Crítica | Em Algum Lugar Entre as Estrelas costura histórias de amor com delicadeza poética ✪✪✪✪
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
O teatro musical em São Paulo está consolidado. Vinte anos depois do arrasa-quarteirão A Bela e a Fera, icônica montagem no antigo Teatro Abril (atualmente Teatro Renault), a maior metrópole do país vive uma efervescência não só de superproduções vindas da Broadway como também de espetáculos originais brasileiros.
Este tipo de produção, geralmente ocupando salas menores em formato mais intimista, forma o que se poderia chamar de uma potente “off-Broadway paulistana”, espaço de criatividade múltipla e onde artistas do teatro podem testar novas possibilidades.
Prova disso é o excelente musical original brasileiro Em Algum Lugar Entre as Estrelas, de Juliano Marceano, que pode ser visto às quartas e quintas, às 20h30, no sofisticado Espaço ao Cubo, na Barra Funda, o efervescente bairro que vem conquistando cada vez mais os artistas e seus admiradores.
Trata-se de uma sala charmosa sob comando de Ettore Verissimo, importante nome do mercado teatral dos musicais. Um lugar daqueles que faz a gente voltar no tempo, com seu ar anos 1980, repleto de cores do cubo mágico, presentes inclusive nas cadeiras da plateia.
Delicadeza repleta de amor
Mas falemos de Em Algum Lugar Entre as Estrelas, um espetáculo de delicadeza tocante. A obra conta a história de três diferentes protagonistas, entrelaçadas de forma inteligente.
A primeira é a de Paula (Vanessa Rodrigues), uma moça que se apaixona por um militante de esquerda dos anos 1960, que acaba preso e tendo sua vida transformada em um verdadeiro inferno pelos militares.
A segunda história se passa nos anos 1990, com o jovem professor gay Leonardo (Juliano Marceano), que precisa lidar com sua sexualidade em uma sociedade ainda hostil à sua orientação. O personagem faz parte da de uma geração pioneira ao romper todas as amarras dos armários dessa vida.
A terceira personagem é uma garota contemporânea, Gabriela (Michelle Giudice), que não tem muito certeza do amor que quer pra si, uma espécie de noiva em fuga.
A dramaturgia é muito bem escrita e costurada entre esses três protagonistas ao longo de diferentes tempos por meio do absolutamente sensível texto de Juliano Marceano, autor que precisa ganhar cada vez mais espaço como escritor de obras teatrais, porque é muito talentoso.
A segura direção de Celso Correia Lopes aposta na entrega dos artistas no palco e imprime ritmo ágil à encenação, demonstrando criatividade na resolução de cenas com jogos teatrais entre o elenco, sempre sob assistência dedicada de Beatriz Assis.
Elenco vibrante
Os atores de Em Algum Lugar Entre as Estrelas estão vibrantes, indo bem não só nas cenas cantadas como também imprimindo a intensidade necessária à atuação.
O casal feito por Vanessa Rodrigues e Renato Milan constrói uma química rara ao defender este amor atropelado pelos anos de chumbo. A troca entre ambos demonstra uma real união para contar aquela história daquele amor tão machucado pela crueldade de um regime totalitário e que ressiginifca muito no difícil Brasil contemporâneo, insistente em repetir erros do passado.
Autor do espetáculo, Juliano Marceano também demostra sua exuberância na pele do professor gay Leonardo. Dono de certeza cênica incontestável, o intérprete exala carisma próprio que conquista até o mais sisudo espectador, tendo Deivid Bispo como atento par romântico.
Por fim, Michelle Giudice constrói sua Gabriela como uma agradável surpresa no posto daquelas mocinhas típicas de comédia romântica, mas sem perder seu ar próprio. Dona de voz que nos transporta à Broadway, ela também tem a segurança de uma mulher que é senhora de seu destino. Seu par, Diego Bargas, é uma grata surpresa, atuando com sensibilidade e imprimindo ainda mais poesia ao seu texto, sobretudo no monólogo das estrelas.
Completam o time de atores a multifacetada Gabrielle Felippe e os stand-ins Vivian Moraes e Leonardo Lima.
As envolventes músicas de Paulo Ocanha com letras de Gabriela Gonzalez ganham direção musical intimista de Ettore Veríssimo — com afinado desenho de som de Paulo Altafim, bem como também o são os sutis movimentos criados por Marcelo Vasquez.
A cenografia de Guilherme Viezzer também aposta na simplicidade. Roberta Giotto traz a seus figurinos referências temporais que ajudam o público a se conectar no tempo de cada história, bem como o cuidadoso visagismo de Antônio Vanfill. A luz de Júnior Docini contribui para criar a atmosférica poética necessária, sobretudo quando diminui sua intensidade.
Musical imperdível
Então, se você quer um pouco de poesia no meio da sua semana, corra pro Espaço ao Cubo na Barra Funda para ver Em Algum Lugar Entre as Estrelas. Certamente, este espetáculo imperdível vai tirar você da dureza dilacerante dessa metrópole e vai lhe transportar para um universo onde o brilho no olhar ainda é algo possível.
Em Algum Lugar Entre as Estrelas
Avaliação: Muito Bom ✪✪✪✪
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Quartas e quintas, 20h30, no Espaço ao Cubo, na Rua Brigadeiro Galvão, 1010, Barra Funda, São Paulo, com duração de 120 minutos e classificação etária para maiores de 12 anos até o fim de julho. Retire seu ingresso!
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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