Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Muito Pelo Contrário ★★★★
O Crepúsculo do Macho é o título de um excelente livro que Fernando Gabeira lançou no começo dos anos 1980, logo após voltar do exílio e causar na praia de Ipanema com sua minúscula sunga de crochê, colocando o macho em um novo lugar.
O título do livro de Gabeira bem que poderia ser o da peça Muito Pelo Contrário, provocativo texto do escritor Antonio Prata interpretado por um absolutamente entregue Emílio Orciollo Neto, sob direção da premiada Vilma Melo e de Victor Garcia Peralta, este último responsável pela direção do arrasa-quarteirão Os Homens São De Marte… E É Pra Lá Que Eu Vou, que lançou Mônica Martelli ao estrelato com as angústias femininas do texto da atriz.
Agora, quem ocupa a cena é o macho, atordoado diante de seu crepúsculo — tal qual o macho de classe média dos anos 1970 se viu num novo lugar com a primeira grande onda do feminismo, o macho contemporâneo também tem seu padrão patriarcal questionado diariamente pelas novas correntes feministas.
O solo traz as confissões, em alguns momentos um pouco adolescentes, de um homem de classe média, preso na quarentena com sua mulher e o bebê recém nascido do casal. Em um cenário no qual fraldas e roupas de bebê se espalham pelos varais, ele expõe tudo que uma criança, com suas demandas constantes, provoca na vida a dois, praticamente deixando a libido em último plano.
Diante das novas obrigações familiares, o personagem se ressente da vida sexual inexistente e do marasmo que o casamento e paternidade provocaram em sua vida. A peça é praticamente uma sessão de terapia deste homem, muito bem interpretado por Orciollo Neto.
De ares supostamente moderninhos, o personagem faz confissões indigestas a um público pretensamente progressista e politicamente correto, desconstruindo algumas verdades absolutas que essa turma impõe com suas garras afiadas.
O macho em questão, apelidado por muitos de “esquerdomacho”, tem nessa peça o seu lugar de fala — por mais que isso provoque risadas nervosas em alguns espectadores, como quando fala sobre transexuais.
Mas, afinal de contas, filosoficamente falando, em uma democracia todos não teriam o direito de ser como são? E de confessar seus receios, anseios, desejos e dilemas? Essas perguntas pairam no ar diante deste espetáculo.
Ao ter coragem para verbalizar o que não pode mais ser dito na bolha que frequenta os bares da Santa Cecília, o bairro moderninho paulistano, o espetáculo não deixa de representar a resposta de um tipo que sempre teve o domínio de tudo e que se sente altamente desconfortável diante do novo papel que a sociedade contemporânea lhe impôs: o do silêncio.
Muito Pelo Contrário traz o “esquerdomacho” que não conseguiu ouvir calado por muito tempo as falas que o silenciaram. E resolveu falar também, retomando seu poder de discurso.
Por mais que se venda como um progressista, o protagonista da peça nos lembra que suas angústias não deixam de ser um grande privilégio. E que encarar a tal “desconstrução” imposta goela abaixo não é tarefa fácil.
Afinal, como canta Caetano, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. E quem é este crítico para sair por aí como uma Rainha de Copas de Alice No País das Maravilhas, vociferando o pode e o que não pode. Deixa o povo ser. Até porque, teatro, quando é bom, provoca algum tipo de reflexão.
Muito Pelo Contrário ★★★★ Muito Bom
Avaliação pelo crítico Miguel Arcanjo Prado
Colaboraram Rodrigo Barros e Fernando Sant’Ana.
Veja como foi a estreia de Muito Pelo Contrário
Muito Pelo Contrário
Teatro Unimed – Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2159, Jardins, São Paulo. Temporada prorrogada: até 30/10/2022. Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h. Inteira – R$ 90,00 (plateia), R$ 70,00 (balcão). Meia-entrada – R$ 45,00 (plateia) e R$ 35,00 (balcão). Clientes Unimed têm 50% de desconto com apresentação da carteirinha. Descontos não cumulativos. Horários da Bilheteria: Sexta e sábado, das 13h30 às 21h30. Domingos, das 10h30 às 18h30. Duração: 70 minutos. Classificação: 14 anos. Capacidade: 249 lugares. Gênero: Comédia. Retire seu ingresso!
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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