Raquel Hallak se consolida como liderança do audiovisual brasileiro: ‘Mostra de Cinema de Tiradentes revela filmes que não têm espaço em outros lugares’
À frente do Cinema sem Fronteiras, Raquel Hallak comanda a Mostra de Cinema de Tiradentes, a CineOP e a CineBH, em Minas Gerais, e é um dos nomes mais respeitados do setor audiovisual brasileiro
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Raquel Hallak hoje é uma das mulheres mais influentes e poderosas no audiovisual brasileiro. Respeitada por artistas, imprensa, técnicos e outros profissionais do setor, ela está à frente da Universo Produção, empresa de produção cultural mineira fundada por ela em 1994 e que realiza o projeto Cinema sem Fronteiras, que reúne os três mais importantes eventos do audiovisual em Minas Gerais: a Mostra de Cinema de Tiradentes, que chega à 26ª edição entre 20 e 28 de janeiro de 2023; a CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, que fará 18ª edição em junho deste ano; e a CineBH – Mostra de Cinema de Belo Horizonte, que realiza 17ª edição em setembro próximo com a 14ª edição do Brasil CineMundi, que busca estabelecer um mercado de cooperações internacionais para o nosso cinema.
Após a incertezas da pandemia e do último governo federal, implantou neste ano o Fórum de Tiradentes, reunindo mais de 70 profissionais para discutir o futuro do audiovisual brasileiro e apresentar propostas ao recém-criado Ministério da Cultura com o objetivo de recuperar as produções nacionais. A abertura do Fórum de Tiradentes contou com a presença da ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal – STF, o que deu ainda maior peso político nacional ao evento, com uma fala em defesa da cultura e de amor ao cinema por parte da magistrada.
Radicada em Belo Horizonte e nascida em 28 de dezembro de 1968 em São João del-Rei, Raquel Hallak é formada em Comunicação Social pela PUC Minas com especialização em Gestão de Planejamento pela Fundação Dom Cabral. Entre as muitas atividades que lotam a charmosa Tiradentes – todas sob seu olhar e comando atento –, Raquel Hallak fez uma pausa para conversar com o jornalista Miguel Arcanjo Prado na entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo que você lê a seguir.
Miguel Arcanjo Prado – A Mostra de Cinema de Tiradentes chega à sua 26ª edição com um novo momento nacional para nosso cinema, com a retomada do Ministério da Cultura. Como vê este momento?
Raquel Hallak – Depois de duas edições online, retomamos ao presencial abrindo o calendário audiovisual brasileiro num cenário promissor de um novo ciclo para o setor audiovisual e cultural com a recriação do Ministério da Cultura.
Miguel Arcanjo Prado – Qual é o clima desta edição?
Raquel Hallak – O clima aqui é de esperança, muito trabalho, colaboração, encontros, trocas de conhecimento e afetos. Planejamos uma edição para oferecer ao público uma experiência audiovisual recheada de atrações. Por aqui tem arte por toda parte. Na praça, na tenda e no teatro, o cinema brasileiro contemporâneo está sendo projetado nas telas, com a oferta de uma programação abrangente, intensa e gratuita que vai agradar todas as idades, em um grande encontro com o público neste cenário cinematográfico que é a cidade de Tiradentes. Além disto, tem uma frente de reflexões, formação, pensamento e revisão de políticas públicas, de entendimento das nossas imagens com foco na temática desta edição, Cinema Mutirão.
Miguel Arcanjo Prado – O ano de 2023 marca a estreia do Fórum de Tiradentes. Qual o objetivo deste encontro dentro da Mostra de Cinema de Tiradentes? Quem está presente?
