Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Quais autores indígineas você já leu o já ouviu falar? A resposta a esta pergunta tem a ver com o apagamento histórico que a cultura indígina sofreu e sofre em nosso Brasil. Mas, ainda bem, contamos com algumas valiosas iniciativas que buscam mudar esse cenário. A exposição Araetá: A Literatura dos Povos Originários é uma delas, ao traçar um panorama sobre a produção literária de autores indígenas no Sesc Ipiranga, em São Paulo.
Idealizada por Selma Caetano, que compartilha a curadoria com Ademario Ribeiro Payayá, Kaká Werá Jecupé, Cristina Flória e Richard Werá Mirim, a mostra ocupa diferentes espaços do Sesc Ipiranga a partir desta quarta, 30 de agosto. Tudo para tornar visível a cosmovisões de mais de 50 povos, além de prestra tributo a Davi Kopenawa e destacar a contribuição fundamental dos escritores Ailton Krenak, Daniel Munduruku e Eliane Potiguara.
A visitação vai até 17 de março de 2024 com entrada gratuita. O público pode conferir ilustrações, fotografias, artesanias e objetos artísticos, além de apresentar mais de 334 títulos publicados por 105 editoras do país.
Curadoria reúne acervo precioso
Realizada pelo Sesc São Paulo, o Instituto Cultural Vale e o Ministério da Cultura, a exposição foi idealizada por Selma Caetano, curadora e produtora executiva do Oceanos – Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa –, que divide o projeto curatorial da mostra com o pedagogo, teatrólogo e poeta Ademario Ribeiro Payayá, o ambientalista e escritor Kaká Werá Jekupé, o fotógrafo Richard Werá Mirim e a documentarista Cristina Flória.
“O acervo apresentado na exposição é composto por cantos, contos, mitos, narrativas, poesias, ensaios, romances e títulos relacionados à criação do mundo, à ancestralidade, à vivência dessa ancestralidade no presente, ao bem viver e ao papel dos anciãos nas comunidades indígenas. Há, também, a presença de livros com uma forte carga política vinculados ao ativismo e à militância com os quais os indígenas têm superado e resistido, há séculos, à invisibilidade”, explica Selma.
Fenômeno que experimenta um crescente interesse do público leitor, a edição de livros com autoria indígena tem como uma das pioneiras a escritora Eliane Potiguara, que deu início a sua produção nos anos 1970, quando imprimia textos mimeografados em um formato designado por ela como “poema-poster”.
Autores indígenas consagrados
Pedagoga, Eliane é um dos destaques da mostra, que também exalta as importantes colaborações de lideranças como Ailton Krenak, autor de uma série de livros que registram reflexões filosóficas e um ativismo ambiental que se contrapõe ao modo de vida ocidental, e Daniel Munduruku, escritor com mais de 60 livros publicados, que colabora como consultor literário da exposição.
Araetá – A Literatura dos Povos Originários também presta tributo ao escritor e xamã Davi Kopenawa, dedicando ao líder Yanomami o espaço intitulado Casa dos Saberes, que, com curadoria de Kaká Werá Jecupé, foca a experiência sensorial e estética da arte que inspira a literatura produzida por diversos povos indígenas no Brasil.
A Casa dos Saberes é, também, um lugar onde o elo entre a tradição oral e a arte literária fica evidente por meio dos saberes ancestrais transmitidos por xamãs e pajés. O espaço reúne objetos e peças que dimensionam a inventiva artesania dos povos originários, como as cestarias dos Mehinaku e Kalapalo, do Xingu, e as cestarias e esteiras dos Baniwa, dos Baré e Ticuna, oriundos da Amazônia.
“Nesse momento em que a humanidade enfrenta o desafio de transformar o modo como se relaciona com a natureza, as visões de mundo e modo de ser dos povos originários – transmitidos há séculos por meio da literatura oral e agora acessíveis. em centenas de livros de autoria indígena disponíveis na Casa dos Saberes – oferecem ao público uma possibilidade de reflexão sobre o futuro da humanidade”, defende Kaká Werá Jacupé, ambientalista, escritor e curador do espaço.
