As Bruxas de Salém do Satyros tem elenco gigantesco em fluxo delirante de ação dramática | Entrevista do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Com 33 atores no elenco, a Cia. de Teatro Os Satyros faz pré-estreia para convidados nesta sexta, 16 de junho, de sua versão para o clássico As Bruxas de Salém, de Arthur Miller, sob direção de Rodolfo García Vázquez e idealização dele e de Ivam Cabral, fundadores do premiado grupo em 1989. Com sede há mais de duas décadas na Praça Roosevelt, centro de São Paulo, a peça pode ser apreciada pelo público paulistano a partir deste sábado, 17 de junho, no Espaço dos Satyros, e já está com ingressos esgotados para as primeiras sessões. Nesta Entrevista do Arcanjo, os artistas falam sobre por que resolveram revisitar um clássico da dramaturgia mundial com o jeito Satyros de fazer teatro, fazendo a história conversar com o surreal Brasil dos últimos tempos. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Por que Os Satyros resolveram encenar As Bruxas de Salém, de Arthur Miller?
Ivam Cabral – As Bruxas de Salém é um texto clássico do teatro ocidental que trata de fenômenos que dominam o debate público nos dias de hoje: a radicalização política, a manipulação jurídica, o extremismo religioso, as fake news e a consequente decadência das instituições. A partir da Lava Jato, com a ascensão da direita radical através das fake news e o discurso de ódio, o nosso país vem enfrentando conflitos inéditos. A crise instaurada nesse processo de radicalização política não se restringiu à esfera pública. Invadiu também a esfera pessoal, íntima, destruindo vínculos famíliares, amizades e até mesmo relações amorosas.
Rodolfo García Vázquez – O texto de Miller nos traz algo que pareceria distópico alguns anos atrás mas que acabou sendo mais real do que nunca nos últimos anos. Miller nos questiona sobre a possibilidade de gerações futuras conseguirem (ou não) entender o que vivemos atualmente. Na Salém de 1692, entre as pessoas enforcadas por bruxaria, três cães também foram processados, julgados e enforcados pelo mesmo crime. Isso nos parece incompreensível e revela o grau de insanidade que aquela pequena vila viveu naquele período. Mas essa mesma questão fica para nós: vamos conseguir explicar às próximas gerações que em determinado momento da história deste país, brasileiros e brasileiras cantavam o hino nacional para pneus e se comunicavam com extra-terrestres através das luzes de seus celulares?
O elenco de As Bruxas de Salém é gigantesco, muitas personagens, muitos conflitos morais, reviravoltas em um fluxo delirante da ação dramática.
RODOLFO GARCÍA VÁZQUEZ
Miguel Arcanjo Prado – O que foi mais desafiante no processo dessa nova peça do Satyros?
Rodolfo García Vázquez – Foram muitos os desafios. O elenco é gigantesco, muitas personagens, muitos conflitos morais, reviravoltas em um fluxo delirante da ação dramática. A equipe aceitou o desafio de fazer o espetáculo sem patrocínio oficial. Havia uma urgência que não poderia esperar a lentidão e incerteza dos editais públicos. Tínhamos que dar uma resposta nossa a esse momento histórico que não podia aguardar tanto tempo. Certamente, criar um ambiente de confiança para todos os artistas envolvidos no processo foi fundamental para a superação desse desafio imenso.
Miguel Arcanjo Prado – Rodolfo, qual a sua visão para a encenação que construiu para este clássico do Arthur Miller?
Rodolfo García Vázquez – A encenação partiu de princípios da decolonialidade. A ideia era trazer uma dramaturgia de cena que atualizasse algumas questões do texto para o Brasil contemporâneo. Então temos o texto original de Arthur Miller e uma dramaturgia de cena que dialoga e reconstrói sentidos do texto que se aproximam de nós. A encenação trouxe também uma perspectiva negra para o texto. Um elenco de atores negros, que seriam escravizados, comenta através de olhares, canções e atitudes a cena dos cristãos brancos desatinados. Esta camada da leitura cênica traz uma dimensão nova ao texto de Arthur Miller, no qual havia apenas uma personagem escravizada, Tituba, desempenhando um papel importante na trama. Na nossa encenação, Tituba tem companheiros e companheiros que compartilham com ela a dor da escravidão, em uma sociedade eurocêntrica colonizadora. O olhar decolonial também reside em uma leitura mais crítica das personagens de John Proctor e Abigail Williams. Na tradição teatral, Proctor seria o herói e Abigail, sua antagonista. Essa tradição tem um olhar fundamentalmente machista sobre o conflito da peça. Em nossa montagem, revemos esses papeis, trazendo para Proctor uma leituras crítica e para Abigail uma relativização de seu papel na trama. Como poderia uma adolescente manipular e destruir a vida de um homem adulto poderoso e experiente? Não seria ela, a adolescente, manipulada e usada por uma sociedade machista para se comportar daquela forma?
