Zé Henrique de Paula se firma como diretor de sucesso no teatro: ‘Fruto de trabalho todo santo dia’ | Entrevista do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O premiado diretor, ator e dramaturgo Zé Henrique de Paula é atualmente um dos mais respeitados nomes do teatro brasileiro, criador de espetáculos de sucesso de público e de crítica como Urinal, O Musical, Chaves – Um Tributo Musical, Brenda Lee e o Palácio das Princesas e o recente Once.
O artista nascido em Sorocaba e radicado em São Paulo já venceu os prêmios mais importantes do país, como Shell, APCA, Arcanjo de Cultura, Reverência, Bibi Ferreira, Arte Qualidade Brasil, Aplauso Brasil e Destaque Imprensa Digital.
Atualmente, ele comanda as peças A Herança, com Reynaldo Gianecchini no elenco, Brenda Lee e o Palácio das Princesas, com elenco composto de atrizes trans, incluindo a premiada Veronica Valenttino, e se prepara para um novo musical, Codinome Daniel, a nova produção de seu grupo, o Núcleo Experimental, que tem uma charmosa sala, o Teatro do Núcleo Experimental, na Barra Funda. Além de tudo isso, ele anuncia a volta de Once para 2024.
Nesta Entrevista do Arcanjo, o multiartista fala sobre seus projetos e sua trajetória em uma conversa sem pressa com o jornalista Miguel Arcanjo Prado. Leia com toda a calma do mundo.
Miguel Arcanjo Prado – Zé, você está tendo um 2023 deslumbrante, repleto de trabalhos de muito reconhecimento. Isso é fruto de quê?
Zé Henrique de Paula – Eu acho que isso é fruto de trabalhar permanentemente, todo santo dia. Fazendo edital, colocando projeto em lei, escrevendo, estudando. Eu trabalho o tempo inteiro e, ocasionalmente, tudo frutifica na mesma safra, como a de 2023.
Miguel Arcanjo Prado – Quais são os trabalhos que você realizou e vai realizar este ano?
Zé Henrique de Paula – Neste ano estreei A Herança, co-produção minha e do Bruno Fagundes, no comecinho de março. Uma semana depois estreei Once, um produção da Renata Alvim e dos irmãos Griesi (Marco e Daniela). Em meio a isso, fizemos três temporadas de Brenda Lee e o Palácio das Princesas, uma no CCSP, outra no SESC Bom Retiro e uma no Núcleo. Ainda vou estrear o solo escrito e interpretado pela Fernanda Maia (ainda sem nome) e o musical novo do Núcleo, que se chama Codinome Daniel (sobre a vida do guerrilheiro homossexual Herbert Daniel, que morreu de AIDS em 1992), com texto e direção meus e música e direção musical da Fernanda.
Miguel Arcanjo Prado – Suas peças muitas vezes tratam de temas profundos que mexem com a sociedade atual. É uma escolha sua fazer obras assim?
Zé Henrique de Paula – Eu tendo a dar preferência para projetos que estejam em sintonia com o Zeitgeist do momento atual, sabe? Eu, aliás, amo essa expressão: espírito do tempo. É a alma de uma época, e eu sinto que o teatro tem que se comunicar com essa alma, com esse espírito que reflete toda uma sociedade de um determinado tempo histórico. É uma das suas principais funções, creio eu.
Miguel Arcanjo Prado – Você estudou em Londres, berço de um dos teatros mais respeitados do mundo. Como foi esse período mergulhado no teatro britânico? O que você traz dessa escola para seus trabalhos e aulas?
Zé Henrique de Paula – A minha visão mudou completamente depois de tempo que eu passei em Londres. Principalmente em relação à formação dos atores – estudantes de teatro passam mais de quarenta horas por semana em sala de aula/sala de ensaio, uma carga horária estupenda. E teatro é quilometragem, é repetição, são as horas rodadas que costumam fazer muita diferença. Além disso, os britânicos têm enorme reverência ao texto, à dramaturgia. Isso me influenciou, a ponto de começar a estudar dramaturgia com mais afinco e, em última análise, foi o que me motivou a começar a escrever.