Raquel Hallak – Numa iniciativa inédita, a Mostra Tiradentes promove o 1o Fórum de Tiradentes – Encontros pelo Audiovisual Brasileiro, sob a minha coordenação juntamente com Mário Borgneth, cineasta, produtor e ex-Secretário do Audiovisual, Alfredo Manevy, cineasta, produtor, professor e ex-Secretário Executivo do Ministério da Cultura e que conta com a participação de mais de 70 profissionais de diversos segmentos do audiovisual brasileiro que atuam em cinco grupos de trabalho – os GTs do Fórum de Tiradentes, coordenados por: GT Formação (Adriana Fresquet), GT Produção (Cíntia Bittar), GT Distribuição (Lia Bahia), GT Exibição/Difusão (Pedro Butcher) e GT Preservação (Hernani Heffner). O Fórum de Tiradentes tem por objetivo elaborar diagnóstico dos pontos críticos da atividade e a construção de balizadores para a formulação de novas políticas públicas, tendo por atenção prioritária o fortalecimento das cadeias produtivas regionais e garantias para a diversidade de expressão. O intuito é elaborar um conjunto de recomendações que possa sinalizar positivamente para as novas estruturas de governança do setor, reunidas sob a premissa estratégica de valorização dos 4 Ds: descentralização, diversidade, desenvolvimento econômico e democracia. A dinâmica dos trabalhos propõe a abordagem dos segmentos em formação, produção, distribuição, exibição e preservação do audiovisual, tendo por objetivos a identificação dos pontos críticos de cada segmento, a legislação normativa incidente e suas lacunas, além dos pontos considerados prioritários para a ação de fomento público, sempre levando em consideração focal a valorização das cadeias produtivas regionais e o reconhecimento do amplo conjunto de atores em exercício.
Miguel Arcanjo Prado – A Mostra de Cinema de Tiradentes colocou Minas Gerais no mapa audiovisual nacional e internacional, que culminou com o recente sucesso do filme Marte Um. Você sente orgulho em ver o evento como parte crucial do destaque que o cinema mineiro vem tendo nos últimos anos?
Raquel Hallak – Não apenas a Mostra de Cinema de Tiradentes e, sim, a realização do programa Cinema sem Fronteiras que reúne as três mostras anuais que a Universo Produção realiza em Minas Gerais, tem sido preponderante na formação de profissionais, na projeção, visibilidade e na circulação internacional dos filmes mineiros e também dos brasileiros. Além das Mostras, a produtora realiza o Brasil CineMundi – Internacional Coproducion Meeting – o evento de mercado do cinema brasileiro – que tem dado um espaço de destaque para projetos em desenvolvimento em longas-metragens. O Brasil CineMundi tem apresentando ao mercado internacional uma seleção anual de mais de 30 projetos que participam de rodadas de negócios e recebem também mentorias, assessorias e participam de programa de formação – laboratórios, masterclasses e workshops. As produções mineiras têm se destacado neste cenário. Na última década, coproduções brasileiras (em especial, produções de Minas Gerais) de longas, médias e curtas-metragens estiveram e foram premiadas em vários festivais importantes – Berlim, Cannes, Roterdã, FID-Marseille, Toronto, Indie Lisboa, Sundance e Bafici, além de projetos selecionados para laboratórios ou encontros de mercado nos circuitos da Europa, Estados Unidos e América Latina. Despontou nos últimos anos como cinematografia vigorosa, criativa, diversa, que encontrou, em especial, em uma das três Mostras da Universo, seu lugar de formação e/ou estreia despertando interesse do mercado, de programadores e curadores de festivais internacionais.
Miguel Arcanjo Prado – A Mostra de Cinema de Tiradentes conquistou um grande respeito do jornalismo cultural especializado. Acha que essa parceria com a imprensa é parte da credibilidade que o evento tem hoje?
Raquel Hallak – É um privilégio contar com a cobertura jornalística nas edições anuais da Mostra. Anualmente são mais de 60 veículos presentes atraídos pelo conceito, programação e perfil do evento, entre eles o Blog do Arcanjo. Acredito que é fundamental a soma de vários agentes e ações para o sucesso e credibilidade da Mostra – os profissionais que fazem os filmes, as empresas que viabilizam, os que divulgam, os que pensam, os que atuam, o público que comparece, a equipe curatorial que seleciona os filmes, a organização que materializa e faz acontecer de forma competente o que se pretende realizar em cada edição.
Vejo o streaming como aliado do cinema, tanto para ampliar o fomento à produção, a difusão e circulação, o alcance e o mercado para o cinema brasileiro. No entanto, o que se faz urgente é a regulamentação da atividade no Brasil.
Raquel Hallak
Diretora da Universo Produção e Cinema sem Fronteiras
Miguel Arcanjo Prado – Quais os números da Mostra?