Expografia reúne biomas nacionais
O projeto expográfico da mostra também se desdobra por espaços temáticos, apresentados pelo escritor, professor e artista plástico Ariabo Kezo, do povo Balatiponé: Amazonas, Mata Atlântica, Caatinga, Cerrado e Pantanal.
A exposição ainda oferece ao público a Biblioteca Araetá, um trabalho em progresso de pesquisa e catalogação, que disponibiliza para leitura o acervo contemplado nos espaços expositivos. Araetá destaca, igualmente, a expressividade de artistas indígenas que produzem ilustrações para livros, como Uziel Guainê, professor e escultor Maraguá que apresenta dois painéis especialmente criados para a Casa dos Saberes.
Fotografia indígena
A produção fotográfica, com curadoria de Cristina Flória e Richard Werá Mirim, destaca trabalhos de 14 fotógrafos, de 12 diferentes povos, dedicados a retratar suas culturas e evidenciar as nuances e singularidades de cada grupo, desempenhando um papel importante na valorização da diversidade cultural, conscientização e se constitui em uma ferramenta de autodeterminação e quebra de estereótipos geralmente associados às culturas indígenas
A mostra reúne 38 imagens dos seguintes fotógrafos e fotógrafas: Amanda Pankará, André Guajajara, Cristian Arapiun, Edgar Kanaykõ Xakriabá, Isabella Kariri, Kaiti Topramre, Kamikia Kisedje, Kronün Kaingang, Mre Gavião, Priscila Tapajowara, Palamido, Richard Werá Mirim, Scott Hill e Vherá Xunú. Em conjunto, o intuito é, por das imagens selecionadas, salvaguardar sua herança, assegurando, assim, sua transmissão para as gerações futuras.
Para todas as idades e gratuita, a exposição contempla um programa educativo que objetiva o atendimento de escolas das redes públicas e privadas, tanto de bairros próximos aos Sesc Ipiranga quanto de outras localidades.
Toré – dança ritualística que celebra os encantados abre a exposição
A abertura da exposição, em 30 de agosto, às 19h, reserva ao público um cerimonial que contará com a presença de todos os indígenas que participaram ativamente da exposição, como Ademario Ribeiro Payayá, curador; Kaká Werá Jecupé, curador da Casa dos Saberes; Richard Werá Mirim, curador de fotografia; Daniel Munduruku e Ariabo Kezo, consultores. Encerrando a cerimônia, a poeta indígena Marcia Kambeba faz uma performance poética, revelando ao público parte do que estará na exposição.
Depois do cerimonial de abertura haverá uma intervenção da comunidade indígena Pankararu, originários de Pernambuco, que apresentará aos visitantes o Toré, dança ritualística em retribuição aos pedidos de cura de doenças espirituais que são feitos aos encantados, entidades do mundo invisível que protegem o grupo. O Toré é realizado em espaços públicos pelos praiás, dançadores que vestem máscaras rituais feitas de croá e dançam e cantam com o maracá, o instrumento musical mais difundido entre os povos indígenas no Brasil. A apresentação é uma das ações da Associação Indígena SOS Comunidade Indígena Pankararu, um coletivo sem fins lucrativos que atua para a promoção da cultura indígena, além de promover a articulação nas áreas da educação e saúde.
Araetá – A Literatura dos Povos Originários é uma experiência singular de interação com as escritas, oralidades, cosmovisões, pertencimentos étnicos, ancestralidades, geografias e temáticas de diversidade manifestadas por escritoras e escritores que propiciam um rico diálogo intercultural, como reitera o curador Ademario Ribeiro Payayá, que explica a gênese do nome da exposição.
“Ara e etá são termos da língua Tupi. Ara é o dia, o que está no alto, o fruto, o mundo. Etá é o plural dessa língua. Araetá, assim, nos remete aos frutos, aos dias, aos mundos da literatura dos povos originários que, nessa exposição, são percorríveis através das histórias criadas por 114 autores. Como numa espécie de Caminho de Peabiru – antiga rota que conectava diferentes povos indígenas do continente Sul-Americano –, Araetá traça um percurso que abrange a diversidade étnica, geográfica e temática de escritoras e escritores indígenas. Nas bordas desse percurso há o convite para um diálogo intercultural”, conclui Ademario.
