Sérgio Sá Leitão: ‘Meu partido é o da cultura’ | Entrevista do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Foto BOB SOUSA
@bobsousa
“Meu partido é o da cultura”, diz Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, nesta exclusiva Entrevista do Arcanjo, concedida no momento em que caminha para os últimos meses no comando da pasta.
O gestor cultural assumiu o cargo em 2019, a convite do então governador João Doria (PSDB), e enfrentou o desafio de tornar sua pasta um porto-seguro para artistas e trabalhadores das artes, em um difícil contexto de pandemia e de perseguição à categoria pelo Governo Bolsonaro.
Carioca de 55 anos radicado em São Paulo, o jornalista formado pela UFRJ com pós-graduação em Políticas Públicas pela USP passou por veículos como Jornal do Brasil, Folha de S.Paulo e Jornal dos Sports, antes de migrar para a gestão pública cultural.
Nos últimos anos construiu um currículo invejável no setor. Foi presidente da RioFilme, diretor da Ancine, assessor da presidência do BNDES, chefe de gabinete do Ministério da Cultura durante a gestão Gilberto Gil sob presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), secretário de Políticas Culturais do MinC, secretário Municipal da Cultura do Rio de Janeiro no governo Eduardo Paes (PMDB), ministro da Cultura durante o Governo Michel Temer (MDB) e secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo nos governos João Doria e Rodrigo Garcia (PDSB).
Nesta conversa com o jornalista Miguel Arcanjo Prado para o Blog do Arcanjo, Sérgio Sá Leitão reflete sobre o legado de sua gestão em São Paulo e afirma que apoiará, num eventual segundo turno, aquele candidato que apresentar propostas mais concretas para o setor cultural, além de classificar o bolsonarismo como uma “tragédia” para a cultura.
Durante a entrevista, afirma que pretende deixar a gestão pública no fim deste ano, após duas décadas de serviços prestados em diferentes cargos e governos, para dedicar-se à iniciativa privada. Contudo, coloca seu nome e sua larga experiência à disposição de um futuro presidente do Brasil que busque reconstruir o setor cultural no plano federal.
Retratada pelo fotógrafo Bob Sousa, a entrevista de quase duas horas aconteceu na última semana, no imponente gabinete no histórico prédio construído em 1872 pela Estrada de Ferro Sorocabana, na Praça Júlio Prestes, na Luz, região central de São Paulo, onde fica a sede da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – mesmo prédio que abriga também a Sala São Paulo, a Osesp e a estação Júlio Prestes da CPTM.
Leia a entrevista com Sérgio Sá Leitão com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Qual legado o senhor deixa na gestão na Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo?
Sérgio Sá Leitão – Em primeiro lugar, é uma gestão que inverteu o vetor do investimento em cultura em São Paulo. A gente vinha assistindo ano a ano a redução do investimento dessa área. E nós invertemos esse vetor a partir de 2019. Saltamos de um orçamento de 2019 da ordem de 890 milhões de reais, que foi muito semelhante ao de 2018, para um orçamento em 2022 de 1 bilhão e 250 milhões de reais.
Miguel Arcanjo Prado – Qual o significado desse maior investimento?
Sérgio Sá Leitão – Houve uma elevação muito significativa de investimento do Governo de São Paulo na cultura e isso foi acontecendo de modo progressivo. Já em 2020, rompemos a barreira de 1 bilhão de reais, e isso fez com que nós pudéssemos ter uma gestão com muitas entregas no campo cultural para a população de São Paulo. Então, eu vejo assim, em primeiro lugar, como legado, houve uma elevação do investimento, em segundo lugar, uma grande quantidade de entregas.
Miguel Arcanjo Prado – Quais?
Sérgio Sá Leitão – Aí eu me refiro a novos programas, novas ações, ampliação dos programas e ações existentes, novas instituições culturais, novos museus, melhorias em todas as áreas. E isso, obviamente, só foi possível porque houve essa elevação do orçamento, apoiada pelos governadores João Doria e Rodrigo Garcia. Também queria destacar um terceiro legado. Houve a descentralização do investimento. Não é apenas uma gestão que elevou significativamente o investimento, mas que o fez de maneira descentralizada. Em 2021, nós alcançamos cerca de 370 municípios com os nossos programas de fomento. Em 2022, serão quase 500 municípios paulistas alcançados. Isto é inédito. E acrescentaria um quarto legado, que é derivado desses três, que é a afirmação da potência transformadora da cultura e da política pública de cultura.
Miguel Arcanjo Prado – Detalhe um pouco desses investimentos.
Sérgio Sá Leitão – Demos aos programas de fomento o status que deveriam ter. Saltamos 143 milhões de reais em 3 programas em 2018, para 273,2 milhões de reais em 5 programas em 2022. O maior programa de fomento à cultura em nível estadual no Brasil. No quarto ano da gestão, nós temos 100 milhões de reais para o ProAc ICMS, que é o valor histórico do PROAC ICMS e agora 100 milhões para o ProAc Editais, que é um fomento com recursos orçamentários, como dever ser. Eu defendo isso: um mix ideal de mecanismo de fomento a cultura é você ter pelo menos 50% dos recursos diretos e 50% de recursos indiretos se complementando e produzindo resultados.
Miguel Arcanjo Prado – E isso num contexto de demonização da cultura na esfera federal.
Sérgio Sá Leitão – A afirmação da potência transformadora da cultura e da política pública de cultura foi, na verdade, a visão que amparou esta elevação de investimento, essa ampliação das entregas e essa descentralização. E uma coisa alimentou a outra, porque ao fazer isso nós também contribuímos para afirmar essa potência transformadora da cultura e da política pública de cultura.
Diferentemente do que aconteceu no plano nacional, São Paulo foi e é um estado que, de maneira muito clara e muito afirmativa, respeitou, valorizou e apoiou a cultura.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – O senhor chegou à Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo em um momento em que a área estava sendo atacada pelo governo federal. Começou com a extinção do Ministério da Cultura, do qual o senhor fez parte e foi também foi ministro. Em 2019, o cenário já era esse e, logo em seguida, veio a pandemia, que afetou de forma muito drástica o setor cultural. O que São Paulo significou nesse momento para os artistas, não só paulistas como de todo o Brasil?
Sérgio Sá Leitão – Eu tenho usado uma imagem aqui internamente que eu vou cometer a ousadia de compartilhar. São Paulo foi nesse período a aldeia do Asterix da Cultura. Você se lembra que todos os álbuns do Asterix começam da mesma maneira, dizendo: Toda a Gália está ocupada pelo Império Romano. Toda não, há uma aldeia de irredutíveis gauleses que resiste à ocupação romana. Então, eu acho que São Paulo foi nesse período a aldeia do Asterix. Com a vantagem de criar uma aldeia bem grande, seja em termos de população, de número de municípios, seja em termos de PIB, de importância nacional.
