Tiago Barbosa se consagra como astro internacional do teatro e quer audiovisual: ‘Conquistei essa coroa com muito trabalho’
Carioca radicado em Madrid, ator se despede do personagem Milton Nascimento no musical Clube da Esquina – Os Sonhos Não Envelhecem aprovado por Fernanda Montenegro e pelo próprio Bituca, de quem ficou amigo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O bairro paulistano da Liberdade respira apressado no fim de uma caliente tarde de primavera quando encontramos Tiago Barbosa no Estúdio Na Sala, da respeitada fotógrafa Silvana Garzaro, localizado em uma charmosa vila italiana do começo do século 20, para esta entrevista exclusiva.
Profissionalíssimo, bem antes do horário marcado, o astro já está pronto para começar a sessão de fotos que ilustram esta matéria, na companhia de sua fiel assessora, Grazy Pisacane, a quem consulta qual das camisas enviadas pela grife Kuavi, especializada em moda africana, deve usar.
Afinal, não é à toa que estamos diante da maior estrela internacional do teatro musical que o Brasil produziu. Nome que elevou nossos palcos a um novo patamar. Tiago é um artista absolutamente consciente do que representa e da força da trajetória que constrói.
Volta triunfal
Após anos na Europa, como protagonista de musicais em Madrid, na Espanha, para Tiago Barbosa o ano de 2022 foi de volta triunfal à terra natal. “Foi um ano incrível”, define.
O retorno foi para interpretar um dos maiores músicos brasileiros da história, Milton Nascimento. O ator e cantor encerra neste domingo, 18 de dezembro, no Teatro Liberdade, localizado a duas quadras do estúdio onde posa com habilidade para as fotos, uma temporada consagradora de Clube da Esquina – Os Sonhos Não Envelhecem (retire seu ingresso).
O espetáculo dirigido por Dennis Carvalho foi criado a partir do livro de Márcio Borges, com a história do movimento musical que culminou naquele que seria um dos mais icônicos discos da MPB, Clube da Esquina, lançado há exatos 50 anos, em 1972.
Proximidade com Milton Nascimento
A temporada do musical começou em Belo Horizonte e passou por Ipatinga e Rio de Janeiro, antes de aportar na capital paulista. Ela rendeu feitos históricos a Tiago Barbosa, como a bênção pública de Fernanda Montenegro no camarim, e a proximidade com Milton Nascimento, que o apelidou de “Meu Bituquinha” em uma visita que fez à casa do cantor e compositor.
A conexão foi tanta que, mesmo tendo visto a obra no Rio, Milton fez questão de viajar a São Paulo para estar novamente na plateia e no camarim com Tiago, no penúltimo fim de semana da temporada. “Ele disse que não vai deixar eu voltar para Madrid”, conta Tiago, que sai da última sessão direto para o aeroporto, já que tem voo marcado para a Espanha para esta segunda, 20 de dezembro.
Encontro com Bituca
Sair de uma personagem drag feminina para mergulhar na introspecção de Bituca, como Milton Nascimento é carinhosamente chamado, foi um grande desafio. “Saí de uma mulher para assumir um personagem com o mais absoluto respeito que tenho por esse homem que botou suas digitais na música popular brasileira e fez história. Não poderia dizer não a este personagem”.
O ator define como um dos momentos mais importantes de sua vida o jantar na casa de Milton. “Ele me chamou e estava em São Paulo. A produção do espetáculo foi muito parceira e comprou um voo de última hora. Assim, fui para o Rio encontrá-lo, ao lado do meu diretor, Dennis Carvalho. Quando cheguei, o Milton me disse: ‘Quando você canta a música Menino, sou eu cantando quando jovem’. Eu caí no choro”, recorda.
A noite com Milton Nascimento foi inesquecível. “Fiquei como um neto ouvindo as histórias de seu avô. Criamos uma conexão ancestral. Isso coroou todo meu trabalho”, define. “Quando o Milton Nascimento soube que eu vou voltar a Madrid, ele me disse: ‘Eu não vou deixar você ir embora’”.
Bênção de Fernanda Montenegro
Outro momento icônico foi quando Tiago Barbosa estava no camarim entre os dois atos da peça e viu surgir em sua frente ninguém menos que a maior atriz do Brasil e a única latino-americana indicada ao Oscar, a imortal da Academia Brasileira de Letras Fernanda Montenegro. “Ela chegou no camarim já me abraçando e dizendo: ‘Abençoado, meu filho’”. Depois do segundo ato, Fernanda fez questão de retornar ao camarim para uma conversa mais profunda. “Ela me perguntou: ‘você é feliz?’, ‘você tem amigos?’, como uma avó cuidando de um neto. Ela sabe que é um lugar de muita solidão este que vivo”, fala, emocionando-se.
