Boy traz michê da Era Collor que recorda epidemia HIV/Aids no Brasil em peça intimista
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Apenas 30 pessoas assistem ao ator Gil Hernández a cada sessão da peça Boy, texto de Rogério Corrêa sob direção de Isaac Bernat. A obra intimista estreia e com 50 minutos de duração chega aos palcos paulistanos dia 20 de junho, na Casa Fluída, espaço LGBTQIA+ paulistano, onde faz curtíssima temporada até dia 28, sempre às segundas e terças, 19h30.
A montagem tem como referência temporal o começo dos anos 1990, quando a epidemia do HIV/Aids aterrorizava a população LGBTQIA+. O solo deriva da peça De Bar em Bar, do mesmo autor, dando enfoque a um dos personagens criados, o michê Fernando, que vê seu mundo desabar durante a epidemia.
“Ele perdeu muitos amigos e viu a Aids surgir logo depois da enorme liberação sexual, política e cultural que aconteceu depois do fim da ditadura militar”, adianta o autor.
A trama mostra o michê evocando as memórias da sua juventude na Era Collor.
“O que mais me atrai nesse personagem é que ele tem uma mensagem positiva de que a Aids não destruiu a comunidade, mesmo diante de toda a tragédia e todas as perdas representadas por aquele período. Foi preciso começar a se falar de gays, de sexo anal, de camisinha e de sexualidade”, pontua o dramaturgo.
O escritor faz uma ponte entre a epidemia de ontem e a pandemia de hoje.
“Temos novamente um novo político de direita no poder, com uma história de fisiologismo, de corrupção, alguém menor que se apresenta como um defensor da maioria. Também temos uma doença que matou quase 700 mil pessoas graças ao descaso deste governo genocida. Claro que as doenças são diferentes, mas quero passar uma mensagem positiva para a comunidade LGBTQIA+, que está novamente sob ataque, de que podemos nos fortalecer neste período e ser felizes, alegres e bem-sucedidos na vida, assim como o protagonista, apesar de todo esse risco de sofrermos retrocessos em nossas conquistas”, declara.
Ao assumir a direção, Isaac Bernat volta à própria história, já que integrou a primeira peça no Brasil sobre a Aids, o espetáculo Por Que Eu? (1987), dirigido por Roberto Vignati.
“Quando fiz a peça nos anos 80, aprendi muito sobre a Aids, porque tínhamos aulas e conversas com muitos cientistas e pesquisadores. Na época, sabia-se muito pouco sobre a doença e ainda se falava que a comunidade LGBTQIA+ era um grupo de risco, o que gerava muitos estigmas. Então, aprendemos que deveríamos falar, na verdade, sobre comportamento de risco e passamos a entender que qualquer pessoa, independentemente da orientação sexual, pode entrar em contato com o vírus”, afirma o diretor.
O maestro do espetáculo conta detalhes da encenação criada: “Gil, que faz seu primeiro monólogo e já está se dedicando demais ao personagem, vai estar ali conversando com aquele público da Casa Fluida. E ele vai transitar livremente por esse espaço, como se estivesse mesmo no bar da sauna gay. A proposta baseia-se na relação de proximidade com a plateia”, adianta, dizendo sofrer influência do “grande griot africano Sotigui Kouyaté”.
Ele ainda revela que a série Pose, de Ryan Murph na Netflix, e os lendários brasileiros do grupo Dzi Croquettes, libertários em plena ditadura, também foram referências para o trabalho idealizado por Rogério Corrêa e André Roman, que produz a obra com Teatro de Jardim e João Piagge.
Boy
Temporada: 21 a 28.06.2022 – segunda, terça e quarta-feira dias 21, 22, 27 e 28.06.2022 às 19h30. Na Casa Fluida – Rua Bela Cintra, 569, Consolação – Ingressos: gratuitos distribuídos 1h antes do início do espetáculo. Classificação: 18 anos. Duração: 50 minutos. Capacidade: 30 lugares. Debates após espetáculo: Bárbara Iara Hugo (20.06) e Dr. Emmanuel Nasser (21.06). Sessão inclusiva com Libras: 28.06.2022.
Estreia para convidados: segunda-feira 20.06.2022 às 19h30.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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