Crítica | Marina Sena desce do salto e se une ao povo com o sucesso De Primeira em São Paulo no Sesc Pompeia

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Qualquer pessoa que se deparou com Marina Sena antes da fama sempre teve aquele presságio de que ela estava fadada a fazer sucesso e viver todas as dores e delícias do estrelato. E assim foi, em um ritmo vertiginoso, desde que deixou a pequenina Taiobeiras, no norte de Minas, rumo a Montes Claros, e depois a Belo Horizonte e, por fim, a São Paulo, onde fez o primeiro show da turnê de seu disco de estreia solo, De Primeira, no teatro do Sesc Pompeia, na noite deste sábado, 12 de março, com repeteco neste domingo, 13. Ambas apresentações com ingressos esgotados.

Depois, a artista revelação do ano (vencedora do APCA e Prêmio Multishow e indicada ao Prêmio Arcanjo de Cultura) volta aos palcos da maior metrópole do país no Cine Joia, em 21 e 22 de abril, também com todos os ingressos vendidos.

Isso mostra que a nova estrela da música brasileira já tem seleto grupo de fieis fãs na principal capital cultural do Brasil. “Estou muito feliz de estar aqui”, falou, de cara.

Da nova geração da música brasileira surgida na efervescente e talentosa cena de Minas Gerais, foi Marina Sena quem chegou mais longe até o momento. E isso vai muito além de cantar no Faustão e no Caldeirão de Mion.

Tanto que, em abril, faz sua primeira turnê europeia, com apresentações em oito capitais do Velho Continente, entre elas Berlim, Londres, Dublin, Lisboa e Madri. O que mostra que seu empresário, Jorginho Velloso, anda fazendo um excelente trabalho.

Obviamente, neste processo de conquista de massas, Marina Sena precisou se repaginar, sem perder de todo sua essência. De menina, virou mulher, utilizando com perspicácia signos visuais que evidenciam isso.

Quem a conhece com mais profundidade e de outros tempos, percebe isso de cara. Seja pelo saltão, o corpo em evidência, as unhas em formato garra de femme fatale, e o cabelão de diva, com os quais pisou no palco do Pompeia para abrir o show com Seu Olhar.

Marina Sena no show da turnê De Primeira no Rio de Janeiro: pouca roupa e muito carão se unem a muita afinação – Foto: Divulgação @amarinasena – Blog do Arcanjo

E, realmente, todos os olhares estão fitados em Marina Sena, ávidos por conhecer de perto a cantora surgida nas plataformas digitais em tempos de distanciamento social imposto pela pandemia. O sucesso de Marina bem antes do encontro de seu disco com o público cara a cara é a prova dos novos tempos algoritmados.

E nisso tem papel primordial em sua escalada rumo ao estrelato a produção musical de Iuri Rio Branco, que empacotou as composições da cantora para fácil consumo do público atual e de quem a artista tornou-se namorada no processo de feitura do álbum. O disco é uma parceria da Alá e Quadrilha com distribuição da Altafonte.

Na turnê, Iuri Rio Branco mostra que é excelente músico de carne e osso e não só de barulhos computadorizados ao assumir uma sincopada bateria e inventiva direção musical do show, que ainda conta com o suingue do baixo poderoso de Levy Santiago e a segurança da guitarra e programação de Gianlucca Pernechele, o Janluska.

Aliás, Iuri Rio Branco é um dos melhores produtores da música brasileira contemporânea. O moço entende como ninguém de beats feitos para viciar o cérebro do público e, para sua amada Marina Sena, criou arranjos que permanecem como um repetitivo mantra dentro da cabeça de quem os escuta. Na hora de apresentar a banda, Marina deu a Cesar o que é de Cesar. “Esse aí merece mesmo muitos aplausos”, falou, com olhar apaixonado e agradecido.

A única faixa que não teve acompanhamento da banda virtuosa foi quando Marina acatou o pedido de um fã e cantou, sob base pré-gravada, Deu Match, cujo arranjo parece saído dos teclados Casio dos anos 1990 e realmente não precisa de músicos de carne e osso. Neste momento TikToker do show, Marina ficou apenas com as bailarinas, as envolventes e repletas de punch Fernanda Fiuza e Raiana Moraes, donas de segurança que ressalta aos olhos e fazem o show crescer quando estão em cena, nas quentes coreografias assinadas por Fiuza.