Oportunidades para artistas negros
A volta ao Brasil também lhe fez perceber que hoje há mais oportunidades para artista negros do que quando começou, apesar de ainda faltar muito mais. “Eu chorei quando vi Marrom, O Musical, porque vi aquele monte de artistas negros talentosos no palco, o que desmentia o que muitos produtores sempre usavam de justificativa para não escalar mais atores negros em suas produções, que não havia gente preparada, aquela velha história que a gente conhece”.
O artista pede mais união à comunidade negra. “Muitas vezes, vejo ataques internos que só enfraquecem, enquanto que deveríamos nos unir mais e nos defender. Não podemos ser alvos de nós mesmos, nos comparando ou buscando possíveis erros uns nos outros, porque é isso que o sistema racista quer”.
Começo em O Rei Leão
Tiago Barbosa surgiu para o mercado do showbusiness em 2012, há exatos dez anos, quando a diretora norte-americana Julie Taymor chorou ao ver seu teste para o personagem Simba e o elegeu protagonista da montagem de O Rei Leão, superprodução da Broadway no Teatro Renault, em São Paulo. “Ninguém jamais fez Simba como Tiago Barbosa. Nunca. Em nenhum lugar”, declarou a estadunidense.
Aclamado pela crítica e pelo público, O Rei Leão cumpriu dois anos de casa lotada e alto faturamento entre 2013 e 2014. Na sequência, Tiago esteve em Mudança de Hábito, no Teatro Bradesco, e em Cinderella, O Musical, no Teatro Alfa, onde conquistou a façanha histórica de ser o primeiro príncipe negro em uma superprodução musical no Brasil, sendo o primeiro ator negro do mundo a viver o Príncipe Topher.
Triunfo espanhol
Logo após o feito, recebeu convite para ir à Espanha fazer teste para viver novamente o personagem que o lançou, O Rei Leão, na versão madrilheña do musical da Broadway.
Ficou em quarto lugar nos primeiros testes, mas não desistiu em sua obstinação com o idioma castellano — que hoje fala de modo fluente com o acento madrileño — até conquistar o protagonista mais uma vez, interpretando Simba por cinco anos e tendo seu rosto espalhado por outdoors, metrô e ônibus de Madrid, feito inédito para um ator brasileiro em uma grande capital europeia.
Mesmo em lugar de destaque, Tiago precisou lidar com o racismo arraigado em muitos espanhóis.
“Muitos acham que todo negro é africano e ainda chamam a nós negros de pessoas ‘de color’, o que nos coloca no lugar de diferentes dos demais. Se aqui no Brasil, onde negros são maioria da população o racismo estrutural ainda é terrível, imagina isso na Espanha, no país do colonizador”, pontua.
Após as incertezas do período do confinamento, veio uma nova sacudida em sua carreira, quando recebeu o convite após participar de um reality na TV espanhola para protagonizar o musical Kinky Boots, na pele da belíssima e espevitada drag queen Lola.
A personagem desafiante representou sua consagração na concorridíssima cena teatral madrilheña, já que ficou entre os cinco melhores intérpretes indicados a Melhor Ator dos Prêmios do Teatro Musical, ao lado de nomes como Antonio Banderas, pela peça Company, em uma lista que teve como vitorioso o espanhol Avelino Piedad pela obra En Tierra Extraña.
‘Se fosse branco, estaria na Globo’
Mesmo com tanto reconhecimento internacional, como convite para cantar para o rei e para o presidente da Espanha e na Embaixada dos Estados Unidos na Espanha, o Brasil ainda deve convites à altura do talento e dos feitos de Tiago Barbosa. Afinal, já era tempo de o grande público poder vê-lo na televisão.
A ausência de Tiago Barbosa em novelas, filmes e séries no Brasil, nos faz lembrar a icônica frase de Tom Jobim, quando fez sucesso internacional com a música Garota de Ipanema, primeiro lugar nas paradas do mundo na década de 1960: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.
O carioca Tiago Barbosa parece concordar com seu conterrâneo. “É desrespeitoso, depois de construir toda essa trajetória, eu ter de ir para uma fila com um número 35”, afirma.
“Ser negro e ter sucesso ainda é algo ainda mais difícil, porque as pessoas não reconhecem. Se eu fosse um artista branco e tivesse conquistado tudo que conquistei, estaria na Globo.