Miguel Arcanjo Prado – São Paulo foi um lugar onde a cultura resistiu nos últimos anos?
Sérgio Sá Leitão – Sim. Essa resistência que São Paulo fez foi uma resistência proativa, uma resistência afirmativa, da potência transformadora da cultura e da política pública de cultura. Teve um impacto muito grande, também pelas dimensões de São Paulo, do que São Paulo representa no país. Seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista social e também geográfico. Acho que foi isso que nós representamos.
Miguel Arcanjo Prado – Foi um importante contraponto ao que vinha de Brasília?
Sérgio Sá Leitão – Diferentemente do que houve no plano federal e também em muitos estados, em São Paulo nós não reduzimos o investimento em cultura, ao contrário, ampliamos ano a ano e de maneira muito significativa. Começou pelo governador João Doria, passando por toda a equipe. Um governo que sempre deu importância e prioridade à cultura, que ela não vinha tendo em São Paulo antes e que não teve neste período em nível federal e em muitos estados.
Miguel Arcanjo Prado – Essa visão foi crucial na pandemia para o setor?
Sérgio Sá Leitão – Foi chave para que nós pudéssemos enfrentar o período da pandemia, reduzindo os seus efeitos negativos sobre o setor cultural. Claro que esses efeitos negativos aconteceram, mas agimos rapidamente de forma anticíclica elevando os recursos, por meio dos programas de fomento, aumentando o número de projetos e de pessoas, de profissionais da cultura beneficiados. Também lançamos linhas de crédito para empresas do setor na Desenvolve São Paulo, tendo como contrapartida à concessão dos créditos, a manutenção dos empregos.
Miguel Arcanjo Prado – São Paulo também legitimou rapidamente a produção de arte digital no contexto da quarentena.
Sérgio Sá Leitão – Criamos a plataforma digital Cultura em Casa, que com pouco mais de dois anos de atividades permitiu a remuneração de quase 25 mil artistas e produtores culturais. E grande parte disso no período mais agudo da pandemia, quando a plataforma foi uma das poucas fontes de recursos que a cultura teve. O Cultura em Casa está com 8 milhões de visualizações e mais de 5 mil conteúdos e quase 4 milhões de usuários únicos. Primeiro nós lançamos sites e perfis em redes sociais, depois virou aplicativo e agora vai virar canais em parceria com outras plataformas, a ideia é deixar disponível para smarTVs, o que fará este conteúdo ter novo alcance. Fizemos também um programa de segurança alimentar junto com o Fundo Social, com a distribuição de mais de 50 mil cestas básicas para profissionais da cultura em situação de emergência alimentar. Isso em parceria com entidades do setor. Enfim, foram medidas anticíclicas que ajudaram a mitigar o impacto negativo da crise gerada pela pandemia. E criar melhores condições para a retomada, essa retomada que hoje está em curso aqui em São Paulo, e claro, também no Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – Eu observo que seu perfil político é conciliador, que consegue transitar em vários ambientes de uma forma muito tranquila, afinal, esteve em governos diferentes. Essa característica foi fundamental na construção deste gestor cultural? Como se autodefiniria?
Sérgio Sá Leitão – Eu sempre me vi como um executivo do setor cultural e criativo e procurei fazer na administração pública o mesmo que fiz antes na iniciativa privada. Quero dizer, eu procurei trazer essa experiência e essa visão do privado para a gestão pública. Eu sempre fui adepto, por exemplo, de planejamento estratégico. Então, todas as funções que eu ocupei, eu sempre fiz processos de planejamento estratégico, sempre dei muita atenção às questões de gestão.
Miguel Arcanjo Prado – O senhor sempre fica de olho nos números?
Sérgio Sá Leitão – A busca incessante por resultados e também por elevar a barra em termos de qualidade de alcance faz parte do meu cotidiano. Eu sempre entendi que nós, na área da cultura, precisamos o tempo todo aumentar o grau de legitimidade social daquilo que nós fazemos, porque ainda há muita desconfiança, muita gente que não entende, que não percebe o papel central e estratégico da cultura e da política pública de cultura.
Miguel Arcanjo Prado – É preciso lembrar cotidianamente que cultura gera renda e emprego para todos?
Sérgio Sá Leitão – Exatamente. Sempre procurei atuar também nesse plano do convencimento, da legitimação, sempre procurei também trazer mais aliados para o campo da cultura, ao mesmo tempo que eu também sempre procurei manter estreitado um diálogo com as pessoas do campo da cultura e também mostrar isso para elas. O quão importante é a cultura. Elevamos o grau de legitimidade da cultura nesta gestão.
Miguel Arcanjo Prado – Ser uma figura conciliadora ajuda neste processo de defesa da cultura?
Sérgio Sá Leitão – Concordo com você, Miguel, acho que é um dado da minha personalidade. Eu sou uma pessoa essencialmente conciliadora e diplomática. Procuro sempre tentar harmonizar as coisas, buscar um denominador comum. Ao mesmo tempo, eu tenho também os meus princípios e os meus valores. E tenho as minhas convicções. Eu não tenho compromisso com o erro; então, eu estou aberto a mudar o meu entendimento e a minha visão. E mudar também o planejamento que foi feito. Eu acho que a gente precisa estar sempre em constante e permanente transformação junto com o mundo.
Miguel Arcanjo Prado – É preciso estar atento às mudanças na sociedade?
Sérgio Sá Leitão – Seja do ponto de vista pessoal ou profissional, nosso maior desafio é ser eternamente contemporâneos. E para isso, você precisa ter resiliência, você precisa estar atento às mudanças, às transformações, aos pontos de vistas de outros. Você não pode ter compromisso com o erro. Você tem que ter compromisso com o acerto.
Nosso maior desafio é ser eternamente contemporâneos.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – E sua visão no meio disso tudo?
Sérgio Sá Leitão – Agora, eu também nunca abri mão também das minhas opiniões, eu sempre compartilho as minhas visões, eu sempre discuto, debato, mas sempre respeitando as posições das pessoas e acho que é um reconhecimento em relação a isso. E acho que, com isso, a gente consegue criar melhores condições para que os resultados aconteçam. Essa, na verdade, deve ser uma das grandes preocupações de todo e qualquer gestor público. Como é que você cria condições para que aquele planejamento se realize, para que as coisas aconteçam, para que as entregas sejam feitas, para que os resultados sejam obtidos e sejam resultados significativos para a sociedade.
Miguel Arcanjo Prado – O senhor buscou relevância para a pasta da Cultura em São Paulo em um momento que a pasta foi extinta em Brasília?
