★★★★★ Crítica: Rita Lee Outra Autobiografia prova que a artista foi genial do início ao fim
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Rita Lee foi genial do início ao fim. O que não poderia ser diferente em se tratando da mais importante compositora da música brasileira e primeira grande artista pop que o Brasil teve, a nossa rainha do rock, do pop, da música. Mulher libertária e corajosa que abriu caminhos para tantas outras e jamais aceitou ficar na caixinha de bonecas do sistema patriarcal.
A genialidade de Rita sobreviveu ao diagnóstico de câncer e às múltiplas sessões de quimio. Mesmo pesando menos de 40 quilos, seu cérebro permaneceu aguçado, lúcido e propositivo como só os gênios conseguem diante de tamanha provação física.
Isso fica evidente a quem devora (porque é impossível ler de outro jeito) seu derradeiro livro Ria Lee: Outra Autobiografia, que veio a se somar à Rita Lee: Uma Autobiografia, de 2016, ambas editadas com todo amor e esmero do mundo por Guilherme Samora, seu editor, filho do coração, afilhado, amigo, fã e maior especialista na vida Lee que nós temos, lançado pela Globo Livros na data que ela escolheu: 22 de maio, Dia de Santa Rita.
Recebi o livro em casa, nesta segunda, exatamente duas semanas após a morte de Rita Lee. Ainda estamos todos órfãos dela, chorando desamparados como seu namorado de meio século Roberto de Carvalho, na comovente entrevista que concedeu a Renata Ciribelli no Fantástico, um dia após seu velório no Planetário do Ibirapuera, ao qual fiz questão de comparecer na condição de apenas mais um fã, fazendo volume naquela fila que entoava as músicas de Rita como homenagem maior em sua despedida.
Diante de todas essas emoções, abrir a caixa com o livro de Rita Lee e ver sua carinha na capa, em foto de Guilherme Samora pintada por ela mesma, foi altamente comovedor. Ver as cartas de tarô costumizadas com seu rosto e sua vida, ao lado da caneca com sua cara e frase de fina ironia impressa, mexeu muito comigo.
Porque, assim como qualquer brasileiro inteligente que se preze, eu me apaixonei pela verdade de Rita Lee desde que estava na barriga da minha mãe e ela ouvia Lança Perfume sem parar na vitrola no começo daqueles anos 1980. E ainda tive a sorte de ser jornalista e poder entrevistá-la uma inesquecível vez, quando ela lançou o DVD Rita Lee: Multishow ao Vivo, quando ela foi absolutamente elegante e generosa comigo, então um jovem repórter, naqueles já distantes tempos nos quais repórter de jornal não tirava foto com os entrevistados. Ficou no coração e na memória aquele encontro. Também me veio à memória seu últimmo show, o de despedida dos palcos, no abarrotado Teatro Bradesco, em São Paulo, no qual todos os fãs saímos aos prantos.
Diante da caixa, não tive outra opção senão pegar o livro, ir para a cama e começar a escuta do que Rita Lee tinha a me dizer. Com seu texto bem humorado mesmo diante das dores mais atrozes que um paciente de cãncer é submetido, Rita Lee se desnuda completamente neste livro, assim como fez no primeiro. Surge desprovida do ego e da vaidade que tantos artistas cultivam e que nunca foi a sua praia.
Como se estivesse ao nosso lado, Rita conta a real de cada etapa de seu tratamento, os balanços emocionais com muitas idas e vindas, a conexão espiritual cada vez mais profunda, o apoio imprescindível da família, em especial do marido Roberto de Carvalho e de João Lee, o filho do meio, que não saíram de seu lado durante cada um de seus últimos dias nesta Terra.
Dona de uma sabedoria absurda, Rita Lee deixa como legado neste derradeiro livro Rita Lee, Outra Autobiografia uma lição da simplicidade da vida, do amor, do respeito ao outro, à natureza e aos animais como coisas fundamentais a se perseguir durante nossa fugaz existência neste plano terrestre.
Rita se despediu da vida com sede de viver mais, de fazer mais gente feliz, mesmo quando estava no mais profundo dos abismos. O livro, repleto de nuances sutis, como era a típica elegância da própria Rita, comprovam mais uma vez que a compositora é também uma grande escritora: precisa com as palavras, dona de um poder de síntese raríssimo, só digno àqueles que dominam palavras e sentimentos, como profunda conhecedora do que é de fato a humanidade, como sempre provou com suas músicas.
Rita, não há muito o que se escrever além do que você já escreveu. Você já disse tudo e mais um pouco. Quem duvida que compre o livro imediatamente e o devore.
A gente só tem que lhe agradecer diariamente por tudo que você nos deu, Rita. Como bem pontuou meu colega Nelson Motta em sua resenha sobre o livro publicada em O Globo, a exposição de Rita Lee deveria se tornar permanente na cidade de São Paulo, da qual ela é a mais completa tradução, como imortalizou Caetano Veloso (poder público paulistano, por favor, vamos tornar isso realidade!). E ela seguirá viva também nos palcos, já que seu filho primogênito, Beto Lee já anunciou que a turnê CeLEEbration seguirá Brasil afora com suas canções imortais.
Rita Lee, muito obrigado. Você seguirá viva em cada pessoa, planta ou animal que você fez muito feliz. E posso lhe garantir que isso é gente pra caramba.
Rita Lee, Outra Autobiografia
★★★★★
Avaliação: Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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