Um momento de delicadeza do show foi quando Marina cantou Quente e Colorido, explicando que fez a canção a pedido da cantora baiana Illy, que a convidou para cantar junto a faixa. “Fiquei muito feliz. Illy é uma coisa! Ela é mulher do Jorginho, meu empresário”, disse, revelando aos fãs a cumplicidade da produção feita ‘em família’.

A cantora Marina Sena – Foto: Eliza Guerra Estúdio Bingo Divulgação @amarinasena – Blog do Arcanjo

Brilho próprio evidente

À medida que foi ficando mais desenvolta em cena no consagrador palco do Sesc Pompeia — onde já cantaram Cazuza, Titãs, Legião Urbana, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gal Costa para ficar em apenas seis nomes —, Marina Sena parecia fazer ponte em alguns momentos com pelo menos duas outras versões de si mesma velhas conhecidas do Blog do Arcanjo.

Marina Sena em show de A Outra Banda da Lua coberto pelo Blog do Arcanjo na 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes em janeiro de 2019: pura psicodelia – Foto: Jackson Romanelli Universo Produção – Blog do Arcanjo

Primeiro, é preciso lembrar a Marina Sena dos tempos de A Outra Banda da Lua. É um dos melhores grupos de Minas Gerais, surgido em 2015, em Montes Claros, e do qual foi ela vocalista e dividiu cena com os músicos Edson Lima, Mateus Sizílio, Matheus Bragança e Victor Manga.

Neste grupo, Marina tinha a pegada da grande cantora visceral de música brasileira, lembrando em alguns momentos Elis e Gal nas décadas de 1970.

Isso acrescido de um quê psicodélico de Os Mutantes e Clube da Esquina com hits potentes que conquistaram o exigente público universitário, como Cavalaria e Serra do Mel — aliás, seria interessante ver Marina cantar Cavalaria no bis do show De Primeira: fica a dica.

Também seria lindo vê-la fazendo o show De Primeira em Montes Claros, Belo Horizonte e em sua Taiobeiras natal, para reencontrar-se com a própria história, o que ajuda a manter qualquer artistas que alça voo alto com os pés no chão.

Marina Sena com A Outra Banda da Lua em 2019 na 22ª Mostra de Cinema de Tiradentes: rock mineiro potente – Foto: Jackson Romanelli Universo Produção – Blog do Arcanjo

Em janeiro de 2019, o repórter especial Marcelo Gonçalves, que cobria a Mostra de Cinema de Tiradentes para o Blog do Arcanjo, escreveu o seguinte ao ver o show de A Outra Banda da Lua.

A presença de palco da vocalista Marina Sena empolgou o público de Tiradentes, que também se impressionou com as belas harmonias, com músicos multi-instrumentistas, o suingue dançante e, sobretudo, as letras bem trabalhadas do grupo: ‘se entro na capoeira é pra ganhar, e pra jogar que tem que saber perder, toco a cavalaria se eu notar, que é pro meu coração não se meter’, diz o refrão de Cavalaria […] A Outra Banda da Lua é um grupo jovem, com muito potencial e que, definitivamente, merece ser observado com carinho”.

Marcelo Gonçalves, no Blog do Arcanjo em 24/01/2019 sobre o show de A Outra Banda da Lua na Mostra de Cinema de Tiradentes
Marina Sena no primeiro e único show da banda Rosa Neon em São Paulo: seu carisma sobrou por todos os lados – Foto: Igor Marotti Dumont Divulgação – Blog do Arcanjo

Já a Marina Sena do Rosa Neon, o quarteto pop de Belo Horizonte no qual seu carisma sobrou para todos os lados, aflorou de forma mais contemporânea, jovem e divertida, incorporando sua irreverência despretensiosa e desconstruída ao palco, tornando-se o centro das atenções — ela homenageia acertadamente a antiga banda com o hit de verão Ombrim, que encerra o repertório show De Primeira.

