CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto discute música preta no audiovisual brasileiro em sua 18ª edição

Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
A 18a edição da CineOP – Mostra de Cinema de Ouro Preto acontece entre os dias 21 e 26 de junho na cidade histórica mineira e retoma seu eixo de programação, que é único no cenário audiovisual do país ao reunir três temáticas: História, Educação e Preservação. O Blog do Arcanjo conta que cada uma delas tem um time de curadoria, que anualmente constrói caminhos de ação e reflexão em filmes, debates, masterclasses, encontros e oficinas.
Para 2023, a Temática Histórica definiu a proposta “Imagens da MPB (Música Preta no Brasil)”, enfatizando a presença da criação musical de artistas pretas e pretos nas trilhas sonoras e nos elencos, como personagens em ficção, documentários, videoclipes e performatividades variadas. A ideia da dupla de curadores Cleber Eduardo e Tatiana Carvalho Costa é colocar em evidência a música preta em seus contextos históricos e culturais nos séculos 20 e 21 na criação e inventividade de universos populares, mostrar a herança de tradições atualizadas do passado e de outras geografias e refletir sobre a riqueza a ser preservada na relação com as imagens.
“Historicamente, a relação da música preta em ficções e documentários teve uma presença tímida no cinema brasileiro e só se ampliou de modo considerável nos últimos 25 anos, com a profusão de filmes e séries sobre diversos artistas, brancos e pretos, na grande maioria dirigidos por pessoas brancas e com o tom de biografia legitimadora como norte”, explica o curador Cleber Eduardo, que diz não ser exatamente novidade a música preta ser presente no ambiente cultural brasileiro. A questão é o caminho que ela percorreu desde o século passado até agora, com proeminência de artistas brancos, desde os astros de rádio e da chanchada e também nas trilhas sonoras, às vezes gravadas por brancos a partir de composições de autores pretos.
A curadora Tatiana Carvalho Costa aponta que a abordagem da CineOP na Temática História será a de lidar com filmes que, como tantos artistas da música preta do Brasil, proponham uma arte fabuladora, reformuladora e inventiva, tendo a música como afirmação de um modo de vida e de uma vitalidade existencial e coletiva não apenas no mundo, como também no cinema. “Optamos por intitular de ‘Música Preta no Brasil’, e não ‘Brasileira’, para não cultivar o risco dos limites da identidade nacional, de brasilidades pressupostas, dos achatamentos das experiências e traços culturais no país, assim evitando uma ideia de brasilidade aglutinadora”, destaca ela.
HOMEMAGEM | TONY TORNADO
Em diálogo com a Temática História, o homenageado da 18a CineOP é o ator e cantor Tony Tornado. Mais longevo profissional das duas artes em atividade no país, Tornado – atualmente no ar na novela das 18h da Rede Globo “Amor Perfeito” – estará na Mostra para receber um tributo por sua notável trajetória. Nascido em Presidente Prudente (SP) em 1930, estabeleceu-se a partir dos anos 1960 como um dos precursores do movimento da “black music” brasileira, inspirada na luta pelos direitos civis. Logo se tornou também um dos rostos negros mais conhecidos da TV e do cinema.
“Tornado é a síntese do trabalhador da imagem, numa rara longevidade que revela a complexidade e os paradoxos da presença negra nas telas e na cultura brasileira”, diz o curador Cleber Eduardo. “Sua imagem, nas dezenas de trabalhos nos quais atuou, entrecruza as memórias de um povo e sugere muito mais do que deveriam dizer a maioria dos papéis coadjuvantes que fez com tanta dignidade”, aponta a curadora Tatiana Carvalho Costa. “Rever, por exemplo, Quilombo (1984), de Cacá Diegues (selecionado para esta homenagem), é olhar para um passado em que a representação do negro na tela se dava de cima para baixo, mesmo que o papel interpretado por ele tivesse sido de um rei e vê-lo é testemunhar um fenômeno de resiliência e reconfiguração, a exibir a força do personagem e do homem que o defende”.
