Cristiano Mascaro, o fotógrafo do silêncio | Por Guta Nascimento
Festival de Fotografia de Tiradentes traz recorte da inesquecível exposição O Que os Olhos Alcançam, de 2019, de Cristiano Mascaro
Por GUTA NASCIMENTO
@gutanascimento
Enviada especial a Tiradentes (MG)*
— Cristiano, quando a cor entra no seu trabalho?
— Quando eu sou obrigado
Essa foi apenas uma das muitas perguntas feitas por uma ávida plateia ao mestre da fotografia brasileira, Cristiano Mascaro, na abertura do 11º Festival de Fotografia de Tiradentes, que acontece de 16 a 20 de março na cidade histórica mineira.
Uma noite, por inúmeros motivos, inesquecível.
Primeiro pela alegria de termos o Festival de volta presencialmente, inundando a cidade de Tiradentes de exposições, fotos ao ar livre nos becos, projeções no casario histórico e muitos profissionais e amantes da fotografia caminhando de volta pelas ruas de pedras, com suas inseparáveis câmeras a tiracolo.
Inesquecível também o privilégio de ouvir Cristiano Mascaro e Rubens Fernandes Júnior, dois ícones da fotografia brasileira, num delicioso bate-papo.
Rubens é um curador experiente e sensível. Mascaro dispensa apresentações. Pode ser sempre traduzido de infinitas maneiras e reúno aqui algumas delas descritas em exposições, como fotógrafo de cidades, memorialista urbano, talentoso harmonizador de luzes e sombras, autor de registros preciosos de geometrias do espaço. Um fotógrafo inquieto, que exala precisão e complexidade. Dono de um trabalho “sistemático e solitário, que envolve técnica, conhecimento e sensibilidade”, como diz a apresentação do recorte de uma exposição sua trazida este ano ao Festival.
“O que os olhos alcançam” é o fragmento de uma frase de Marcel Proust e não poderia haver expressão melhor para ser o nome da exposição que, de março a junho de 2019, em um hoje longínquo mundo pré-pandêmico, emocionou milhares de pessoas que a contemplaram no Sesc Pinheiros, de São Paulo. A mesma emoção que toma conta de quem hoje pode visitar um pequeno recorte dela no belíssimo casarão do Iphan, no centro histórico de Tiradentes.
“As imagens de Cristiano nos obrigam a se colocar no lugar do fotógrafo”, pontuou com precisão Rubens no encontro com o mestre. E foi um presente ouvir histórias, muitas divertidíssimas, do processo de criação de Mascaro para algumas de suas fotos que hoje são icônicas na nossa fotografia, como as Escadas Rolantes.
Com muito bom-humor, Cristiano contou como, em 1986, se debruçou sobre sua pesadíssima câmera Hasselblad, explorando uma então decadente galeria da Avenida São João, no Centro de São Paulo, hoje conhecida como a Galeria do Rock, para chegar à perfeição de enquadramento que mostra as escadas paradas, sem absolutamente ninguém.
Fotos em Portugal, no minhocão de São Paulo, nos prédios do poder em Brasília. Uma delícia ouvir os bastidores de tantas fotos impactantes da longa carreira de Mascaro. Os flagrantes, as surpresas, os pedidos para adentrar as casas, as vidas e o dia-a-dia de seus retratados.
“O que mais me interessa é a vida comum”, afirma o fotógrafo. Se o cenário é imponente demais, muito maior que ele, não o interessa. Em seu texto para a exposição, Rubens, que fez a curadoria, reitera que as imagens reunidas ali resultam da “busca incansável em dar visibilidade aos pequenos atos ordinários de luz e do movimento das pessoas nos espaços públicos”. Um delicado sentimento de aquiescência nos transpassa quando vemos projetadas num telão do palco do teatro do Centro Cultural Yves Alves as lindas fotos de Mascaro. Quando perguntado sobre sua relação com as novas tecnologias digitais, o mestre é assertivamente doce. “Fotografia é construída com o olhar”. E reflete que passou a entender a fotografia sob a ótica de toda sua complexidade quando se deparou com o brilhante conceito de Antonio Candido, “O mundo desfeito e refeito”. Simples assim.
Foi verdadeiramente um evento magistral que honrou toda a grandeza da arte de fotografar. Fui embora, tarde da noite, andando pelas ruas “cor de âmbar”, como salientou Mascaro, que tem um livro belíssimo sobre a cidade de Tiradentes, com a cabeça na pergunta de um fotógrafo na plateia ao mestre. “De onde vem o silêncio que atravessa suas imagens?”
Cristiano Mascaro é, sobretudo, um dos mais belos fotógrafos do silêncio.
GUTA NASCIMENTO
jornalista
A questão abarca tudo aquilo que eu senti ao ver as fotos de Cristiano. Eu poderia escrever linhas e linhas sobre como eu amo a foto das ‘Escadas Rolantes’, da ‘Taioba do meu quintal’ de Carapicuíba, a do ‘Bule’ de Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, ou a do jovem na Place du Trocadero, em Paris, que ilustra o começo deste texto. Mas a pergunta resume o que nos emociona mas não conseguimos compreender ou explicar. É o sentimento que nos inunda quando paramos para admirar suas obras. Cristiano Mascaro é sobretudo um dos mais belos fotógrafos do silêncio.
Viva o mestre!
Saiba mais sobre o 11º Festival de Fotografia de Tiradentes e a exposição de Cristiano Mascaro
Conheça a exposição original de 2019 de Cristiano Mascaro: O que os olhos alcançam
Guta Nascimento é jornalista e adora trazer notícias do Novo Mundo. Foi diretora da Revista CLAUDIA, diretora de conteúdo da Escola de Você e do portal feminino Tempo de Mulher. Em televisão, trabalhou nos telejornais Jornal Nacional, Jornal da Globo e Jornal Hoje, da TV Globo. Baseada em Nova York, participou de grandes coberturas internacionais como a Guerra de Kosovo e o regime talibã no Afeganistão. No SBT, fez parte da equipe que, em 2005, reestruturou o departamento de jornalismo, criando o telejornal SBT Brasil. Na Record TV, cobriu grandes eventos internacionais, como as Olimpíadas de Vancouver e de Londres. Em 2014, cobriu o surto de Ebola, na Guiné Conacri, para a Band. A trabalho, conheceu o Butão e foi duas vezes ao Pólo Norte, onde se encantou com o sol da meia-noite. A passeio, subiu a pé até o acampamento-base do Everest e o topo do Kilimanjaro. Mergulhou com tubarões-baleia na Tailândia e sonha um dia tirar uma selfie no final da Muralha da China. Atualmente é nômade digital e quando a saudade de ver estrelas aperta, se refugia na @refazendarioxopoto ou na histórica Tiradentes (MG).
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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