Raquel Hallak – A 26a Mostra de Cinema de Tiradentes exibe uma seleção de 134 filmes brasileiros – 38 longas, 3 médias e 93 curtas-metragens, vindos de 19 estados – Alagoas (2), Amazonas (3), Bahia (11), Ceará (10), Distrito Federal (4), Espírito Santo (3), Goiás (2), Minas Gerais(29), Mato Grosso (1), Pará (2), Paraíba (3), Pernambuco (5), Paraná (2), Rio de Janeiro (21), Rio Grande do Norte (1), Roraima (2), Rio Grande do Sul (1), Santa Catarina (3), São Paulo (40).Os filmes são exibidos em 57 sessões de pré-estreias e mostras temáticas. O 26o Seminário do Cinema Brasileiro reúne mais de 150 profissionais (críticos, realizadores, produtores, atores, acadêmicos, pesquisadores e jornalistas) no centro de 41 encontros e debates, diálogos do audiovisual, rodas de conversa e bate-papos no Cine-Praça com a presença dos artistas, diretores e diretoras que estarão exibindo seus filmes na Mostra. O Fórum de Tiradentes – Encontros pelo Audiovisual Brasileiro conta com a participação de mais de 70 profissionais de diversos segmentos do audiovisual brasileiro. O Programa de Formação oferece 12 modalidades – 9 oficinas, um laboratório de documentário e três masterclasses com a oferta de 445 vagas. Para o público infanto-juvenil, tem a Mostrinha de Cinema e Mostra Jovem e, ainda, o evento reúne diversas atrações artísticas para todas as idades, exposições, performances, shows e arte por toda parte. No formato online, pela plataforma mostratiradentes.com.br, o público poderá assistir a 40 filmes da programação e acompanhar os debates, abertura e encerramento, disponibilizados para acesso gratuito, de qualquer lugar do mundo.
NÚMEROS
26ª Mostra de Cinema de Tiradentes
9 dias de evento – 20 a 28 de janeiro de 2023;
134 filmes brasileiros de 19 estados;
26º Seminário do Cinema Brasileiro com mais de 150 convidados em 41 debates e rodas de conversa;
12 atividades formativas – oficinas, lab e masterclasses para 445 estudantes;
Fórum de Tiradentes – Encontros pelo audiovisual brasileiro com mais de 70 profissionais.
Miguel Arcanjo Prado – Tiradentes sempre esteve na vanguarda de discussões sociais que são refletidas em nosso audiovisual. Eu me lembro do exemplo de ter sido neste festival a primeira diretora trans premiada, a Julia Katharine. Este papel vanguardista está no âmago do evento?
Raquel Hallak – As edições anuais da Mostra Tiradentes refletem o tempo histórico presente do audiovisual em filmes, debates, conexões, diálogos, temáticas com o compromisso de colocar em evidência e apresentar ao público o cinema brasileiro contemporâneo e suas implicações, mudanças, renovações e inovações. O evento segue na vanguarda para apresentar ao público os nomes, os filmes, as conversas e os caminhos a serem percorridos nessa nova e estimulante trajetória que a produção deverá seguir na próxima década e evidencia a forte presença de filmes dirigidos por pessoas negras, trans e indígenas, a proliferação de coletivos criativos vindos de outras áreas artísticas para além do cinema, e a experimentação de formatos, linguagens e espaços de exibição serão fundamentais para se compreender a amplitude dos conceitos tratados nas edições anuais da Mostra.
A Mostra de Cinema de Tiradentes está inserida no segmento da economia criativa e é um exemplo bem-sucedido da conexão entre cultura, turismo e educação.
Raquel Hallak
Diretora da Universo Produção e Cinema sem Fronteiras
Miguel Arcanjo Prado – A cidade de Tiradentes sempre abraça a Mostra. O que você tem a dizer aos moradores desta tão charmosa cidade?
Raquel Hallak – A Mostra de Cinema de Tiradentes é o evento precursor da descoberta da vocação turística da cidade de Tiradentes. É o evento que projetou Tiradentes mundo afora, atraiu investimentos, estabeleceu compromisso e parcerias para instalação de um cinema na cidade, criou vínculos sociais e educacionais com as comunidades e a cidade. Contribuiu para a formação de uma geração de jovens no campo da cultura e do audiovisual, para o desenvolvimento social, humano e econômico. Tornou-se referência para novas iniciativas e eventos na cidade. É considerada o evento de maior pertencimento pelo público que participa da programação oferecida com diversas atrações para todas as idades. Atrai um fluxo turístico cinco vezes maior que a população da cidade [cerca de 8.000 habitantes], movimentando, com isto, a economia, a geração de empregos, distribuição de renda, ampliando a arrecadação de tributos com efeitos multiplicadores na economia local e regional. A Mostra Tiradentes está inserida no segmento da economia criativa e é um exemplo bem-sucedido da conexão entre cultura, turismo e educação.
