Raphael Callou, diretor da OEI no Brasil, reforça importância de internacionalizar cultura brasileira no Festival de Edimburgo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
ENVIADO ESPECIAL A EDIMBURGO*
Diretor há quatro anos da OEI no Brasil – Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura, Raphael Callou acompanhou de perto a viagem de dez empresas do setor teatral paulista ao Festival de Edimburgo – Fringe, na Escócia, no fim do mês de agosto.
A forte presença brasileira no maior evento cênico do mundo foi marcada ainda pela apresentação da peça Isto É Um Negro, premiada como destaque na programação do Summerhall, levada para o evento em parceria com a MITsp – Mostra Internacional de Teatro de São Paulo.
A missão internacional em Edimburgo foi fruto de parceria da OEI no Brasil com a Secretaria de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, a InvestSP e a Secretaria de Relações Internacionais do Estado de São Paulo, por meio do programa Creative SP, que busca internacionalizar a produção cultural paulista e também criar pontes e financiamentos internacionais para nossas produções artísticas.
Raphael Callou ainda acompanhou no Parlamento Escocês a Edinburgh International Culture Summit, a Cúpula Internacional de Cultura de Edimburgo, que reuniu os líderes mundiais do setor e que contou com emblemático discurso de Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura e Economia Criativa de São Paulo, em defesa da cultura brasileira.
No intervalo de uma das sessões da Cúpula de Edimburgo, no restaurante do Parlamento Escocês, o executivo pernambucano conversou com exclusividade com o Blog do Arcanjo.
Leia a entrevista a seguir:
Miguel Arcanjo Prado – Rafael, qual é a importância da OEI no Brasil estar presente nesta missão brasileira aqui no Festival de Edimburgo e na Cúpula de Edimburgo?
Raphael Callou – A OEI no Brasil já vem apoiando a cultura brasileira em diversos festivais internacionais e diversas expressões artísticas distintas, fomentando a participação do Brasil como um meio de apoio à internacionalização de setores que compõem a economia criativa brasileira. Já em parceria com o Estado de São Paulo, nós participamos do Festival de Cannes, do Festival de Berlim, do mercado do filme europeu. Esta ação se iniciou em 2019, mas a pandemia acabou comprometendo um pouco a nossa presença física dentro desses festivais, o que se deu de modo digital no período da quarentena. A OEI tem um projeto amplo de apoio à cultura e economia criativa no Brasil nos últimos quatro anos. Tivemos o investimento de quase 20 milhões de reais, orientados tanto para parte de acesso à cultura, como também para parte de formação, de geração de redes, para formação da economia criativa.
Miguel Arcanjo Prado – Por que é importante investir em formação?
Raphael Callou – Um dado importante é que muitas vezes você tem a prática profissional sem a formação compatível na área. Uma das coisas que a gente quer fortalecer é exatamente a formação dentro do espectro da economia criativa. Várias iniciativas são realizadas dentro desse panorama. Nós lançamos com a Fundação Roberto Marinho no ano passado a Escola Virtual de Economia Criativa, chamada Coliga, que já tem 15 mil estudantes matriculados. Uma escola completamente gratuita e que oferece 35 cursos.
Miguel Arcanjo Prado – Vocês também estão à frente do Museu de Arte do Rio.
Raphael Callou – Temos no Rio de Janeiro, na parte de acesso à cultura, o Museu de Arte do Rio, que já há 20 meses é gerido pela OEI e que já tem um público nesse período superior a 360 mil pessoas. E temos diversas outras iniciativas em diferentes locais do país, mas na parte de mercado, algo que a gente inaugurou em 2018, na oportunidade em que o Sérgio Sá Leitão era ministro da cultura, foi o mercado das indústrias criativas do Brasil (MICBR). Tal como existe o MICA na Argentina, tal como existe o MICSUL na Colômbia, o MICBR promove o desenvolvimento desse mercado das indústrias criativas do Brasil como oportunidade, tanto de discussão e de debate sobre diversos temas, a também o espaço de rodadas de negócios.