Sérgio Sá Leitão – Eu sempre digo que a relevância do nosso trabalho é a relevância que as pessoas nos atribuem em função daquilo que a gente faz. Daquilo que entrega para elas. E eu sempre procurei fazer com que os órgãos em que eu trabalhei se mostrassem e efetivamente fossem relevantes, seja para os governos, seja para a sociedade, seja para os especialistas e interessados na área. Você precisa fazer com que aquilo que você realiza seja percebido, entendido como relevante, para que você possa ter condições para continuar e para ampliar o trabalho.
Miguel Arcanjo Prado – E é aí que entra a diplomacia?
Sérgio Sá Leitão – Então, acho que, realmente, diplomacia, equilíbrio, ponderação de um lado e de outro, ousadia, potência, afirmação, vontade de fazer, acho que essas são minhas características principais. Acho que eu cheguei até aqui muito impulsionado por essas características. Tenho meu grande foco na realização, na entrega, naquilo que é perene, que fica e que de fato transforma positivamente a vida das pessoas.
Miguel Arcanjo Prado – É muito comum no setor cultural uma certa partidarização, o que faz com que a cultura seja lida assim por parte da sociedade. Como tornar a cultura algo além de determinado candidato ou gestor, algo independente de partidos ou de quem esteja sentado no cargo de prefeito, governador ou presidente do Brasil?
Sérgio Sá Leitão – Olha, eu acho que quando você está à frente de um órgão público, você precisa fazer política pública para o conjunto da sociedade, para todos os cidadãos e todas as cidadãs, não só aqueles e aquelas que pensam como você, concordam com a sua visão de mundo. O bom gestor é pragmático, ou seja, está focado em resultados, em entregas e é também aquele que é aberto, que é plural, que lida bem com a diversidade, que ouve e que está aberto a mudar de ideia, mudar de opinião. A transformar a sua visão. Eu sempre procurei trabalhar dessa maneira, de uma maneira não dogmática.
Miguel Arcanjo Prado – Como enxerga o trabalho do gestor cultural?
Sérgio Sá Leitão – Nosso trabalho é basicamente resolver problemas e entregar realizações que transformem positivamente a realidade. E a única maneira de fazer isso é não estar preso a visões de mundo específicas, a ideologias específicas e, sim, buscar na realidade os elementos necessários para transformá-la. Eu acho que quanto menos dogmática for uma gestão, provavelmente melhor ela será para os cidadãos e cidadãs. Claro, que tenho meus valores, princípios e ideias, e procuro agir de acordo. Busco realizar aquilo que eu acho que é melhor, mas sempre ouvindo, sempre avaliando, sempre mensurando resultados, sempre em diálogo com pessoas.
Miguel Arcanjo Prado – Como são as equipes com as quais trabalha?
Sérgio Sá Leitão – Eu sempre gosto de montar equipes ecléticas em termos de formações e visões e até posturas políticas. Porque, eu acho que dessa diversidade e heterogeneidade surge algo muito mais potente e intenso do que da homogeneidade. Agora, sem dúvida que nosso setor ainda é um setor muito preso a visões ideológicas e partidárias e acho que isso não tem sido muito positivo para o setor cultural.
Miguel Arcanjo Prado – O setor cultural poderia ser mais estratégico do ponto de vista político?
Sérgio Sá Leitão – Eu acho que o setor cultural deveria ser, na minha visão, mais pragmático e agir mais em função dos seus interesses e das suas necessidades. Até porque esses interesses e necessidades correspondem aos interesses e necessidades da sociedade. Portanto, correspondem a um interesse público na maior parte das vezes. Então, defendo que o setor cultural seja mais autônomo e mais independente em relação à política, sobretudo à política partidária, para que, desse modo, seja mais altivo e possa colocar para os agentes políticos e para a sociedade as suas visões, os seus interesses e lutar por isso também de maneira mais produtiva. Eu acho que uma postura mais autônoma e mais independente do setor cultural é algo que será extremamente positivo para o próprio setor.
Miguel Arcanjo Prado – A cultura deveria estar além de partidos políticos?
Sérgio Sá Leitão – Eu sempre digo isso para as minhas equipes e isso é mais do que uma afirmação retórica, é um compromisso, é uma realidade. Meu partido é o partido da cultura, o meu partido é o partido do Brasil e do desenvolvimento do Brasil e do papel que a cultura tem e pode ter ainda mais. Por conta dessa visão, é que eu acho que a gente tem que conversar com todo mundo, que a gente tem de empunhar e fazer tremular a bandeira da cultura em diálogo com todas as forças políticas.
Miguel Arcanjo Prado – A cultura precisa avançar?
Sérgio Sá Leitão – Onde haja um espaço para a política cultural avançar, eu acho que esse espaço deve ser ocupado e deve ser aproveitado. E acho que essa visão mais ampla, mais democrática, mais autônoma e independente do setor cultural em relação à política partidária é algo saudável e produtivo para o setor, e eu espero que essa visão tenha cada vez mais adeptos. É claro que, individualmente, cada um de nós pode ter a sua preferência partidária, clubista, etc., mas como nós estamos falando de defender a cultura, de defender a política pública de cultura, de afirmar a potência transformadora do setor, acho que precisamos nos unir de maneira apartidária, porque isso é muito maior do que o partidarismo.
Miguel Arcanjo Prado – Em um eventual segundo turno nas Eleições para Presidente, qual candidato terá seu apoio?
Sérgio Sá Leitão – Olha, eu acho que não pode haver dúvida, né? Acho que no primeiro turno nós temos que votar naquele candidato que consideramos o melhor. Aquele com o qual cada um de nós, individualmente, mais se identifica, pensando claro, no meu caso, na questão cultural, mas não só, também em relação aos princípios, aos valores, visão de mundo. E também na questão do histórico da capacidade e da competência. Mas, uma vez que a sociedade faça a sua escolha, se porventura o candidato que eu vier a apoiar no primeiro turno não estiver no segundo turno, eu certamente buscarei aquele entre os que forem para o segundo turno que seja mais sensível para a importância estratégica que a cultura tem e pode ter ainda mais no desenvolvimento do Brasil.
Voto naquele que tiver o melhor programa para a cultura. Até porque, nesse momento, nós não podemos ter dúvidas ou vacilar em relação a isso, porque se tornou até uma questão de sobrevivência da cultura no plano federal.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – A cultura está agonizando na esfera federal.
Sérgio Sá Leitão – Nós temos hoje uma realidade que muitas instituições culturais significativas, importantes para o país, não terão como funcionar a partir de primeiro de janeiro de 2023. E a salvação para essas instituições culturais, e também para muitos artistas e produtores, virá justamente de uma mudança no estado de coisas que há hoje em nível federal.