Miguel Arcanjo Prado – Você enxerga o streaming como aliado ou vilão do cinema? Por quê?
Raquel Hallak – Vejo o streaming como aliado do cinema, tanto para ampliar o fomento à produção, a difusão e circulação, o alcance e o mercado para o cinema brasileiro. No entanto, o que se faz urgente é a regulamentação da atividade no Brasil.
Miguel Arcanjo Prado – O que nunca pode faltar na Mostra de Cinema de Tiradentes?
Raquel Hallak – A Mostra de Cinema de Tiradentes foi o primeiro evento no circuito de festivais no Brasil a instalar um cinema na praça para realizar sessões de cinema ao ar livre para atrair, principalmente, um público que nunca tinha ido ao cinema e, também, a oferecer um programa de formação para oportunizar o acesso do público adulto e jovem a atividades formativas – questão vital para o crescimento da indústria audiovisual. Ambas iniciativas se tornaram referência e carro-chefe da programação e, por isto, não podem faltar.
Foi na Mostra de Cinema de Tiradentes que se concentrou a revelação de filmes que não tinham espaço ou dificilmente o teriam em outros lugares. Ofereceu um ambiente cultural no qual filmes de jovens realizadores passaram a existir.
Raquel Hallak
Diretora da Universo Produção e Cinema sem Fronteiras
Miguel Arcanjo Prado – Qual o maior legado da Mostra de Cinema de Tiradentes para ao audiovisual brasileiro?
Raquel Hallak – Olhando desde o início e, este ano, comemorando 26 anos de existência, podemos afirmar que a Mostra de Cinema de Tiradentes consolidou-se como o maior evento do cinema brasileiro no país e tornou-se um espaço rico e generoso de exibição, formação, apreensão e discussão do cinema brasileiro. Um trabalho coletivo, participativo, democrático que sempre esteve à frente de seu tempo, atento às mudanças do audiovisual, seja do ponto de vista tecnológico, seja pelo ponto de vista de quem pensa, vê e faz cinema. Um ambiente de encontros, de gestação de parcerias profissionais, de inovação e tendências, de interação crítica no cinema do Brasil. No decorrer de sua trajetória, apresentou uma nova configuração de cinema, abriu espaço para propostas de estéticas e linguagens ousadas e independentes, revelou novas iniciativas, colocou em evidência as características e novidades do cinema brasileiro contemporâneo. Inaugurou o diálogo entre críticos, pesquisadores, realizadores e produtores. Investiu no potencial dos jovens com ações de formação e reflexão. Esboçou alguns diagnósticos estéticos, temáticos e estruturais sobre a produção dos últimos quinze anos e evidenciou na tela algumas características mais sintomáticas do momento, como a forte proximidade do cinema com a música, com as questões da juventude, com os próprios mecanismos do cinema e com a memória do Brasil. A resposta e a participação do público fizeram toda diferença. Consolidou-se como plataforma de lançamento do cinema brasileiro contemporâneo. Não é apenas um cinema com novas pessoas, com novas representatividades e com novas abordagens, personagens e estéticas, mas um cinema com outra composição de campo cinematográfico, mais aberto e mais tensionado, mais politizado e mais responsável, embora com todos os ajustes e amadurecimentos necessários na relação com o fazer cinematográfico e com as recepções críticas desse fazer. Foi na Mostra de Cinema de Tiradentes que se concentrou a revelação de filmes que não tinham espaço ou dificilmente o teriam em outros lugares. Ofereceu um ambiente cultural no qual filmes de jovens realizadores passaram a existir. E também na CineOP, que foi o espaço para a elaboração de diretrizes e encaminhamentos do campo da preservação audiovisual brasileira, e na CineBH, com a conexão com o mercado internacional, as possibilidades de entender as implicações da coprodução e a inserção do cinema brasileiro no mercado global.
*O Blog do Arcanjo viajou a convite da Mostra de Cinema de Tiradentes.
Veja a cobertura da Mostra de Cinema de Tiradentes no Blog do Arcanjo!
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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