Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Um dos mais relevantes e talentosos críticos de cinema da nova geração, Bruno Carmelo celebra um ano de sua plataforma transmidia Meio Amargo, focada no mundo do audiovisual. Membro da APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes), ele concedeu esta entrevista exclusiva ao Blog do Arcanjo, na qual falou sobre a empreitada no mundo da comunicação, a grande acolhida e respeito que o Meio Amargo já conquistou em seu primeiro ano, e revelou qual cinema atrai seu olhar. Leia a entrevista a seguir.
Miguel Arcanjo Prado – Como você enxerga a trajetória de um ano do Meio Amargo e sua característica transmídia?
Bruno Carmelo – Eu acho que o site cresceu de uma maneira muito despretensiosa, assim, sem metas numéricas precisas, sem necessidade de se rentabilizar a qualquer preço, sem ter esse objetivo de “Eu preciso que ele dê muito dinheiro, senão, eu vou parar”, porque eu estava também me focando em projetos paralelos, em aulas, em cursos, em artigos publicados e outras coisas que eu fiz em paralelo, então eu pude deixar o site crescer de uma maneira mais ou menos orgânica no ritmo dele, no tempo dele. Eu estou contente de ter encontrado uma frequência nas publicações, então, tem sempre bastante textos entrando, já cheguei a uns 500 textos mais ou menos publicados em um ano, porque tem os referenciais, as estatísticas. E fico especialmente feliz por eu ter conseguido cobrir os festivais grandes com o Meio Amargo. Isso para mim é uma conquista, uma legitimação para o Meio Amargo. Eu pude cobrir o Festival de Berlim com ele neste ano, Toronto do ano passado, Cine Ceará, Mostra Internacional de São Paulo, Olhar de Cinema em Curitiba, que foi muito especial e superimportante para mim. Então, isso já dá essa característica mais profissional, de o Meio Amargo estar sendo levado a sério dentro do meio, embora ele ainda possa (e ainda espero) crescer muito em termos de alcance., Estou contente, o Meio Amargo está crescendo na velocidade que ele pode.
Miguel Arcanjo Prado – Você acha que o jornalismo e a crítica correm perigo com a inteligência artificial?Bruno Carmelo – Cinema, não, porque tem pessoas que podem usar esses textos de inteligência artificial para produzirem críticas, mas não vão conseguir. Eu até fiz um vídeo recentemente no canal do Meio Amargo no YouTube sobre o ChatGPT, pedindo para que a IA produzisse algumas críticas, só para ver no que dava. O resultado foi super decepcionante, pelo menos nesses pequenos testes que eu fiz, no sentido de que é um texto muito robótico, e ainda limita bem o ser humano. Ele não tem nenhum tipo de posicionamento, de ponto de vista, porque ele precisa ser ou tentar ser politicamente isento, então ele não tem gostos, ele não tem opiniões. Se você jogar alguma coisa polêmica, ele diz que pode ser que sim, mas pode ser que não, que um lado tem que ser ouvido mas o outro lado precisa ser ouvido também, então ele busca essa forma de isenção objetiva e sem personalidade que não diz respeito à crìtica. Tem pessoas que podem usar esse tipo de coisa, mas acho que quem fica mais prejudicado ou ameaçado por essas ferramentas são pessoas que já faziam textos muito fracos, pessoas que se limitavam a publicar textos com informações factuais, sinopse em especial, dizendo “Menina encontra menina através uma jornada, etc.. e no final eles chegam a tal coisa”; ou seja, descreve exatamente aquilo que o espectador poderia ver e depois e coloca alguns adjetivos: “Fotografias lindas, atores bons, ritmo gostoso, ri muito, nota tal”. Essas pessoas talvez fiquem mais ameaçadas porque o texto delas, que já não era profundamente marcante, se torna ainda mais obsoleto e mais desnecessário, mas elas podem continuar usando isso para produzir o tipo de conteúdo que já é fraco. Mas, os grandes críticos de cinema que a gente tem em atividade, um José Geraldo Couto, Inácio Araújo, Lorenna Montenegro, esse pessoal não vai ser ameaçado pelo ChatGPT.
Miguel Arcanjo Prado – Nem Bruno Carmelo, nem Miguel Arcanjo Prado [risos]. Agora, uma pergnta que tem a ver com nós dois: como é ser um jornalista e crítico que também é seu próprio publisher?