Miguel Arcanjo Prado – Como avalia o governo Bolsonaro na gestão da cultura?
Sérgio Sá Leitão – Essa situação de luta pela sobrevivência, ela aconteceu por conta dessa tragédia que foi para a cultura, aliás, para a sociedade brasileira como um todo, em várias áreas, o Governo Bolsonaro. Um governo que tratou a cultura como inimiga. E que se dispôs a destruir o setor cultural. Aparelhando as instituições culturais federais e degradando essas instituições, bloqueando, paralisando os mecanismos de fomento à cultura, e atacando a cultura também no debate social.
O Governo Bolsonaro foi uma tragédia para a culutra, aliás, para a sociedade brasileira como um todo.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – Qual o efeito desse plano federal de ataque à cultura feito pelo bolsonarismo?
Sérgio Sá Leitão – Isso está produzindo resultados trágicos, terríveis. Nós temos hoje muitos museus, por exemplo, que não tiveram seus planos anuais de funcionamento aprovados no âmbito da Lei Rouanet, como vinha acontecendo há décadas. E sem nenhuma razão, sem nenhuma justificativa. Para funcionar em 2022, tiveram que prorrogar os planos que estavam em vigor em 2021. E em relação a isso, o Governo Bolsonaro não pode fazer nada, porque a lei previa essa possibilidade, mas essa prorrogação legal permitida em lei se encerra em 31 de dezembro de 2022. Portanto, a partir de 1º de janeiro de 2023, essas instituições não terão uma das suas principais fontes de recursos que é justamente a Lei Rouanet e os patrocínios privados via Lei Rouanet.
Miguel Arcanjo Prado – No audiovisual a situação também é crítica.
Sérgio Sá Leitão – Eu poderia falar do setor audiovisual, com a paralisação da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual. Poderia falar também de muitos eventos, festivais e mostras importantíssimas, de grande relevância, com resultados absolutamente comprovados. Enfim, acho que o setor conseguiu construir saídas, inclusive legais, para sobreviver em 2022. Mas se algo não for feito logo no início de 2023 para reverter essa situação, no que diz respeito, sobretudo, à Lei Federal de Incentivo à Cultura, mas também em relação a outros programas e ações, sobretudo fomento em nível federal, a situação ficará irremediável. E aí será uma espécie de um dilúvio dantesco na cultura de 2023. Por isso é que nós não podemos hesitar e não podemos vacilar no segundo turno dessas eleições.
Miguel Arcanjo Prado – Quem terá seu voto?
Sérgio Sá Leitão – Eu votarei certamente naquele candidato que se mostrar mais sensível à área cultural, que assumir o compromisso de recuperar o Ministério da Cultura, recuperar as instituições federais de cultura e destravar os instrumentos de financiamento à cultura que nós temos em nível federal. Esse será o candidato em que eu votarei, independentemente de outras questões, no segundo turno.
Miguel Arcanjo Prado – No caso de vencer um candidato que apoie a cultura e este novo presidente lhe convide para assumir novamente o Ministério da Cultura, qual seria sua resposta?
Sérgio Sá Leitão – Desde já, me coloco à disposição para ajudar, para contribuir, porque vai dar muito trabalho reconstruir a estrutura de cultura do governo federal, porque os bolsonaristas fizeram um malévolo trabalho. E não vai ser fácil reverter, não é algo que acontecerá da noite para o dia. Demandará muito esforço, muita energia, muita dedicação e muita criatividade. E muito apoio também, para que isso seja revertido. Então, eu me coloco à disposição para contribuir. Agora eu me coloquei assim: com o fim deste governo em São Paulo, eu pretendo também colocar um ponto final na minha vida profissional na administração pública. Ao fim deste ano, eu terei completado 20 anos de trabalho na administração pública, sempre no campo da cultura e economia criativa. Trabalhei nas três instâncias, municipal no Rio de Janeiro, estadual aqui em São Paulo e federal no Ministério da Cultura. Na Ancine, no BNDES. Acho que dei uma contribuição para o aperfeiçoamento, para a ampliação das políticas públicas de cultura no nosso País. Ao final desta gestão, da gestão do governador Rodrigo Garcia, darei este ciclo profissional meu na administração pública como encerrado. Mas como eu disse, estarei à disposição para contribuir e ajudar caso eu seja convidado. Caso quem ganhe a eleição considere isso importante ou necessário. Mas para contribuir com ideias, com sugestões, com propostas. Porque, enfim, seguirei atuando no campo da cultura, mas no meio privado, e o modo como eu vejo, somos todos sócios do sucesso desse ecossistema, que é o ecossistema de cultura do Brasil. Então, ter em nível federal um Ministério da Cultura, ter mecanismos de fomento que funcionem, instituições federais bem geridas, que também funcionem, enfim, ter a cultura sendo valorizada, apoiada e respeitada pelo Governo Federal, é óbvio que isso favorece todas as áreas da cultura e todos aqueles que trabalham nessa área.
Após 20 anos, pretendo realmente encerrar este ciclo na gestão pública e passarei a contribuir mais na iniciativa privada.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – E o que pretende fazer depois de deixar a vida pública ao fim desta gestão?
Miguel Arcanjo Prado – Após 20 anos, pretendo realmente encerrar este ciclo na gestão pública e passarei a contribuir mais na iniciativa privada. Eu me coloco à disposição para ajudar e contribuir, não diretamente, mas indiretamente, com quem assumir o governo porque, de fato, a tarefa necessitará de todos nós. Precisará de você, precisará de todos que estão lendo essa entrevista, porque não será fácil reverter essa situação. E, mais do que isso, nós precisamos nos assegurar que este pesadelo jamais retorne.
Precisamos nos assegurar que este pesadelo [Governo Bolsonaro] jamais retorne.
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo
Miguel Arcanjo Prado – As instituições públicas não deram conta de frear o desmonte da cultura?
Sérgio Sá Leitão – Em 2018, eu tinha uma visão mais otimista do estado de direito no Brasil. Eu achava que por piores que fossem as intenções do Bolsonaro e do bolsonarismo, muito do que ele pretendia fazer não iria acontecer seja pela incompetência atávica dele e dos seus acólitos, seja porque nós temos a Constituição, a Justiça, o Congresso. Mas o que nós vimos é que o estado de direito no Brasil infelizmente se defendeu menos do que deveria. O Congresso foi menos altivo do que deveria, mesmo a Justiça, que foi altiva em alguns momentos, foi menos do que deveria. Temos decretos inconstitucionais, repletos de ilegalidades e arbitrariedades que perduram, como esse sobre a Lei Federal de Incentivo à Cultura. É preciso reconhecer a atitude do Congresso com a criação da Lei Aldir Blanc e agora a manutenção da Lei Aldir Blanc e criação da Lei Paulo Gustavo. Foi uma afirmação da independência do Poder Legislativo e do compromisso dele com a cultura.