PRESERVAÇÃO
Na Temática Preservação, a curadoria de Fernanda Coelho e Vitor Graize definiu as discussões em torno do conceito “Patrimônio Audiovisual Brasileiro em Rede”. As atividades vão ser uma extensão de alguns dos assuntos tratados pelo setor no Fórum de Tiradentes, realizado na Mostra de Cinema de Tiradentes em janeiro de 2023. Muitos dos participantes compõem a Associação Brasileira de Preservação Audiovisual (ABPA), que tem anualmente em Ouro Preto, na CineOP, seu principal fórum de encontros e debates. A experiência das redes, potencializada no período mais crítico da pandemia, e os novos desafios surgidos a partir daí, no que se refere à guarda de materiais audiovisuais, pautaram as definições para esse ano.
“Enfrentamos redes de ódio e disseminação de mentiras enquanto vimos surgirem articulações nacionais e internacionais que promovem justiça, conhecimento e cultura. Também a padronização de ferramentas e de linguagem de bibliotecas de cinema da América Latina; a conexão de museus públicos e privados, de diferentes portes e territórios; e o mapeamento de arquivos audiovisuais brasileiros foram iniciativas que colocam a formação de redes em destaque”, enumera Fernanda Coelho.
A temática foi então pensada a partir dessas vivências e aglutina três eixos: o diálogo por políticas públicas para a preservação audiovisual num novo ciclo de governo, representada pela atualização do Plano Nacional de Preservação Audiovisual; o debate sobre a imposição do digital e suas questões éticas, técnicas e políticas; e a reflexão sobre a criação de uma rede nacional de arquivos audiovisuais.
“Fomos afetados de diversas maneiras pela digitalização do cotidiano e suas consequências diretas ou indiretas. Vivemos a era da precarização das relações de trabalho, da insegurança do mundo digital, de uma nova relação com os conteúdos audiovisuais. A digitalização da vida se acelerou a ponto de tornar-se dominante para uma grande parcela da população mundial”, alerta Vitor Graize, no que ele reforça a importância dos debates a serem realizados na Mostra.
Também fundamental nos encontros anuais do setor na CineOP, o Plano Nacional de Preservação Audiovisual (PNPA), lançado em 2016 na 11ª edição do evento, será debatido pela ABPA, com uma nova versão apresentada a público, governo e imprensa. “Este documento é o principal da área em nosso país e foi elaborado pelos profissionais da preservação a partir dos nosso Encontros de Arquivos”, destaca Fernanda Coelho.
EDUCAÇÃO
Na Temática Educação, as redes também aparecem, deslocadas para o aprendizado a partir do conceito “Cinema e Educação Digital: Deslocamentos”, delineado pela curadoria de Adriana Fresquet e Clarisse Alvarenga. A proposta parte de uma reflexão do educador Paulo Freire sobre o poder da televisão, em 1983, para trazê-la ao tempo presente e problematizar as relações entre cinema e educação digital. A ideia é avaliar as potências e os riscos de ver, produzir e compartilhar audiovisual no contexto de uma educação que é simultaneamente analógica e digital atualmente.
“A inclusão digital é um direito e, de fato, um passo importante rumo à cidadania. Mas o cuidado precisa se tornar também uma política pública rigorosa e evitar automatismos de submissão do humano aos caprichos bem disfarçados do capitalismo de vigilância e da informação que, em ritmos de 24 horas por 7 dias por semana, disputam nossa atenção, predizendo, capturando e produzindo o nosso desejo”, explica Clarisse.
As conversas dos debates e dos Encontros de Educação, portanto, deverão se pautar por esses caminhos de compreender a relação entre a importância e necessidade da educação digital e a necessidade urgente de entendimento de seus riscos. Entre as palavras-chave adotadas, certamente vão aparecer algoritmos, metaverso, realidade aumentada, realidade mista, inteligência artificial e chatGPT. “Iremos propor aproximações a diferentes práticas pedagógicas e cinematográficas que podem nos oferecer a chance de pensar de forma ampla e aprofundada as implicações estéticas, éticas e políticas da presença do cinema como uma forma de educação digital”, diz Fresquet.
SOBRE A 18a CINEOP
Durante seis dias de evento, o público terá oportunidade de vivenciar um conteúdo inédito, descobrir novas tendências, assistir aos filmes, curtir atrações artísticas, trocar experiências com importantes nomes da cena cultural, do audiovisual, da preservação e da educação, participar do programa de formação e debates temáticos de forma gratuita.
Editado por Miguel Arcanjo Prado
Siga @miguel.arcanjo
Ouça Arcanjo Pod

Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
© Blog do Arcanjo – Cultura e Entretenimento por Miguel Arcanjo Prado | Todos os direitos reservados.