★★★★ Crítica: Inverno do Grupo Gattu espreita a utopia com olhar irônico para as relações humanas
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Inverno ★★★★
Avaliação: Muito bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
As relações humanas e sua luta incessante pelo poder, sempre mediada pelos abismos entre as classes sociais, são material farto que o teatro visita com frequência. E são também objeto de pesquisa constante da dramaturga e diretora Eloisa Vitz com seu Grupo Gattu, uma das mais importantes companhias de São Paulo com 23 anos de trajetória e localizada no aconchegante Teatro do Sol, em Santana, zona norte da capital paulista, onde realiza primoroso trabalho de formação de público.
Dessa vez, tal temática é pano de fundo da peça Inverno, que combina com o frio intenso que se instalou na capital paulista neste gélido outono.
O Grupo Gattu cumpre mais uma vez sua nobre missão formativa, já que realiza temporada gratuita, devido ao apoio do Ministério da Cultura e do Atacadão, empresa que demonstra responsabilidade social ao patrocinar o incansável teatro feito pelo Gattu. É realmente gratificante ver uma peça de teatro de grupo em cartaz de quarta a domingo, lembrando os velhos tempos do teatro brasileiro.
Aliás, o Gattu é um dos grupos mais elegantes e profissionais da cidade. Isso quem o visita percebe logo de cara, seja no modo sofisticado com que trata seu público, seja o esmero da intimista sala de seu Teatro do Sol, com suas charmosas poltronas vermelhas acolchoadas, ou na forma competente e atenciosa que Eloisa Vitz conduz seus artistas e técnicos, coisa rara neste mercado do entretenimento. Não à toa, o Grupo Gattu venceu o Prêmio Arcanjo de Cultura, foi indicado ao Prêmio Shell e representou o Brasil no último Festival de Edimburgo – Fringe, na Escócia, a convite da Secretaria da Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo em seu projeto CreativeSP com a InvestSP.
Seguindo a escola de grandes dramaturgos clássicos da história, como Molière, Inverno foca em uma tentativa de rebelião de serviçais de um duque do século 17, que confabulam diante de uma charmosa lareira. Claro que os idealistas sonham com um mundo mais igualitário e livre de injustiças, alimentando a utopia muitas vezes a fartos goles etílicos. Como é típico do texto de Vitz, trata-se de uma comédia dramática, repleta de seu olhar irônico para a vida e o ser humano, sendo possível ao público mais perspicaz traçar paralelos com o Brasil de hoje. Vitz escreve de um modo que faz sua peça dialogar com diferentes possibilidades de camadas de interpretação.
Inverno faz parte da tetralogia sobre o tempo de Eloisa Vitz, aberta com Verão, espetáculo de sucesso que realizou temporada de cinco meses. Não custa lembrar que ela já realizou outra bem sucedida teatralogia, de caráter filosófico, com as peças Amor, Fortuna, Graça e Glória.
Com cenografia e figurinos bem cuidados de Heron Medeiros, que conversa com a cidade detrás do vidro, e iluminação onírica da diretora, a obra, repleta de reviravoltas e com cenas recortadas e bem construídas, tem no elenco absolutamente presente a sua força, com os artistas se divertindo em cena junto ao público.
Miriam Jardim, Mariana Fidelis, Lilian Peres e Daniel Gonzales foram o quarteto revolucionário, criando uma sintonia interessante. Enquanto que Isaque Patrício representa a ponte dos mesmos com a aristocracia, representando a sisudez de quem já foi comprado pelo sistema. Já Eloisa Vitz surge em um de seus melhores papéis, na pele de um bispo sem qualquer escrúpulo, acompanhado de seu bruto capataz, personagem de Ricardo Teodoro. A exímia construção da atriz desde obtuso personagem e a forma como Eloisa se delicia com o bispo em cena é admirável. Uma das melhores construções cômicas do ano, o que só evidencia a versatilidade desta que é uma das melhores atrizes do teatro brasileiro contemporâneo.
Inverno escrutina o bicho homem, revelando de forma bem humorada suas fragilidades e pequenas hipocrisias cotidianas. É interessante ressaltar a decisão da dramaturga em calcar o ponto de vista de sua peça não na classe dominante, mas na classe subalterna, com seus sonhos utópicos de um dia, quem sabe, dominar este tão complexo e injusto mundo.
Inverno ★★★★
Avaliação: Muito bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
INVERNO
Texto: Eloisa Vitz
Direção: Eloisa Vitz
Assistente de Direção: Miriam Jardim
Elenco: Miriam Jardim, Mariana Fidelis, Eloisa Vitz, Lilian Peres, Daniel Gonzales, Isaque Patrício e Ricardo Teodoro.
Cenário e Figurino: Heron Medeiros
Temporada: 14 de abril a 11 de junho de 2023.
Quartas e Quintas às 20h, Sextas e Sábados às 21h e Domingos às 19h.
Recomendação: 12 anos
Duração: 60 minutos
Capacidade: 60 lugares
Temporada gratuita
Bilheteria abre uma hora antes do espetáculo.
Local: Teatro do Sol
Rua Damiana da Cunha, 413 – Santana.
Telefone: 11. 3791.2023
Whatsapp: 11. 95679.2526
Possui ar condicionado
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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