Ícone do teatro, João das Neves ganha livro com sua obra em Minas Gerais

João das Neves tem sua relação com o teatro em Minas Gerais documentada no livro Estade de Arte – João das Neves e Minas Gerais, que será lançado no Tusp na segunda, 26/6, às 19h © Divulgação Blog do Arcanjo 2023

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo

Um dos grandes ícones do teatro brasileiro ganha uma obra pra esmiuçar sua relação com o teatro em Minas Gerais. No próximo dia 26 de junho, 19h, no Tusp, será a vez da capital paulista conferir o lançamento de Estado de Arte – João das Neves e Minas Gerais – publicação organizada pelo jornalista João Paulo Cunha (1934-2018) em colaboração com a jornalista Ludmila Ribeiro e a cantora Titane, que foi casada com o lendário diretor.

O local, ou melhor o palco, escolhido não poderia ser outro, o TUSP – Teatro da Universidade de São Paulo. O livro reúne textos de diversos artistas, teóricos, pesquisadores do teatro e uma série inédita de reportagens realizadas especialmente para esta edição, que documentam sobre os 24 anos da obra do diretor, dramaturgo e ator carioca João das Neves, em Minas Gerais.

Os exemplares estão à venda a R$ 90,00 pela Laboratório Editorial Aquilombô, no site www.aquilombo.com, e também no local.

No lançamento, estarão presentes personalidades da cena cultural brasileira como o escritor João Silvério Trevisan; diretor teatral Sérgio Carvalho; o diretor e dramaturgo Newton Moreno; a militante do MST, Guê Oliveira; a pesquisadora Natália Batista; e Titane. 

“João das Neves é uma das principais personalidades de seu tempo, como dramaturgo, encenador, artista e pensador do mundo contemporâneo”, afirma Titane, companheira de arte e de vida do diretor. A artista conta que a ideia era que o livro fosse escrito pelo próprio João. “Mas não houve tempo. Ele faleceu antes de realizar mais esta façanha”. Titane relata que João Paulo Cunha – por quem João tinha muita admiração e era seu leitor voraz -, aceitou o convite para colaborar. “Dois se chamam João, dois geniais. É pena termos que nos despedir também de João Paulo Cunha, que nos deixou há pouco. Mas sei que por aqui reverberam suas palavras e seu carinho pela obra de João das Neves”, afirma. 

No prefácio do livro, assinado por João Paulo Cunha, o jornalista explica que “Estado de arte” é um apanhado de momento particularmente criativo da existência do artista. “Sem a palavra viva do criador, o diálogo com outros interlocutores foi sendo tramado, bem no estilo de obra aberta e colaborativa, que sempre marcou os projetos do artista”.

publicação está dividida em três momentos. Logo nas primeiras páginas o leitor encontra um perfil biográfico, de autoria das pesquisadoras Natália Batista e Miriam Hermeto, que situa João no tempo e na história do teatro brasileiro. 

segunda parte do livro traz reportagens escritas pelos jornalistas João Paulo Cunha, Ailton Magioli, Carolina Braga, Joyce Athiê, Ludmila Ribeiro e Beatriz França sobre espetáculos e apresentações musicais dirigidas pelo dramaturgo, em Minas. O leitor terá acesso à trajetória dos trabalhos “Primeiras estórias”, “Troços e Destroços” e “Pedro Páramo”, “Sá Rainha” e “Inseto Raro”, “Besouro Cordão de Ouro”, “Saga no País das Gerais”, “Galanga Chico Rei”, “Zumbi”, “Madame Satã”, “Exercício Nº1”, “Titane e o campo das vertentes”, desde o processo criativo até sua estreia e circulação. “João sempre manteve bom relacionamento com a imprensa especializada. O jornalismo cultural, para ele, ficava entre uma ampliação da abrangência do espetáculo, uma reflexão sobre sua reverberação na consciência do seu tempo histórico e um diálogo alargado com todos os envolvidos na realização da obra” (trecho do prefácio de João Paulo Cunha).

Na terceira e última parte, o livro reúne reflexões e depoimentos sobre Neves e sua obra, assinados por pesquisadores da arte e de artistas da cena brasileira, como Luís Alberto de Abreu, Suszi Frankl Sperber, Vera Casa Nova, Ilka Marinho Zanotto, Marcos Antônio Alexandre, Chico Pelúcio, João Silvério Trevisan, Maria Inês de Almeida, Guê Oliveira e Titane, Fernando Mencarelli e João Paulo Cunha. “João sempre foi um visionário. Não um visionário romântico que vê o futuro em acessos de loucura ou laivos de desrazão. João é uma espécie rara de visionário, daquele que se compromete em ver além do presente, e se esforça para devassar o futuro e trazer para o homem, as imagens do amanhã”, reflete o diretor Luís Alberto de Abreu (SP).

João das Neves com a esposa Titane e sua família em Minas Gerais © Divulgação Blog do Arcanjo 2023

Estado de Arte aborda um período de criação artística de João das Neves que, segundo Titane, é marcado por ampla experimentação de espaços não convencionais. “Entendendo que o teatro deveria sair da caixa preta e voltar aos seus espaços de origem, João criou encenações em parques, túneis, prédios urbanos, pedras, ruas, dando enorme contribuição para uma reescrita do texto teatral, para a reinvenção do espaço cênico”. Entre os espetáculos, destaque para a estreia de “Primeiras estórias” (1992), no Parque Lagoa do Nado, revivida nas palavras da poeta Vera Casa Nova. “O espaço da fazenda existia, e o casarão e a piscina desativada, mas nada estava preservado ainda com verdadeiro cuidado. Havia o lago, claro! Fascinação e maravilhamento foram as emoções que me envolviam. Diferente de encenação em palcos tradicionais, o uso de espaços abertos, mais ou menos contíguos, a serem buscados pelo público, as encenações diferentes fizeram crescer em mim a experiência do coletivo. Éramos públicos e testemunhas”, relata.