Tiago Barbosa
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Cuidados para se manter no auge
Para manter a energia em riste, o artista é cuidadoso com a alimentação e com seu corpo, mantendo rotina diária de exercícios. “Preciso ter meu corpo e minha voz preparados para entregar 15 canções perfeitas em um show. Se é sessão dupla, são 30. Não dá para brincar. Em Clube da Esquina, sequer tenho um cover. Estreei sabendo que teria de fazer todas as sessões. Não posso nem pensar em pegar um resfriado”, avisa.
Amor pelo sobrinho
O retorno ao Brasil para ser Milton Nascimento aconteceu por conta de ter vindo conhecer seu sobrinho, Enzo, atualmente com quatro anos. Ele manteve contato com o afilhado apenas pela internet durante o difícil período de isolamento social.
A vontade de conviver mais com o pequeno e lhe transmitir o seu legado, fez com que aceitasse o convite de Dennis Carvalho para viver o grande astro da música mineira. “Precisava alimentar no Enzo essa memória afetiva”, diz, com os olhos brilhando. Assim, aproveitou este período no Brasil para levar o sobrinho à praia ou ao Zoológico no Rio de Janeiro. “Essa convivência com ele nessa idade não tem preço e é o mais importante para mim neste momento”, afirma.
Mas, o que é mais importante para Tiago Barbosa? “Nada tem mais valor que a minha família. Hoje, o que me pulsa é o Enzo, meu sobrinho de quatro anos, poder mostrar a ele que ele pode ser o que quiser ser, ele é uma esperança”.
Novo Rei Leão
Perguntamos o que acharia de reviver o protagonista de O Rei Leão, agora mais maduro, na retomada do musical em São Paulo em 2023. Ele diz que até seria interessante revisitar Simba de uma nova perspectiva, mas prefere dar espaço aos mais novos. “Eu seria muito egoísta se agarrasse esse personagem novamente. A sociedade brasileira precisa de novos Simbas, como eu fui dez anos atrás. É preciso nascer um novo rei, é o ciclo sem fim da vida, como ensina o musical”.
A sociedade brasileira precisa de novos Simbas, como eu fui dez anos atrás. É preciso nascer um novo rei.
Tiago Barbosa
ator
Desejo de fazer audiovisual
Com a maturidade de tantas experiências e entregando cada vez mais como ator, Tiago Barbosa segue com sede de mais. Na volta a Madrid, onde já tem cidadania espanhola, pretende tornar-se um gestor de carreiras artísticas, além de alçar novos voos no audiovisual. “Quero muito fazer séries e cinema na Europa. E aqui no Brasil também, caso me convidem, a gente bate as agendas. Eu sei o lugar que quero ocupar”, diz, confiante.
Sonho de desfilar na Marquês de Sapucaí
Antes de a conversa chegar à reta final, Tiago Barbosa revela um sonho embalado desde menino que ainda não se concretizou. “Sou carioca, amo o samba e nunca desfilei em escola de samba do Carnaval. Se pintar um convite desses, eu paro tudo em Madrid e venho na hora”, avisa.
‘Eu quero mais’, avisa Tiago Barbosa
E o que mudou no Tiago Barbosa de hoje em relação ao de dez anos atrás? “Antes era tudo muito mais nebuloso para mim, eu queria ser um homem respeitado e mudar a minha vida e da minha família daquele contexto social em que estávamos. Hoje, eu tenho mais sangue nos olhos, eu tenho muito mais claro o que eu quero, o que eu tenho, o que não tenho, o que eu quero ter e para onde vou. Eu quero mais. Afinal, quem aprende a segurar as rédeas neste difícil mercado do entretenimento é quem triunfa. Eu sei que sou um príncipe dentro desse universo. Furei uma bolha muito difícil de romper. E eu não herdei essa coroa. Eu conquistei essa coroa com muito trabalho, tenho muito orgulho de quem me tornei”.
O Brasil também tem muito orgulho de você, Tiago Barbosa.
ESPECIAL
Blog do Arcanjo
Ficha Técnica
Ator convidado: Tiago Barbosa
@tiagobarbosaoficial
Moda: Kuavi
@kuavi_africa
Assessoria: Grazy Pisacane – GPress Comunicação
@grazypisacane.gpress
Fotografia: Silvana Garzaro
@silvanagarzaro_foto
Locação: Estúdio Na Sala
@estudionasala
Entrevista, edição e produção: Miguel Arcanjo Prado
@miguel.arcanjo
Agradecimentos:
@musicalsonhosnaoenvelhecem e @teatroliberdadesp
Veja as fotos do ensaio com Tiago Barbosa para o Blog do Arcanjo pelo olhar da fotógrafa Silvana Garzaro no Estúdio na Sala
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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