Miguel Arcanjo Prado – No período em Londres como foi ser um artista imigrante vivendo em terra estrangeira? Sentiu algum preconceito?
Zé Henrique de Paula – No mestrado não, porque era bastante internacional, muita gente de muitos países diferentes. Porém, o mercado de trabalho é incrivelmente fechado – só entram os ingleses e, com muita sorte, depois deles os europeus e americanos.
Miguel Arcanjo Prado – Na época do seu mestrado em Londres você teve a coluna Zé in London aqui no Blog do Arcanjo, que me dava muito prazer editar. Como encarou esse desafio de escrever suas impressões do teatro londrino para o público brasileiro?
Zé Henrique de Paula – Eu adorava escrever sobre aquilo que eu estava assistindo, inclusive porque é um exercício de estar do outro lado – o de um espectador revelando as suas impressões. O desafio maior era escrever de uma forma que não parecesse algo para inciciados. Quem sabe a gente reedita, sempre que eu viajar e der um pulo pra assistir o que estão fazendo fora daqui?
Miguel Arcanjo Prado – Você costuma ter um grupo de atores que volta e meia surge em suas peças, como a Bruna Guerin e o Fábio Redkowitz, por exemplo. Você curte trabalhar várias vezes com os mesmos artistas? Essa trajetória conjunta cria trabalhos mais potentes?
Zé Henrique de Paula – Leva muito tempo até a gente achar os nossos pares na arte, no teatro. E nada garante que a gente vá achar, de fato. Ou que serão pares que firmarão uma trajetória duradoura. O que é fato, contudo, é que trabalhar com esses pares – Fernanda, Inês, Fran, Bruna, Binho e alguns outros – faz com que a trajetória vivida e compartilhada se some a cada trabalho, criando uma espécie de equação exponencial. Além do prazer de ter uma comunicação fluida e íntima com essas pessoas, o que acelera muito os processos.
Miguel Arcanjo Prado – Brenda Lee foi um estouro assim como foi Urinal e Chaves. E ganhou todos os prêmios, inclusive o Prêmio Arcanjo de Cultura. Por que esse musical ganhou toda essa força?
Zé Henrique de Paula – Em primeiro lugar, porque nunca vimos seis atrizes travestis em cena num musical e fomos todos impactados pela potência desse conjunto em cima do palco. Depois, acredito que a história da Brenda é superlativa, tocante e consegue mobilizar a nossa empatia de uma forma muito poderosa. Ela merecia essa homenagem, esse respeito, essa lembrança e esse tributo. E não posso deixar de falar da qualidade impressionante do texto da Fernanda e das músicas do Rafa Miranda. Quem não sai cantando “Nasceu Caetaaaanaaaa” quando acaba o primeiro ato?
Miguel Arcanjo Prado – Once fez muito sucesso com bilheteria esgotada. Tem chances de voltar?
Zé Henrique de Paula – Once volta em janeiro de 2024 no mesmo Teatro Villa-Lobos para curta temporada e os ingressos já estão vendendo feito água, pela plataforma Sympla!
Miguel Arcanjo Prado – A Herança é um trabalho de fôlego longo e com um grande elenco. O sucesso já rendeu segunda temporada. Como foi dirigir este espetáculo?
Zé Henrique de Paula – Foi um dos grandes desafios que eu já tive como diretor. O fato de eu ter traduzido a obra foi um facilitador, porque eu tinha muita intimidade com o texto, conhecia cada fala da peça. Mas a extensão é assustadora, são seis horas de cena sobre o palco, mais os cinco intervalos. Foi necessário um enorme planejamento e muita logística para aproveitar o tempo do ensaio da melhor maneira possível e dar conta de levantar tudo em dois meses (ensaiando seis dias por semana, dez horas por dia). Mas o resultado é muito gratificante e a reação do público mais ainda.