Miguel Arcanjo Prado – Este tipo de ação dá resultados para o mercado cultural?
Raphael Callou – Nesta última edição do MICBR, realizada no final do ano passado, nós tivemos uma geração de negócios da ordem de 60 milhões de reais. Então, uma defesa que a gente faz, e temos um estudo recém publicado com a CEPAL, que mostra que de 2 a 4% do PIB da região Ibero-Americana estão associados à economia criativa, o que inclui América Latina, Portugal e Espanha. O estudo também mostrou que, em média, 1,7% dos trabalhos formais estão associados ao setor criativo. Então, a gente entende a importância que esse setor tem do ponto de vista da inclusão produtiva, da geração de oportunidade, de emprego e de renda. E, para fortalecer cada vez mais, a gente atua nesses 4 eixos: acesso, desenvolvimento de novos negócios, geração de redes dentro da cultura e a parte de formação para economia criativa.
A internacionalização da cultura fortalece a dinâmica de um setor que é extremamente produtivo e benéfico para o país.
Raphael Callou
diretor da OEI no Brasil
Miguel Arcanjo Prado – Qual a importância da internacionalização neste contexto?
Raphael Callou – A internacionalização da cultura é super importante e fortalece a dinâmica de um setor que é extremamente produtivo e benéfico para o país, mas que, sem dúvida, ganha um novo potencial de divisas, na medida que se internaliza tanto para o desenvolvimento de itinerâncias como também para produções que podem ser estruturadas no próprio país, a partir desses contatos, desse momento de interlocução que é super propício ao estabelecimento de novas parcerias, como aqui no Festival de Edimburgo.
Miguel Arcanjo Prado – O teatro tem uma força muito grande em Edimburgo, que inspirou o Fringe do Brasil, que é lá no Festival de Teatro de Curitiba, Mas, no Brasil, o teatro não é visto à altura da potência que é. Você falou dessa vocação ibero-americana em fazer da cultura um gerador de renda. Qual a importância de trazer um espetáculo brasileiro para um temporada de quase um mês aqui em Edimburgo, onde os olhos do mundo cênico estão voltados nesse momento?
Raphael Callou – Eu acho que é enorme, tanto do ponto de vista de desenvolvimento de cada vez mais reputação, como do ponto de vista do desenvolvimento de mercado. Você tem um público consumidor enorme, composto não somente por brasileiros. Eu entendo que aproveitar essa oportunidade e desenvolver bem essa reputação segmenta a tradição que a gente já tem nesse setor, mas também fortalece a capacidade que a gente tem cada vez mais de desenvolver essa presença e o conhecimento a respeito das produções contemporâneas e tradicionais que nós temos no Brasil. As artes cênicas respondem por uma fatia importante da economia criativa no Brasil, embora ainda não seja a manifestação artística de maior dimensão do ponto de vista dessa cadeia produtiva. Eu acho que é exatamente por isso que a gente traz a importância de poder fortalecer cada vez mais esse setor. Você pega o caso dos musicais no Brasil, a capacidade de mercado e a geração de emprego e renda associados a esses grandes espetáculos é tremenda. Então, entendo que profissionalizar e cada vez mais gerar oportunidade para fortalecer essas produções, traz aí uma nova oportunidade de fortalecimento disso como política pública e como legado para a economia criativa brasileira.
Miguel Arcanjo Prado – O InvestSP tem papel fundamental nesta internacionalização?
Rapahel Callou – Sim. Nesse sentido, a própria dimensão do formato que é constituído esse apoio que o InvestSP tem colocado, em que há uma participação também das próprias produtoras nestas viagens internacionais. Você tem um auxílio do Estado, mas a produtora entende aquilo também como um investimento que ela precisa aportar e, portanto, estabelecer um retorno que ela precisa produzir sobre esse investimento, que acho também contribui para o êxito dessa iniciativa.