Aliás, este crítico viu Marina Sena fazer shows com as duas bandas na mesma noite histórica de 6 de dezembro de 2019, quando ficou evidente que ela era maior que ambas e merecida uma destino solo. Na época, este crítico definiu o grupo como “a melhor banda pop mineira desde o Pato Fu”, ao ver o primeiro e último show do Rosa Neon em São Paulo, já que a banda com Marina Sena, Luiz Gabriel Lopes, Baka, Mariana Cavanellas e Marcelo Toffani logo depois foi desfeita por descompasso entre os integrantes.

Única mulher no palco, Marina Sena roubou para si todos os olhares e desejos, com uma performance que pareceu um fogaréu sem fim. A moça é uma espécie de mistura de Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa e o que mais couber em seu liquidificador psicodélico, aliando uma brejeirice do norte mineiro a uma segurança no palco pouco comum às insossas novas gerações. Mas, ainda bem que comedimento não faz parte do repertório de Marina, que se deleita ao se oferecer de corpo e alma a seu público. Para completar, Marina ainda toca atabaque divinamente.”

Miguel Arcanjo Prado, no Blog do Arcanjo, em 7/12/2019 sobre o primeiro show da banda Rosa Neon em São Paulo
A cantora Marina Sena – Foto: Eliza Guerra Estúdio Bingo Divulgação @amarinasena – Blog do Arcanjo

Marina Sena pop

Todas essas Marinas do passado recente da artista estão juntas nesta nova, na qual ela faz caras e bocas no show De Primeira, onde é a soberana e centro de tudo, mesmo que não mais toque atabaques.

No inusual palco do Sesc Pompeia, com direito a frente e verso, já que há público dos dois lados, o que desafia o artista, Marina foi se adaptando ao longo do show, comunicando ora lá, ora cá, em um crescente de carisma.

É evidente uma tentativa de sua produção em criar uma imagem de diva pop: a entrada do balé no show é a prova disso. E Marina parece gostar da nova fase, ainda que compreendendo aos poucos seu novo lugar.

Marina começou o show no Pompeia ainda fria e tímida, executando os passos de dança sem o mesmo domínio corporal de suas bailarinas. Parecia mais preocupada em manter sua voz límpida e incapaz de errar uma nota sequer. O que conseguiu.

Fato é que Marina Sena, mais do que uma bailarina, é uma grande cantora.

Contudo, ainda falta ela se soltar mais e brincar com a nova persona, coisa que sabia fazer muito bem nas duas bandas que fez parte. É questão de tempo e chão de palco para compreensão corporal deste novo lugar. Certamente, após a Europa, voltará a São Paulo no Cine Joia bem mais distensa.

Descida do salto, nos braços do povo

Pouco falante e mais cantante, Marina Sena foi se soltando ao longo da apresentação no Sesc Pompeia à medida que o público paulistano também foi lhe acolhendo e ela conseguiu escutá-lo entoar junto uma por uma de suas canções.

Mais solta e segura no decorrer do concerto, ela contou que sua música preferida é Temporal, “queria que fizesse o mesmo sucesso que Por Supuesto”, seu hit-chiclete das redes sociais. “É reggae? Eu já gosto”, disse, ao emendar uma interpretação dramática e altamente potente de Temporal, que evidenciou a grande cantora e intérprete que é, para na sequência fazer a alegria dos fãs com a grudenta Por Supesto — também escolhida, sem surpresas, para ser a única do comedido bis.

Mais confiante, Marina Sena cresceu quando literalmente desceu do salto — plataforma — e, com os pés no chão, voltou a ser uma Marina Sena mais real e menos instagramável, tornando-se aquela garota que era desconstruída por tabela.

Com a artista mais segura e menos posada, o show subiu em ritmo vertiginoso, tendo como ponto alto sua descida do palco para encontrar o povo de perto e ouvi-lo cantar sua música dentro de seu ouvindo, fitando cara a cara os fãs e sentindo de pertinho a força do sucesso De Primeira.

Afinal, quem cruzou o caminho de Marina Sena lá atrás sempre percebeu que a fama era uma profecia que se cumpriria a qualquer momento na vida da artista de sotaque gostoso de menina de Taiobeiras, agora com um quê de mulher feita.

Marina Sena – De Primeira Tour

Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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