Bruno Carmelo – Então, tem essa questão que na base eu não sou jornalista, eu sou formado em cinema. O trabalho que faço hoje é basicamente um trabalho de jornalismo cultural, mas é importante frisar que eu não sou jornalista de formação. Eu cursei cinema. Mas sobre o fato de ser meu próprio editor-chefe, eu acho essa experiência ótima, eu queria ter essa liberdade, depois de uns dez anos trabalhando em editorias alheias, tanto do Adoro Cinema quanto do Papo de Cinema, foram experiências muito boas, eu gosto também do desafio de alguém me falar, “veja tal filme e escreva tal” e eu vou e fazer, vou fazer aquilo que me pedem da melhor maneira possível, mas poder escolher também é muito benéfico. Agora que encontrei um ritmo de trabalho, eu não me obrigo a ver todos os filmes que saem, absolutamente. Eu escolho, não só aqueles que eu acho que vão ser melhores, mas aqueles que eu acho que vão trazer algum tipo de discussão para bem ou mal. Eu tenho, sim, privilegiado os filmes brasileiros, sem dúvidas, filmes menores, independentes, ou independentes e brasileiros, que é o tipo de cinema que me interessa mais, que é o tipo de cinema que acho que se beneficia muito de uma discussão, de uma crítica, de uma contextualização, é o tipo de coisa que me instiga. Tenho feito menos vídeos e críticas e análises sobre grandes blockbusters, especialmente de super heróis, não que eu esteja desmerecendo esse tipo de produção, mas acho que isso já é muito bem coberto pela mídia pop, e que tem gente muito boa, muito qualificada, tem muita gente fazendo, não precisa tanto de mim, não que eu seja necessário ou indispensável, mas o que eu quero dizer é isso. Acho que tem uma lacuna em produções brasileiras independentes, sejam elas de outros países, e também é algo que me instiga, é algo que gosto de fazer. Então, esse tem sido meu foco como publisher.
Miguel Arcanjo Prado – O que você tem a dizer ao público do Meio Amargo?
Bruno Carmelo – O site está chegando a 1 ano agora, literalmente, nesta sexta-feira, 28 de abril de 2023. Eu só tenho a agradecer, tem algumas pessoas que tem acompanhado essa jornada de maneira muito gentil. Você, Miguel Arcanjo Prado, é uma delas, que eu tenho muito a agradecer, que sempre foi muito generoso comigo. Algumas pessoas próximas, familiares, amigos, alguns leitores são muito assíduos por pura generosidade, porque gostam dos textos, porque sempre voltam e me dão retornos positivos ou negativos, eles falam “Bruno, seus vídeos podem melhorar em tal aspecto”, “Bruno, os seus textos, presta atenção nisso”, e eu estou sempre aberto a esse tipo de coisa. Então, tem sempre alí, digamos 15 pessoas de um núcleo próximo que são muito queridas, elas sabem quem são, ainda vou fazer um texto mais específico agradecendo a todas elas, que têm sido fundamentais. Alguns e algumas assessorias de imprensas também, mas tem alguns leitores esporádicos que tem respeitado muito esse trabalho, e eu fico feliz, porque é um site pequeno de um ano, de uma pessoa só, de números ainda modestos. Ele ainda é pequeno e mesmo assim tem pessoas que entram, que leem, que comentam, que apreciam, que mandam retornos positivos ou negativos, mas a maioria deles educados, com críticas construtivas. Então, só tenho a agradecer. Sempre quando eu tenho algum tipo de retorno, desses assim, eu falo: “Estou no caminho certo”, “É isso mesmo que quero fazer”, “É esse tipo de diálogo que eu quero produzir”, “É esse tipo de retorno também que quero ter”, bom ou ruim, saber que esses textos estão sendo lidos, discutidos e que eles provocam algum tipo de impacto em quem os encontram, então eu só tenho a agradecer essas pessoas e torcer para que venham cada vez mais.
Miguel Arcanjo Prado – Para onde você quer que o Meio Amargo leve você?
Bruno Carmelo – Eu vou tentar manter sempre esse ritmo orgânico do site. Eu não quero estabelecer metas muito precisas de “Preciso atingir tantas visualizações”, “Preciso atingir tantos textos publicados”, “Preciso atingir tantos seguidores nas redes sociais”, porque acho que isso é um caminho muito fácil para eu me perder, perseguir isso a qualquer custo. Eu quero, sim, que o site continue crescendo, eu quero estar presente nos festivais, que são muito importantes para mim, especialmente os brasileiros. Quero muito cobrir Gramado com ele, quero muito cobrir a Mostra Internacional de São Paulo com ele, eu adoraria ir ao festival Olhar de Cinema de novo, porque para mim é um dos festivais mais importantes que tem no Brasil. A Mostra Tiradentes é fundamental. Então, é isso, se eu quero que ele esteja nesses espaços, e eu quero que ele mostre as pessoas que eu continuo produzindo, que eu continuo ativo, continuo lançando reflexões em formato de texto, vídeo em análises transversais, e que deixe claro que eu continuo produzindo reflexões sobre cinema e sobre filmes, isso para mim é importante, até para me manter é um desafio pessoal nunca parar, e continuar ativo, continuar me desafiando nos formatos, nos tipos de filmes que eu vejo, nos tipos de textos que eu posso produzir. Então, não quero que ele me leve necessariamente a algum patamar muito específico de números, ou de metas, mas eu quero que ele continue me colocando dentro de um meio que eu valorizo muito, que é esse meio do cinema, especialmente de arte independente brasileiro, que é o que me motiva e me instiga.
