a arte do aqui e agora, já nos ensinou Zé Celso e seu Teatro Oficina ao revolucionar as artes cênicas nacionais na década de 1960 após encantamento pelo The Living Theatre. De tal modo, um espetáculo torna-se vivo e pungente no encontro com seu contexto histórico e social. No caso do musical Naked Boys Singing, isso é ainda mais fundamental e evidente.
Afinal, a obra fez sucesso na cena off-Broadway em 1998, sob autoria de Robert Schrock, e após ser montada em mais de 20 países, sempre tendo como chamariz de público seus atores nus, chega ao Brasil em tempos pandêmicos e com a extrema direita no poder da Nação com sua pudicícia hipócrita.
Rafael Oliveira assina a versão nacional do texto, que ganha direção de um seguro — e também debochado — Rodrigo Alfer, o mesmo do excelente musical infanto-juvenil O Príncipe Desencantado, de 2017.
A montagem liberta o corpo masculino em cena, colocando todo o seu elenco desnudo no palco em esquetes divertidas que exigem muito de seus atores.
Tanto os rapazes em cena quanto o diretor demonstram farto talento nesta despretensiosa e ao mesmo tempo tão necessária montagem. O musical cativa na sua simplicidade o coração do público, e isso vai muito além das genitálias em constante exposição.
Dizem que quando se vai a uma praia de nudismo, com o tempo, o corpo torna-se algo comum e até mesmo imperceptível, já que a exposição naturaliza justamente o natural.
Aliás, o que não é natural é vestirmos roupas, coisa que nenhuma outra espécie do reino animal utiliza. O vestir é uma construção social (assim como a homofobia).
E essa liberdade para o lidar com corpos nus, sobretudo o masculino, ainda imerso em tanto tabu, é o grande chamariz e mérito deste espetáculo.
É preciso também ressaltar a entrega desmedida do elenco, que segura variados personagens com desenvoltura e faz o público esquecer de sua nudez, tamanho talento cênico — as coreografias de Alex Martins são importante aliadas para deixar o palco sempre em ebulição.
Na temporada paulistana, vista por este crítico, o talentoso e coeso time foi formado por André Lau, Aquiles, João Hespanholeto, Luan Carvalho, Lucas Cordeiro, Raphael Mota, Ruan Rairo, Silvano Vieira, Victor Barreto e Tiago Prates, além do pianista Gabriel Fabbri.
Já na temporada carioca, o time em cena passou a ser: André Lau, Aquiles, João Hespanholeto, Lucas Cordeiro, Ruan Rairo, Silvano Vieira, Victor Barreto, Naice, Tiago Prates, Rodrigo Serphan e o virtuoso Gabriel Fabbri mais uma vez ao piano. Todos altamente sintonizados e presentes.
Juntos, estes artistas formam uma coisa rara no teatro brasileiro contemporâneo: um elenco unido de verdade, cuja cumplicidade ressalta no palco e evidencia que todos estão ali de corpo e alma no objetivo de entreter o público e — por que não? — fazê-lo também pensar.
Este crítico aponta, pelo menos na sessão que assistiu, que seria interessante ver a iluminação de Gabriela Araújo apostar em mais nuances e cores, o que seria proveitoso para criar novas atmosferas e visões daqueles mesmos corpos — o jogo de mostrar e esconder poderia ganhar mais peso ainda com uma luz mais atuante.
Daniele Desierrê apresenta leves figurinos que contribuem na compor as cenas, enquanto que Ettore Veríssimo se destaca com uma direção musical que aposta no jogo de vozes e procura segurar a afinação de um elenco tão jovem e vivaz.
É preciso lembrar mais uma vez que o Brasil ainda é um país careta e repleto de conservadorismo. Atraso que emergiu nos últimos tempos das profundezas da ignorância para os palácios de Brasília. Logo, o musical Naked Boys Singing, dirigido por Rodrigo Alfer e produzido por Alexandre de Marco com a Bacana Produção Artísticas & Mosaico Produções, de Cícero de Andrade, é um ato de coragem.
E essa bravura é tanto dos produtores, quanto da direção, equipe e elenco, que se entrega despudoradamente às cenas e à interessante proposta de leveza que esta peça nos traz, mesmo ao tratar de temas profundos, compreendidos apenas por quem tem olhar sensível e seguro para atravessar a primeira camada de nudez. Fazer o público lidar com isso no Brasil de hoje é feito digno de aplausos.
Naked Boys Singing
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Quando: Sexta e sábado, 20h, domingo, 19h.100 minutos.
Onde: Teatro Claro Rio – Rua Siqueira Campos, 143, Copacabana, Rio de Janeiro. Metrô Siqueira Campos.
Quanto: R$ 30 a R$ 120
Retire seu ingresso!
Siga @miguel.arcanjo
Ouça Arcanjo Pod
Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
© Blog do Arcanjo – Cultura e Entretenimento por Miguel Arcanjo Prado | Todos os direitos reservados.