A produção do artista em Minas também é caracterizada pelo forte diálogo com o teatro negro, o universo LGBTQIAP+ e as questões feministas. Para João Silvério Trevisan (SP) – autor de “Troços e destroços” (1997) que traz histórias de amor e morte de um ponto de vista homossexual – a adaptação do texto para a cena foi uma surpresa: “eu me deparei com uma acolhida que vinha na contramão, um olhar revirado, quase invertido, que ficou evidente na maneira como João das Neves foi buscar meu livro, que nem a comunidade LGBT conhecia direito (…) João não parou num momento determinado da História: contrariou nossas cartilhas ‘revolucionárias’ que congelam a passagem do tempo em verdades quase científicas”, afirma.

A cantora Titane comenta que “o Grupo Opinião é um capítulo fundador na história de João, o Rio de Janeiro o forjou como artista”, mas afirma que o que chama atenção na vida e obra de Neves é sua capacidade de se transformar, de se deslocar no tempo, na história. “Ele tem um deslocamento geográfico, intelectual, estético permanente, capaz de se adaptar e representar as culturas com as quais se envolveu ao longo de 60 anos de teatro. Sempre com frescor contemporâneo”, diz. Para a artista, “não se trata de recuperar o passado com este livro, mas de contribuir com as questões contemporâneas e com a produção artística do mundo de hoje”.

João das Neves é um dos grandes nomes do teatro brasileiro © Divulgação Blog do Arcanjo 2023

João das Neves, um ícone do teatro brasileiro

Com 60 anos de atuação na cena teatral brasileira, o dramaturgo, diretor, ator e escritor João das Neves é um artista a seu tempo.

Sua carreira foi iniciada no início dos anos 1960 e ganhou projeção com o trabalho desenvolvido com o Grupo Opinião, que estreou em 1964 o antológico Show Opinião, reunindo no palco, num protesto contra a ditadura, Nara Leão, Zé Keti e João do Vale. Com este grupo João das Neves trabalhou até ao fim da ditadura em 1984, buscando novos modelos dramatúrgicos para flagrar a nova realidade instaurada pelo regime militar.

 Sua primeira peça a arrebatar o teatro latino americano, foi O Último Carro. Nas décadas seguintes, João das Neves faria uma série de bem sucedidas experiências teatrais envolvendo temáticas e situações as mais diferenciadas, como o trabalho com atores não profissionais, a criação do grupo Poronga, no Acre, várias encenações em espaços não convencionais, com adaptações de obras literárias de autores como Guimarães Rosa e de João Silvério Trevisan.

Este encenador tem uma história particularmente bela com a música. Entre os nomes que dirigiu figuram Milton Nascimento, Chico Buarque e MPB4, Taiguara e, recentemente, Elomar e Titane. Óperas contemporâneas, como Qorpo Santo, de Jorge Antunes ou cantatas, como Continente Zero Hora, de Rufo Herrera, nas quais atuou, acentuam sua ligação com a música e com os músicos.

Nos últimos tempos, dirigiu muitos espetáculos como A Santinha e os Congadeiros, que levou ao palco, com elenco de congadeiros, um mito fundador das Irmandades do Rosário do Congado mineiro; Besouro, Cordão de Ouro e Galanga Chico Rei, ambos também com temática afro brasileira, numa parceria de sucesso com Paulo César Pinheiro autor dos textos e músicas; Zumbi, de Boal e Guarniere com música de Edu Lobo; A Farsa da Boa Preguiça, texto de A.Suassuna e Aos Nossos Filhos, de Laura Castro.

Entre os anos de 2014 e 2015, João das Neves, contemplado pelo Rumos Itaú Cultural, teve seu acervo de cerca de 60 anos de teatro brasileiro inteiramente restaurado. Nestes anos, também lançou o espetáculo Madame Satã, co-dirigido por Rodrigo Jerônimo e dirigiu pela primeira vez sua peça teatral “A Lenda do Vale da Lua”, escrita em 1975, recomendado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, encenada dezenas de vezes, mas nunca pelo autor.

Em 2016 retornou aos palcos como ator com o espetáculo “Lazarillo de Tormes”, espetáculo que cumpriu temporada também no Teatro Francisco Nunes, no mês de março de 2017. Todo em versos que nos remetem à literatura de cordel e aos desafios dos cantadores nordestinos ou às rimas dos MCs de Hip Hop, Lazarillo nos conduz, pelas mãos da literatura popular, a um Brasil profundo, onde a existência de mazelas se mescla ao desafio de enfrentá-las com humor e confiança em nossas possíveis ações, capazes de erradicá-las para todo o sempre.

Serviço

Estado de Arte – João das Neves e Minas Gerais

Com Newton Moreno, João Silvério Trevisan, Sérgio de Carvalho, Titane e Guê Oliveira. Mediação: Natália Baptista

Quando: 26/06/2023, segunda, 19h.
Onde: Tusp (Teatro da USP). Centro Universitário Maria Antonia  – Rua Maria Antônia, 294 – Vila Buarque – São Paulo, SP (Metrô Higienópolis-Mackenzie)
Para comprar o livro, acesse: www.aquilombo.com

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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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