Nota do Editor: Quando lançou o Meio Amargo, há um ano, em 28 de abril de 2022, Bruno Carmelo concedeu ao Blog do Arcanjo a entrevista reproduzida a seguir.
Miguel Arcanjo Prado – Como surgiu a ideia e o nome do site Meio Amargo?
Bruno Carmelo – Acredito que a abertura de espaços pessoais seja uma consequência da configuração atual do jornalismo de cinema. Os grandes portais de cinema trabalham num ritmo e num volume de publicações intenso, afinal, buscam dar conta dos maiores lançamentos nos cinemas e em streaming — algo que, nessa época, se mede em mais de dez grandes estreias por semana. Esses portais desempenham um papel fundamental, mas após dez anos trabalhando nesse ritmo, eu quis experimentar o trabalho de escrita pontual, o que permite fazer escolhas arriscadas de editoria, e produzir textos analíticos de teor diferente. De certo modo, as duas experiências profissionais se equilibram. O título Meio Amargo parte da crença que nomes não diretamente relacionados ao cinema também podem dialogar com o audiovisual. O Meio Amargo abarca uma dualidade que me interessa entre sabores mais ou menos agradáveis, mais ou menos acolhedores. É uma maneira de alertar sobre o teor de textos tão apaixonados quanto críticos em relação ao cinema. Além disso, o “meio” evoca o meio de comunicação, o que completa o significado de maneira positiva. A sinestesia sempre colabora bem com o cinema.
Miguel Arcanjo Prado – Quais as expectativas para o Meio Amargo? Ele estará em outras plataformas também além do site?
Bruno Carmelo – Espero que o site cresça e alcance um público considerável, mas seria ingênuo da minha parte estabelecer metas numéricas. Ele vai se expandir no ritmo necessário. Preciso ter a consciência de que centenas de novos espaços virtuais surgem diariamente, e fica muito fácil ao leitor se perder no meio virtual. Mas se algumas críticas e artigos forem lidos, e despertarem boas reflexões sobre o cinema, já ficarei muito contente. O site também abre espaços paralelos no Facebook, Twitter, Instagram, para compartilhar as publicações, e no YouTube, com vídeos de entrevistas, debates sobre o cinema e sobre novos lançamentos de filmes e séries.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a missão do Meio Amargo? Qual público você busca?
Bruno Carmelo – O Meio Amargo pretende seguir uma tradição de críticas mais extensas e sintomáticas, ou seja, inserindo o filme no contexto em que ele foi produzido e lançado. A tendência das redes é promover textos curtos, simples e de absorção imediata. Estas produções têm seu valor, mas acredito na importância de oferecer, em paralelo, textos capazes de pensar o cinema brasileiro em consonância com o governo de destruição cultural que se instaurou no poder; os blockbusters dentro de uma lógica da indústria; os dramas autorais por uma perspectiva de ruptura de formas e discursos, e assim por diante. Guardadas as proporções de um site que acaba de nascer, escrito por apenas uma pessoa, a ideia seria partir do cinema para discutir a sociedade ao redor dele.
Miguel Arcanjo Prado – O que nós vamos encontrar no Meio Amargo?
Bruno Carmelo – Mesmo sem a obrigação de publicar diariamente, acredito que os leitores encontrarão sempre novas críticas de lançamentos, artigos de reflexão sobre temas que ultrapassem um filme em particular, além de vídeos regulares para debater cinema. Estes textos tendem a priorizar o cinema brasileiro e as obras independentes, tanto nacionais quanto internacionais, mas acredito na possibilidade de oferecer reflexões pertinentes sobre blockbusters de Hollywood também.
Miguel Arcanjo Prado – Como você vê o lançamento de um novo site num momento de tanta crise para o jornalismo e, especificamente, o jornalismo cultural?
Bruno Carmelo – A crença numa crítica de reflexão pode parecer quixotesca em tempos de polarização e conteúdos virais. No entanto, a crítica também deve responder às tendências nocivas e resistir, como puder, à aceleração desenfreada dos debates. O Meio Amargo é uma proposta singela, mas, junto aos trabalhos de grandes críticos brasileiros, pode contribuir a formar uma fortuna crítica que permaneça à disposição do leitor mesmo após o desaparecimento de um filme nos cinemas ou plataformas de streaming. O site serve de teste para usar as ferramentas online, acessíveis a todos, de maneira mais complexa, sem pender ao conteúdo mastigado e superficial do TikTok, nem acreditar que apenas artigos acadêmicos possam trazer algum conteúdo valioso. Existe uma força no uso dos dispositivos virtuais como resposta aos problemas do meio virtual — em outras palavras, utilizar esta ferramenta do esquecimento contra si mesma, e oferecer alguma forma de reflexão capaz de perdurar na cabeça dos leitores. É ambicioso, claro, mas acredito que valha a tentativa.
Agradecimentos: Flavia Miranda e Solange Correia.
Veja um video do Meio Amargo:
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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