Miguel Arcanjo Prado – O Satyros nos últimos anos apostou em peças autorais, assinadas por vocês. Por que quiseram agora voltar a um clássico da dramaturgia? Qual a ponte que liga este texto ao teatro feito pelo Satyros?
Ivam Cabral – A pesquisa dramatúrgica sempre foi essencial para o nosso trabalho e adquire uma dimensão essencial na nossa trajetória. Pode-se contar nossa história através de nossa dramaturgia. Nos últimos anos, nossa produção teatral foi centrada em torno de dramaturgia própria, escrita pelo Rodolfo e por mim. Esse interesse é consequência de nossa necessidade de falar sobre histórias que nos circundavam, que nos tocavam profundamente. No entanto, isso não nos impediria de fazer montagens inspiradas em outras referências literárias. As Bruxas de Salém, para nós, é uma alegoria perfeita de todas as questões sobre as quais queremos falar neste momento.
Miguel Arcanjo Prado – Como é trabalhar com um elenco grande e diverso? São quantos atores em cena? Como é orquestrar esses artistas?Rodolfo García Vázquez – São 33 atores em cena. Grande parte deles fazem parte dos Satyros há mais de cinco anos. 12 atores novos foram convidados a participar da montagem e embarcaram de coração aberto nessa aventura. De uma certa forma, é a primeira montagem dos Satyros que celebra plenamente o fim da pandemia e a retomada do amor pelo encontro que o teatro propicia.
As Bruxas de Salém continuam vivas entre nós, aterrorizando nossas noites, surgindo em nossos piores pesadelos. Salém está muito viva entre nós.
IVAM CABRAL
Miguel Arcanjo Prado – O que vocês esperam que o público paulistano veja nesta encenação de As Bruxas de Salém?
Ivam Cabral – Certamente o público paulistano vai se espantar com o tamanho do elenco usando uma sala tão pequena como a nossa de forma inventiva e ágil. Por outro lado, eles vão poder reconhecer que as bruxas de Salém continuam vivas entre nós, aterrorizando nossas noites, surgindo em nossos piores pesadelos. Salém está muito viva entre nós.
As Bruxas de Salém
Temporada: De 17 de junho a 27 de agosto
Quando: Quintas, sextas e sábados às 20h30; Domingos às 18h
Onde: Espaço dos Satyros (Praça Roosevelt, 214, Consolação)
Tel. 11 3255 0994 / 11 3258 6345 | Whatsapp: 11 97883-9696
Duração: 140 min. e intervalo de 15 min.
Classificação etária: 16 anos
Gênero: Drama
Ingressos: R$ 50,00 (inteira), R$ 25,00 (meia-entrada) e R$ 5,00 (para moradores da Praça Roosevelt, somente na bilheteria física)
– Venda on-line e bilheteria física.
Link para compra de ingressos antecipados na Sympla:
https://bit.ly/SatyrosBruxas
FICHA TÉCNICA
Idealização: Ivam Cabral e Rodolfo García Vázquez
Texto: Arthur Miller
Direção: Rodolfo García Vázquez
Elenco: Alana Carrer, Alessandra Nassi, Alex de Felix, Aline Barbosa, André Lu, Anna Paula Kuller, Bruno de Paula, Cristian Silva, Daj, Diego Ribeiro, Diogo Silva, Eduardo Chagas, Elisa Barboza, Felipe Estevão, Georgia Briano, Guilherme Andrade, Gustavo Ferreira, Henrique Mello, Heyde Sayama, Ícaro Gimenes, Jéssica de Aquino, Julia Bobrow, Karina Bastos, Laura Molinari, Luís Holiver, Marcia Dailyn, Mariana Costa, Mariana França, Morena Marconi, Pri Maggrih, Sabrina Denobile, Suzana Horácio e Vitor Lins
Assistência de Direção: Guilherme Andrade
Tradução: Rodolfo García Vázquez
Dramaturgismo: Luís Holiver e Sabrina Denobile
Figurino: Elisa Barboza e Marcia Dailyn
Cenário: Thiago Capella
Iluminação: Flávio Duarte
Sonoplastia: Coletiva
Preparação Vocal: André Lu
Operação de Luz: Flávio Duarte
Operação de Som: Gabriel Mello
Produção: Diego Ribeiro, Elisa Barboza, Gabriel Mello e Maiara Cicutt
Realização: Os Satyros
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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