Miguel Arcanjo Prado – As artes cênicas têm como característica de ter um público muito qualificado e formador de opinião. Você percebe isso no Brasil?
Raphael Callou – Eu acredito que sim e uma das formas que a gente tem de fortalecer o teatro é exatamente garantir e fortalecer a geração contínua de público e de audiência. Criar acesso é nossa principal estratégia. A gente não consegue fortalecer, nem consegue defender, aquilo que a população de forma ampla não se sente, digamos assim, detentora. Quando a população não se apropria do seu patrimônio cultural, ela também não é capaz de fazer a defesa da relevância que ele tem no contexto nacional. Então, acho que fortalecer o acesso cada vez mais também é uma ferramenta importante de garantia e de perenidade do apoio e das políticas públicas orientadas ao setor cultural, e isso, naturalmente, contempla as artes cênicas.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a importância da OEI neste contexto?
Raphael Callou – A sede da OEI é em Madri. É uma organização que já tem 73 anos de trabalho dentro desses mandatos institucionais. Que são educação, cultura e ciência. E a gente tem fortalecido cada vez mais o eixo da cultura como um eixo estratégico. A educação hoje responde por aproximadamente 70% das atividades que a OEI realiza na região. E a cultura, que representava cerca de 10%, já chega agora a 20% dentro da participação dos investimentos que a OEI tem realizado nos 23 países que compõem a organização.
Miguel Arcanjo Prado – Nestes quatro anos na direção da OEI no Brasil, você sente a instituição mais presente na cultura brasileira?
Raphael Callou – Sem dúvida. Hoje somos 500 pessoas entre membros do quadro da OEI e especialistas vinculados a projetos específicos. No âmbito dos últimos 4 anos nós tivemos duas edições do MICBR, nós tivemos uma cooperação bastante frutífera que desempenhou a maior pesquisa regional sobre cultura e economia criativa, foi realizada pela OEI no Brasil em cooperação com a Cepal. Nós temos o Paço Criativo em Recife, que formou 2.500 pessoas por meio de 42 cursos que foram ofertados na parte de educação orientada à economia criativa. Nós temos um grande projeto, numa região emblemática do Rio de Janeiro, que é a Pequena África, por meio do Museu de Arte do Rio, que nesse período já constituiu 17 exposições, além de todas as atividades educativas em benefícios da rede municipal de educação da Cidade do Rio de Janeiro. Nós temos o Co.Liga, escola virtual e gratuita de economia criativa, que já impactou em 15.000 pessoas matriculadas nos cursos desenvolvidos nessa escola virtual. Nós temos a participação do Brasil nos Festivais de Cannes e de Berlim, no Fringe de Edimburgo agora. No Festival de San Sebastian muito em breve. E tudo isso tem a contribuição efetiva da OEI.
Miguel Arcanjo Prado – Quando se fala em cultura, Brasil e América Latina têm papel estratégico?
Raphael Callou – A OEI no Brasil, como organismo internacional, entende que nossa região tem na cultura uma característica fundamental e estratégica do pondo de vista da economia criativa como geradora de renda e de desenvolvimento social. Nossa estratégia não é simplesmente de realizar isso sozinho, mas de ter uma contribuição que estruture as próprias instituições com as quais a gente trabalha. De forma a ter um legado permanente em que essas políticas públicas e que essas iniciativas depois possam se manter, a partir da própria estrutura de articulação que é criada e fomentada pela OEI. Eu acho isso também é uma contribuição importante, mas sim, eu acho que a gente está muito presente e que tem feito um trabalho importante dentro da cultura brasileira, latino e ibero-americana.
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*O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viaja ao Festival Fringe no 75º Festival Internacional de Edimburgo, na Escócia, Reino Unido, a convite de Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo, Organização de Estados Ibero-americanos para Educação, a Ciência e a Cultura no Brasil (OEI) e Invest SP.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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