Miguel Arcanjo Prado – É impossível não falar de Fernanda Maia ao falar de seus trabalhos. O que ela significa na sua vida?
Zé Henrique de Paula – Fernanda é a irmã que eu não tive, antes de mais nada. Crescemos juntos em Sorocaba, nossos pais e mães eram amigos e colegas de trabalho. Ou seja, nossa ligação é anterior ao teatro. Para além disso, ela é minha melhor amiga, confidente e parceira na arte. Ela é quem melhor entende o que eu quero produzir, antes mesmo que eu organize as palavras. Nossa parceria é única. Dizem que ninguém é insubstituível, mas nesse caso preciso discordar: a Fernanda é.
Miguel Arcanjo Prado – O que você pode adiantar de Codinome Daniel, sua próxima peça?
Zé Henrique de Paula – Vai ser um musical, fechando uma trilogia (Lembro todo dia de você, Brenda Lee e o palácio das princesas e Codinome Daniel). Estou desde a pandemia/quarentena pesquisando e comecei a escrever o texto em maio. A figura de Herbert Daniel (1946-1992) é pouquíssimo conhecida e precisa ser resgatada historicamente. A principal fonte de inspiração da peça é a biografia escrita por James Green ( Revolucionário e gay: a vida extraordinária de Herbert Daniel), com quem tenho falado com frequência. O protagonista será interpretado pelo Davi Tápias, mas ainda não temos o restante do elenco, inclusive porque dependemos do fechamento do texto.
Miguel Arcanjo Prado – Como é manter um teatro independente na Barra Funda, o Núcleo Experimental?
Zé Henrique de Paula – Eu nunca achei que o Núcleo fosse durar tanto (estamos caminhando para o nosso décimo segundo ano de existência), porque a pressão financeira é imensa e a conta não fecha nunca, por conta do número de lugares e dos valores que a gente quer praticar e, de fato, pratica. As oficinas ajudam muito, mas a gente realmente depende das políticas públicas, dos ProAcs e dos Fomentos. Sem eles a gente fecha. Seria uma pena se isso acontecesse e estamos sempre nos esforçando ao máximo pra que não aconteça.
Miguel Arcanjo Prado – O que você diria ao Zé Henrique de Paula no dia em que ele saiu de Sorocaba pela primeira vez?
Zé Henrique de Paula – Tudo conspira pra você desistir, mas não desista. Vai valer a pena!
Miguel Arcanjo Prado – Por que você faz teatro?
Zé Henrique de Paula – Embora eu seja muito reservado e quieto, o que me dá uma certa fama de pessoa de poucos amigos, eu faço teatro pelas pessoas. Eu gosto de gente – um dos meus grandes prazeres no Núcleo é fazer a bilheteria das peças, quando posso. Falar com o público, saber de onde vieram, por que estão vindo. Eu gosto da gente de teatro: dos atores, atrizes, dos criativos, dos técnicos, dos produtores e especialmente do público. Eu só faço teatro porque o teatro é feito de pessoas.
Miguel Arcanjo Prado – Qual a fórmula pra fazer um espetáculo de sucesso?
Zé Henrique de Paula – Eu acho que fórmula, de fato, não existe. Porque é uma coisa impalpável, o sucesso. E a própria noção de sucesso varia de pessoa para pessoa. O que eu acho que faz diferença são as razões pelas quais você se decide a embarcar num espetáculo. Para mim, essas razões precisam ser sempre ideológicas. O teatro é sempre político, mesmo quando aparentemente outros temas são mais relevantes. A existência em si do teatro é uma afirmação política. Portanto, quando eu sei que eu realmente quero falar sobre aquilo, quando eu assino embaixo da dramaturgia, quando há um ponto de vista coletivo (nem sempre homogêneo), quando a gente sente urgência de comunicar aqueles conteúdos – quando tudo isso acontece, quem sabe o sucesso está logo ali, virando a esquina.
Colaboraram Douglas Picchetti (Pombo Correio) e João Schelbauer
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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