Miguel Arcanjo Prado – Exatamente.
Sérgio Sá Leitão – Com a Lei Paulo Gustavo e a Lei Aldir Blanc você não está tirando recursos de outras áreas, você está simplesmente assegurando, que recursos já arrecadados sejam destinados à finalidade para qual foram arrecadados. Estudo que apresentamos recentemente feito pela FGV Projetos mostramos que você tem geração de renda, geração de emprego, geração de inclusão e geração de desenvolvimento com efeito multiplicador de investimento altíssimo e um retorno sobre investimento fabuloso.
Miguel Arcanjo Prado – Esta foi uma vitória em meio a tantos ataques contra a cultura.
Sérgio Sá Leitão – Muitas arbitrariedades foram cometidas pelo Governo Bolsonaro e permanecem impunes e em vigor. Então, de certa maneira, me decepcionei com o peso das instituições no Brasil. Eu achava que o nosso estado de direito, nossa democracia era mais sólida e teria mais mecanismos para se proteger de projetos autoritários, totalitários, o que não aconteceu. Nós precisaremos também pensar nessa questão. O que é preciso ser feito para que as políticas públicas de cultura fiquem imunes a projetos políticos autoritários e projetos políticos que tratam a cultura como um inimigo.
Miguel Arcanjo Prado – A cultura é uma amiga do Brasil?
Sérgio Sá Leitão – As pessoas precisam entender de uma vez por todas que quanto mais arte, mais cultura, mais economia criativa, isso significa mais geração de renda, mais geração de emprego, mais geração de oportunidade. Significa mais desenvolvimento humano, social e econômico. Várias pesquisas comprovam isso, como recente feita pela FGV Projetos sobre o impacto da Lei Aldir Blanc e também outra que o Itaú Cultural fez com o Data Folha. As atividades culturais e criativas são altamente geradoras de renda, emprego, inclusão e desenvolvimento. O Brasil tem uma vocação para as atividades culturais e criativas. Se nós não potencializamos isso, se não rentabilizamos isso, nós estamos desperdiçando um ativo gigantesco e não faz sentido desperdiçar.
Miguel Arcanjo Prado – A cultura no Brasil é exuberante.
Sérgio Sá Leitão – Exato. Outros países adorariam ter o mesmo grau de diversidade cultural que nós temos aqui, fruto do processo de formação do nosso país, da nossa sociedade, desse caldo cultural feito de miscigenação, híbrido, que se formou aqui por conta da nossa história. É uma vocação incrível. Só há um país no mundo que se compara ao Brasil em termos de diversidade e intensidade cultural, que é os Estados Unidos. E os Estados Unidos souberam aproveitar isso e se transformou na maior potência cultural e criativa do mundo. É isso que nós deveríamos almejar, porque nós temos esse potencial.
Miguel Arcanjo Prado – Precisamos valorizá-lo mais?
Sérgio Sá Leitão – Então, nós precisamos reconhecer, precisamos admitir que nós temos essa vocação, é algo que está comprovado, precisamos entender que a cultura é um dos principais ativos do Brasil, e é um ativo cada vez mais valorizado no mundo, central para geração de valor e de uma série de atividades, porque lida com o simbólico e agrega valor a processos econômicos. O turismo basicamente lida com ativos naturais e ativos culturais. Então, obviamente, quanto mais ativos culturais você tem, mais turismo você vai ter. Por exemplo, é só ver que o Festival de Inverno de Campos do Jordão fez pela cidade.
Miguel Arcanjo Prado – Valorizar a cultura torna o país melhor?
Sérgio Sá Leitão – A política pública de cultura é também uma política de educação, também é uma política de turismo, também é uma política de segurança pública, também é uma política de saúde, ela tem uma transversalidade entre as políticas públicas e produz efeitos que transcendem o seu foco específico. Estudos mostram que a média do desempenho escolar dos alunos do Projeto Guri é melhor do que a média geral. Existem indicadores de que a presença da cultura melhora a segurança pública, a saúde pública tem menos internações por doença cardíaca. A pesquisa do Itaú Cultural com Data Folha mostrou que a cultura ajudou a suportar o período de distanciamento social, ela foi chave para o enfrentamento da pandemia, e por aí vai. Também precisamos reconhecer de uma vez por todas o quando a cultura contribui para a qualificação daquele que é o principal vetor de uma sociedade, que é o seu capital humano, são as pessoas, os indivíduos, eles que fazem as instituições, os indivíduos que fazem as coisas, que movem as coisas adiante e que fazem o país. Então tudo que qualifica os indivíduos deveria ser muito valorizado, e a cultura qualifica imensamente as pessoas, aumentam o nosso repertório, nos estimula, nos eleva, nos transforma positivamente nos aproxima uns dos outros, reforçam conexões, reforçam elos hereditários, reforça a própria identidade em si, reforça a autoestima, melhora a qualidade de vida das pessoas.
Miguel Arcanjo Prado – É contraproducente para o desenvolvimento do país perseguir a cultura?
Sérgio Sá Leitão – A pergunta é: por que desperdiçar esses ativos? Por que desperdiçar esta vocação? Por que não aproveitar isso dentro de um projeto de desenvolvimento amplo, pleno? Para o país, para os estados, para os municípios, a cultura é um setor que responde muito rapidamente, responde até a estímulos baixos, como demonstrou a pesquisa da FGV Projetos. A cultura dá um retorno que outras áreas não dão. As pessoas precisam saber disso, as pessoas precisam entender isso, para que políticas públicas, conduzidas com seriedade, com rigor, com profundidade, com zelo, com transparência, possam ser cada vez mais realizadas, terem cada vez mais recursos e possam produzir resultados cada vez melhores, porque isso faz muito bem para as pessoas e para o Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – É importante ter essa consciência?
Sérgio Sá Leitão – Eu acho que há cada vez mais pessoas que têm essa consciência, inclusive no mundo da política. O governador João Doria é uma pessoa que tem essa visão, por isso priorizou a área. O governador Rodrigo Garcia tem essa visão, esse compromisso a longo prazo com a cultura. A gente vai ganhando apoios e vai ganhando legitimidade na medida que vai também produzindo resultados. Espero que mais e mais pessoas percebam isso. É importante que a sociedade saiba que os gestores públicos estão fazendo com recursos que são das pessoas.
