Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
O Incidente – American Son
Avaliação: Ótimo ★★★★★
O racismo é terrível, machuca e ceifa vidas. Isso fica evidente a quem assiste à desnorteante peça O Incidente – American Son, em cartaz no Teatro Vivo, em São Paulo. Com um tema necessário abordado de forma não maniqueísta, o espetáculo recupera o fôlego do drama no teatro paulistano. Sucesso na Broadway e também com sua adaptação para filme pela Netflix, a perspicaz obra escrita pelo advogado e dramaturgo estadunidense Christopher Demos-Brown, um homem branco, tem como tema central o racismo estrutural e institucional, que provoca a violência policial contra negros. O enredo mostra o desespero da mãe de um jovem negro mestiço, filho de mãe negra e pai branco, em uma delegacia de Miami, em busca do filho, que saiu de casa com o carro presenteado pelo pai e não retornou. A partir daí, o público mergulha na aflição desta mãe, enquanto vê descortinar o modo como o racismo categoriza e inferioriza pessoas, sobretudo na instituição policial. A versão brasileira é de Tadeu Aguiar, que também dirige a obra após comandar o musical arrasa-quarteirão A Cor Púrpura. Dessa vez, aposta em uma encenação sóbria, que tem como força motriz a potência do texto e a tensão crescente que o mesmo provoca nos personagens e no público. O time criativo contribui para este refinamento, com destaque para a cenografia de Natalia Lana, sempre com a tempestade caindo lá fora. O cenário se conjuga aos figurnios de Ney Madeira e Dani Vidal, à luz precisa de Daniela Sanchez, com seus relâmpagos que pontuam viradas dramáticas, e a trilha de suspense composta por João Callado. Mas, teatro sem atores não existe. Sobretudo um drama. E, neste caso, os atores em cena cumprem o papel de contar essa história, não só emocionando o público como fazendo com o que mesmo reflita sobre a indigesta temática. Também à frente da produção, Flavia Santana, atriz que brilhou em A Cor Púrpura, agora defende com unhas e dentes a protagonista e faz dela uma das principais personagens em sua carreira. Daniel Villas incorpora o displicente jovem policial que precisa encarar a insistência daquela mãe, revelando em seu comportamento muito do que a sociedade esconde. Leonardo Franco surge resoluto como o marido e pai. Enquanto que Marcelo Dog imprime nobreza e autoridade ao seu chefe da delegacia, com sua figura ainda acrescentando reflexões sobre o colorismo. Obviamente, o texto atinge de forma diferente pessoas negras e brancas — prova disso são os poucos risos que se escutam na plateia, quando e quem os manifesta, revelando mais do público do que da própria obra produzida por Eduardo Bakr e Norma Thiré, com a Estamos Aqui Produções Artísticas. O Incidente – American Son é um ótimo drama, que traz para os grandes palcos um dos assuntos mais pertinentes dos últimos tempos e, infelizmente, ainda longe de encontrar solução: o racismo. Ver o teatro discutir o tema racial em um de seus grandes palcos sem as costumeiras máscaras é atestar uma contribuição social inquestionável das artes cênicas em prol de um mundo mais justo e igualitário.
O Incidente – American Son
Avaliação: ★★★★★ Ótimo
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
Teatro Vivo – Av. Chucri Zaidan, 2460 – CPTM Morumbi, São Paulo – SP, tel. (11) 3430-1524.. De 04 de agosto a 27 de agosto de 2023. Sextas e sábados às 20h e domingos às 18h. R$ 120. Compre seu ingresso!
O Incidente – American Son: Blog do Arcanjo mostra os bastidores da estreia no Teatro Vivo e quem aplaudiu
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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