Araetá: A Literatura dos Povos Originários
Blog do Arcanjo apresenta nomes de autores e demais colaboradores da exposição:
Adão Karai Tataendy Antunes, Ademario Ribeiro, Agostinho Ïka Muru, Ailton Krenak, Aldevan Baniwa, Aline Rochedo Pachamama, Álvaro de Azevedo Gonzaga, Álvaro Tukano, André Fernando Baniwa, Ane Kethleen Pataxó, Anghtichay Pataxó, Arariby Pataxó, Ariabo Kezo, Aurélio Souza da Silva, Auritha Tabajara, Ava Nomoandyja, Atanásio Teixeira, Beraldina José Pedro, Caetano Raposo, Carlos Eduardo Cadu Araújo, Carlos Papá Mirĩ Poty, Casé Angatu Xukuru Tupinambá, Catarina Kunhã Nimbopyruá, Chirley Pankará, Claudino Djagwá Ka’agwy Kara’i Tukumbó Lima, Clemente Flores, Cristino Wapichana, Daniel Munduruku, Davi Kopenawa, Débora Arruda, Denízia Kawany Fulkaxó, Edson Kayapó, Edson Krenak, Eliane Potiguara, Elias Yaguakãg, Ellen Lima, Ely Macuxi, Emerson Guarani, Eric Timóteo Iwayr Kâ Kamikawa, Eva Potiguara, Ezequiel Vitor Tuxá, Feliciano Pimentel Lana, Fernanda Vieira, Francisco Luiz Fontes Baniwa Matsaape, Francy Fontes Baniwa Hipamaalhe, Gleycielli Nonato, Glicéria Jesus da Silva Graça Graúna, Gustavo Caboco, Hipru Xavante, Ismael Tariano, Jaider Esbell, Jaime Diakara, Jamille Anahata, Japira Pataxó, Jassanã Pataxó, João Paulo Lima Barreto, José Verá Juão Nyn, Jucicleide Pereira Mendonça dos Santos, Julie Trudruá Dorrico, Juvenal Teodoro Payayá, Kaká Werá Jecupé Kamuu Dan Wapichana, Kanátyo Pataxó, Layo Amõkanewy Lia Minápoty, Lucia Morais Tucuju, Lucio Terena, Luiz Karai, Marcelo Manhuari Munduruku, Márcia Mura, Márcia Wayna Kambeba, Marcos Terena, Maria Cândida Juruna, Maria Kerexu, Marina R. Miranda, Meyriane Costa de Oliveira, Moara Tupinambá Tapajowara, Nankupé Tupinambá Fulkaxó Niara Terena, Olívio Jekupé, Põrõ Israel Fontes Dutra, Renê Kithãulu, Roni Wasiry Guará, Rosi Waikhon, Rupawê Pataxó, Sereburã Xavante, Sereñimirâmi Xavante, Serezadbi Xavante Severiá Maria Idiorê Xavante, Shirley Djukurnã Krenak, Sony Ferseck, Sulami Katy, Telma Pacheco Tãmba Tremembé, Terêncio Luiz Silva, Tiago Hakiy, Tiago Nhandewa, Timoteo Verá Tupã Popygua, Tkainã, Toninho Maxakali, Tõrãmu Kehíri Umusi Pãrõkumu, Uziel Guainê, Vãngri Kaingáng, Verá Kanguá, Werá Jeguaká Mirim, Werimehe Pataxó, Yaguarê Yamã, Ytanajé Coelho Cardoso, Yuhkuro Avelino Dutra.
SERVIÇO
Araetá – A Literatura dos Povos Originários
Abertura: 30/8, às 19h, com apresentação do Toré, dança ritualística do povo indígena Pankararu
Visitação: De 31 de agosto de 2023 a 17 de março de 2024, terças a sextas, das 9h às 21h30; sábados, das 10h às 21h30; domingos e feriados, das 10h às 18h30
Onde: Sesc Ipiranga – Rua Bom Pastor, 822, São Paulo, 11 3340-2000
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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