Miguel Arcanjo Prado – O senhor falou da diversidade de nossa cultura, algo que sempre ocupa o palco no Prêmio Arcanjo de Cultura, como o senhor viu de perto, e aqui no Blog do Arcanjo. Como acompanhou, como gestor, esse processo de fortes mudanças sociais e de exigências de maior representatividade e real diversidade no setor cultural?
Sérgio Sá Leitão – Eu vi uma sintonia e convergência muito forte entre as minhas visões e as visões do governador João Dória e do governador Rodrigo Garcia. Eu já os conhecia, mas quando foi formulado convite para que eu viesse para cá, estreitar essa menina relação com eles, o que eu pude perceber é que tudo aquilo que eu dizia para eles, era muito bem recebido e muito bem visto porque eles já tinham visões parecidas. Se você pegar por exemplo as recentes declarações do Rodrigo Garcia, ele está o tempo todo dizendo o seguinte: que a força de São Paulo está na sua diversidade, que são justamente as diferenças que impulsionam esse estado e fazem com que São Paulo, seja um estado tão desenvolvido, que já alcançou padrões e níveis em termos de políticas públicas culturais, bem superiores à média no Brasil. Claro que ainda há muito a ser feito, mas é inegável que em São Paulo a gente tem a maior e melhor rede de educação, a maior e melhor rede de saúde pública, melhor e a maior estrutura de transportes, e também no caso da cultura, eu diria, a melhor e a maior estrutura de cultura em nível estadual no Brasil. O Rodrigo tem essa visão, de que a força de São Paulo e do Brasil está na sua diversidade e que o governo tem que ser, não só aberto, mas ele tem que representar esta diversidade da sociedade, e atuar para que essa diversidade realize o seu potencial, a gente sabe, desde Roma, e o Darcy Ribeiro dizia isso, que o Brasil é uma espécie de Nova Roma, que mais diversidade significa mais desenvolvimento.
Miguel Arcanjo Prado – Por quê?
Sérgio Sá Leitão – Porque a gente tem valores e contribuições muito diferentes convivendo, estimulando, e convergindo para resultados positivos para todos, então tudo aquilo que nós fizemos aqui em São Paulo, refletiu a importância estratégica que a cultura tem na visão e no compromisso do governador João Doria e do governador Rodrigo Garcia. Rodrigo fala toda hora que São Paulo é um estado híbrido, miscigenado, que teve imigração do mundo inteiro, que teve imigração do Brasil inteiro, que é uma espécie de vitrine do país, toda a cultura brasileira está representada aqui de alguma maneira aqui em São Paulo. Esse é o nosso maior ativo, e é também o maior ativo do Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – Como garantir a representatividade nas políticas públicas?
Sérgio Sá Leitão – Procuramos ampliar e diversificar os instrumentos de fomento, para que pudéssemos abarcar praticamente todas as áreas e todos os modos de fazer culturais e artísticos do Estado de São Paulo, descentralizar, alcançar todas as regiões e o maior número possível de municípios, criamos vários instrumentos para isso. Criamos o Juntos pela Cultura, com viés municipalista, em parceria com as prefeituras e hoje temos 16 editais. Procuramos no ProAc Editais criar os editais de cidadania cultural, criar também os editais regionalizados e introduzir aquela regra, segundo a qual pelo menos 50% dos recursos de fomento devem ser destinados à projetos de fora da capital. Nós atingimos 57,8% em 2021, e esse ano, estaremos em torno de 60%, vamos aumentar essa descentralização. Procuramos também reforçar nos editais questões de gênero, etnia e pessoas com deficiência. Pessoas que se autodeclaram parte desses grupos sociais, seus projetos têm uma pontuação já na largada um pouco maior, então é uma política de ação afirmativa que tornam os editais mais democráticos, além de termos editais específicos para cultura LGBTQIAP+, para hip hop, cultura negra, para cultura caiçara, cultura popular, cultura indígena.
Miguel Arcanjo Prado – Neste legado que o senhor deixa em São Paulo há novos museus?
Sérgio Sá Leitão – O estado de São Paulo já tem um sistema de museus muito significativo, mas vimos que precisávamos ampliar a representatividade desses museus. Então, aumentamos o investimento no Museu da Diversidade, para ampliá-lo, aumentar seu espaço na estação República do metrô, saltando 110 para 540 metros quadrados, mas também vai ganhar uma sede na superfície na alameda Santos, com 1.400 metros quadrados, ele vai chegar quase 2.000 metros quadrados no total. Além disso criamos o Museu das Culturas Indígenas, ao lado do Parque da Água Branca. Foi uma decisão tomada pelo governador João Doria e o então vice-governador Rodrigo Garcia, fazer o primeiro grande museu brasileiro sobre culturas indígenas, feito e gerido por indígenas. Então, não é um museu etnográfico, não é um discurso dos brancos sobre os indígenas, é um discurso dos indígenas sobre eles mesmos e os seus modos de fazer e criar. Quem passar em frente vai ver a faixa “Área Indígena” frente ao museu. No dia da inauguração, os indígenas fizeram sua cerimônia, consagrando até em termos religiosos o espaço, que deram o nome TUVA, que significa ‘Casa de Transformação’, vamos incorporar esse nome indígena em tupi-guarani ao nome oficial do museu. Cultura é isso é o ambiente da diversidade, da pluralidade, é onde a pluralidade é diversidade precisam acontecer, e quanto mais diversidade mais pluralizado, mais potência, mais intensidade, inclusive mais resultados econômicos e sociais.
Miguel Arcanjo Prado – O senhor falou do Museu da Diversidade, que permanece fechado por conta da uma decisão judicial. Como vai essa questão?
Sérgio Sá Leitão – Em relação ao Museu da Diversidade, nós estamos vivendo um absurdo, que na minha visão ilustra o que eu mencionei antes, sobre do decreto da Lei Rouanet, embora seja absolutamente inconstitucional, ilegal e com viés autoritário, continua em vigor. Nosso estado de direito não está sabendo se defender e vem permitindo inconstitucionalidades como essa, de ter um museu fechado. No caso do Museu da diversidade, temos uma situação análoga, por uma decisão judicial de primeira instância, que é completamente absurda, mas que infelizmente está prosperando, e o museu por isso está fechado. Eu acho inacreditável que a gente possa conviver com uma ideia de um museu fechado, justo no mês da diversidade, onde se tem a maior parada LGBTQIAP+ do mundo, em que tem uma afirmação da potência da diversidade.
Miguel Arcanjo Prado – Por que o Museu da Diversidade segue fechado?
Sérgio Sá Leitão – O museu está fechado como resultado de uma ação judicial movida por um deputado bolsonarista, que eu prefiro não dizer o nome dele para não dar vitrine nem cartaz, porque é só isso que ele quer. É um agente das trevas, que encontrou eco na vara da Justiça de São Paulo, infelizmente. Estamos atuando para que a Justiça autorize que o Museu possa ser reaberto, que o projeto de expansão e de ampliação possa ser retomado. Vamos lançar agora um processo de chamamento emergencial, para uma outra organização social que possa fazer a gestão temporária do museu. Para que o museu reabra, é necessário fazer, e foi o meio que nós identificamos como a maneira de reabrir o museu. Então vamos manter a estratégia de discussão esperando que a Justiça seja sensível e não compactue com esse absurdo. Tenho deixado o governador Rodrigo Garcia a par de cada detalhe dessa situação e ele tem reafirmado compromisso dele com este projeto de ampliação e transformação do Museu da Diversidade. O que enfrentamos é um pequeno obstáculo, que eu espero, que seja logo superado, mas o fato é não podemos achar que é normal um museu estar fechado, sendo que a principal motivação para isso é homofobia, tem que dar nome aos bois. Essa ação não existiria, se ela não fosse motivada por homofobia. Esse deputado bolsonarista não tem nada contra nenhum dos nossos outros mais de 20 museus, porque que ele tem contra este especificamente, ele ficou lá buscando maneiras de conseguir esse resultado, mas enfim, nós temos absoluta certeza da legalidade e de tudo que nós fizemos em relação a este veto e temos também convecção em relação ao acerto de valorizar este Museu da Diversidade. O governador já disse que esse projeto vai continuar e vamos fazer.
Miguel Arcanjo Prado – Demoram-se décadas para construir um profissional com a expertise que o senhor tem na área cultural. O senhor não está muito jovem para deixar a vida pública como anuncia nesta entrevista?
Sérgio Sá Leitão – Eu espero contribuir de outra maneira. Acho que de fato eu acumulei uma experiência muito grande. Acumulei um conhecimento muito grande ao longo desses 20 anos, eu procurei formar muita gente. Temos aí dezenas de pessoas que trabalharam comigo e estão hoje na administração tanto na pública quanto na iniciativa privada, em diversas instituições. Acho que isso também foi uma contribuição. Eu tenho visto também uma nova geração de gestores e pessoas muito qualificadas e preparadas. Inclusive não só nos grandes centros, mas também no interior. Aqui em São Paulo a gente tem muitos secretários e secretárias de cultura em municípios impontes do interior que são pessoas muito qualificadas e que eu acho que teriam totais condições de assumir essa função. Eu espero continuar contribuindo de outra maneira, seja por meio de opiniões, de consultorias, de participações eventuais, presença em conselhos e mesmo podendo dialogar e contribuir, sugerir, propor, etc. E também por meio da minha atuação no setor privado. Eu acho que 20 anos é um período muito significativo.
Miguel Arcanjo Prado – Como avalia então esse período à frente da Cultura do Estado de São Paulo?
Sérgio Sá Leitão – Acho que eu realizei quase tudo aquilo que eu me propus a realizar nesse período nas três instâncias que fui gestor público cultural, cidade, estado e país. Este período agora no Governo de São Paulo vem sendo de grandes realizações. Nós criamos o MIS Experience, finalizamos e implantamos o Museu da Língua Portuguesa. Fizemos uma grande celebração dos 40 anos do Teatro Sérgio Cardoso, com uma programação de artística relevante. Viabilizamos o restauro e ampliação do Museu do Ipiranga e também o novo modelo de gestão e sustentabilidade. Estamos fazendo a expansão da Pinacoteca. Investimos em todos os museus, o Museu Casa de Portinari, uma verdadeira joia em Brodowski, está ganhando a galeria multimídia com a apresentação de suas grandes obras em 9 horas de forma contínua. Todos os turistas vão à casa de Picasso em Málaga, na Espanha, por que não vão à casa de Portinari, este pintor fantástico que nós temos?
Miguel Arcanjo Prado – E mais museus entraram em foco?
Sérgio Sá Leitão – Investimos no Museu Catavento, Museu do Café de Santos, Museu do Futebol, Museu AfroBrasil, no qual resolvemos problemas estruturais. Criamos museus novos, o Museu das Favelas, o Museus das Culturas Indígenas e ampliação do Museu da Diversidade, que são museus de representatividade. A SP Escola de Teatro deu exemplo na quarentena no ensino digital de artes cênicas. A gente reforçou e viabilizamos que a escola continuasse a funcionar durante a pandemia. A SP Escola de Teatro não ficou fechada um dia se quer. Nós conseguimos fazer a transição do 100% presencial para o 100% online, imediatamente, algo que nunca havia sido feito anteriormente em uma escola de artes. Assim, os estudantes tiveram total continuidade e agora estão de volta ao presencial. Também houve investimento no Conservatório de Tatuí, que estava precisando. Estamos ampliando o número de bolsas, ampliando o número de alunos. Contratando mais professores, reformamos o auditório. Contratamos o Emmanuele Baldini, nome de altíssimo nível, para ser o regente da orquestra. Um dos maiores violinistas do mundo hoje está no Conservatório de Tatuí. O Museu do Ipiranga, que está fechado desde 2013, será reaberto agora em 7 de setembro restaurado e ampliado com participação da USP e de vários patrocinadores privados que viabilizaram o projeto. Tem um outro museu, que é o Museus das Monções de Porto Feliz, que está fechado desde 2010 e nós estamos fazendo o restauro e a recuperação e pretendemos entregar até o fim do ano. A Pinacoteca Contemporânea também, que é uma grande expansão. O Paço das Artes, que é uma instituição que nunca teve uma sede, que sempre pulou daqui para lá, e agora tem uma sede definitiva no Casarão Nhonhô Magalhães, em Higienópolis. Tivemos a ampliação da Casa Mário de Andrade, recuperando o projeto inicial com as quatro casas. A Casa Modernista vai ser outro legado do nosso programa Modernismo Hoje, de celebração do Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922 Uma parceria com a prefeitura e com a Klabin. A Casa Modernista vais ser restaurada, recuperada, vai funcionar como um centro de economia criativa.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a importância da BibliON?
Sérgio Sá Leitão – Desde 2012 que eu persigo o sonho de criar uma biblioteca digital que funcione, com acesso a livros numa quantidade maior do que em bibliotecas presenciais, com todas as facilidades e dinamismo que o meio digital oferece. Quando era secretário municipal do Rio a gente criou ali um programa incipiente, que era só com livros que estavam em domínio público. Depois, no Ministério da Cultura, fiz o primeiro edital de apoio a criação de bibliotecas digitais do Brasil. Procurei fazer uma biblioteca digital, mas na época não havia condições tecnológicas. Quando entrei aqui na Secretaria de Cultura e Economia Criativa, chamei o Pierre Ruprecht, da SP Leituras, a OS que faz a gestão das nossas bibliotecas de referência, Parque Vila Lobos, e a Biblioteca São Paulo, do Parque da Juventude. Fiz uma reunião exatamente aqui nessa mesa que você está, com ele e pessoas versadas no assunto. Chamei a Câmara Brasileira do Livro, o Manoel da Costa Pinto, o Eduardo Saron, do Itaú Cultural, várias pessoas que eu sei que se preocupam com essa questão da leitura. Ali me propus a missão de não encerrar essa gestão sem criar a primeira biblioteca digital gratuita do país em larga escala com uma interface atraente, amigável, a ‘Netflix do livro’, só que grátis. E conseguimos, está aí, entregue à sociedade e fez um sucesso estrondoso na Bienal do Livro.
Miguel Arcanjo Prado – É uma trajetória que chega aos 20 anos de vida pública.
Sérgio Sá Leitão – Lá no Rio, como secretário municipal de Cultura, fiz o primeiro edital de cultura LGBT, na época chamava assim, ainda não tinha o QIAP+. Quando fui para o Ministério da Cultura, fiz o primeiro edital que tinha cotas para realizadores negros e mulheres. Fizemos o maior edital da história do audiovisual, com quase 90 milhões de reais. Aqui em São Paulo, transformamos essas questões em políticas públicas, institucionalizamos, para que sejam políticas públicas não de uma gestão apenas. As Oficinas Culturais hoje estão em centenas de municípios, o Projeto Guri está consolidado com mais de 70 mil crianças matriculadas. Tenho defendido junto ao governo que a gente apresente um projeto de lei na Alesp que permita a contratação de OSs pela Secretaria de Educação para que as OSs de cultura façam a programação cultural e o ensino cultural no contra turno nas escolas de tempo integral. Ainda tem muita entrega, estamos fazendo a ampliação da rede de Fábricas de Cultura e transformando todas elas em Fábrica 4.0, ou seja, trazendo a questão da inovação e da tecnologia. Agora nós entregamos as novas em Osasco e Iguape. E vamos entregar Santos, Ribeirão Preto e Heliópolis. Tem a expansão da Pinacoteca, da Pina Contemporânea, que vamos entregar no final do ano. O Museus das Favelas que está em curso e também precisamos entregar. Estou 100% ficado em assegurar essas entregas e com a obsessão por qualidade que é uma coisa que foi outra afinidade que descobri com Doria e com o Rodrigo.
Miguel Arcanjo Prado – Você se deu bem com os dois governadores?
Sérgio Sá Leitão – Brinco que nós fomos separados na maternidade, temos a mesma visão de mundo. Então, tudo isso exige ainda muita dedicação, todo dia, muita cobrança para que as coisas aconteçam direito e no prazo. Então é isso que a gente vai fazer. E outra coisa também, Miguel, que é importante de se dizer. Que a gente faz um pouco na base da bola de neve. Porque você vai lançando as políticas, lançando os programas, lançando as ações, começa a rodar, começa a crescer e progressivamente vai ficando maior, e vai gerando mais resultados, uma coisa estimula outra. A gente tem agora no segundo semestre uma quantidade inacreditável de eventos e espetáculos para acontecer no nosso ecossistema. Circuito Cultural são 120 municípios, com 8 espetáculos por municípios, são 22 Viradas Culturais Estaduais para acontecer. Ou seja, a partir agora de meados de julho é toda semana. O Retomada SP, que é um edital que a gente fez pela primeira vez agora. Que foi feito para apoiar a grandes eventos culturais no interior, vai apoiar vários eventos, como a Festa do Folclore de Olímpia, o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto e tantos outros como mais de 20 paradas LGBTQIAP+ em municípios do interior. Além disso ainda tem Festa do Imigrante, Festival de Circo, Festival de Batalhas de Rima, Festival de Violas, Guiomar Novaes, de Brake, de Slam, vai ter o Revelando São Paulo. O Arte na Primavera em Campos do Jordão. Semelhante à Agenda Tarsila e à Agenda Bonifácio vamos lançar a Agenda Cultural Paulista, que vai reunir toda essa programação em um só lugar. Então, as coisas não param.
Miguel Arcanjo Prado – Como se sente diante disso tudo?
Sérgio Sá Leitão – Eu me sinto totalmente realizado. Para ser sincero, a única coisa que gostaria de ter feito e não fiz, mas estou deixando um projeto pronto para quem vier, é a criação do Primeiro Centro Cultural no Metaverso, para colocarmos lá todos os equipamentos da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, mas ainda não temos uma tecnologia hoje que nos permita. Mas tenho certeza que é um projeto que daqui a alguns anos vai acontecer. A tendência ao digital é irreversível. É importantíssimo que as instituições culturais e que a cultura estejam presente nesses ambientes digitais. Então, estou deixando esse projeto para o futuro. Enfim, eu tenho a sensação de missão cumprida. Posso acrescentar mais uma coisa?
Miguel Arcanjo Prado – Esteja à vontade.
Sérgio Sá Leitão – Gostaria de fazer um agradecimento muito especial aos governadores. Ao governador João Doria e ao governador Rodrigo Garcia. Porque tudo isso só aconteceu por causa do apoio deles. Durante esses dez anos em que eu persegui o sonho de fazer a biblioteca digital gratuita nessa escala, mais de 15 mil títulos e com essa plataforma, foram poucas as pessoas que entendiam. E o Rodrigo no final de 2019 fez um convite a todas as secretarias que apresentassem novas propostas. Um dos projetos que levei foi justamente esse da BibliON, e ele comprou na hora. Falou: ‘isso é revolucionário e vamos fazer’. E a mesma coisa em relação ao João Doria. João foi o primeiro governador de São Paulo que recebeu lideranças indígenas no Palácio. Isso foi dito pelas próprias lideranças indígenas. Ele abriu a reunião dizendo: ‘nós estamos aqui para ouvir e vocês estão aqui para falar’. Uma das propostas que os líderes indígenas fizeram foi justamente essa, da criação de um museu feito pelos indígenas. Como uma maneira de dar visibilidade para as culturas indígenas e ajudar a vencer os preconceitos. E na hora o João Doria virou para mim e disse: ‘Sérgio essa ideia é espetacular, faça!’. E isso tem pouco mais de um ano. A rapidez no processo mostra o compromisso. Então, estamos falando de suas figuras especiais, sem as quais nada disso tudo que falamos teria acontecido. Então, com o apoio que o João e o Rodrigo me deram, eu posso dizer que a sensação nesta gestão frente à Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo é de missão cumprida.
A sensação nesta gestão frente à Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo é de missão cumprida
Sérgio Sá Leitão
Secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo
Colaboraram Rodrigo Barros e David Godoi.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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