Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Marina Sena, ou melhor, Marininha, como acho que vou te chamar pra sempre desde que te vi cantar pela primeira vez, bem antes de tudo isso. Não fique nem um minuto da sua vida magoada ou entristecida com os xingamentos dessa internet ignorante e cheia de ódio. Gente que não aprendeu nada depois de uma pandemia, época em que você nos presenteou com aquele disco cheio de amor.
Quem ri de Marina Sena cantando Gal Costa no The Town é gente que desconhece tudo que não seja o seu próprio umbigo e que se orgulha de ignorar a cultura de seu próprio país.
É gente que não sabe sequer que existe uma canção chamada Meu Nome É Gal, composta por Erasmo Carlos e Roberto Carlos, com primeira gravação psicodélica no álbum Gal, o segundo solo da cantora, 1969, e que dez anos depois ganhou gravação icônica no disco Gal Tropical, aquele que abalou as estruturas do showbusiness brasileiro, com o famoso duelo entre a voz de Gal e a guitarra elétrica.
Esse povo desconhece que o disco de 1979, que vendeu mais de 1 milhão de cópias, foi produzido por ninguém menos que Roberto Menescal — nosso papa da bossa nova, que, ainda bem, está aqui entre nós pra comprovar — e pelo saudoso divino maravilhoso Guilherme Araújo, simplesmente o homem que colocou no mapa Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e, claro, Gal Costa, a quem repaginou e renovou na virada dos anos 1970 para 1980, ajudando a forjar a verdadeira precursora do pop nacional.
Mas isso é informação demais.
Vão dizer que não eram nascidos nesta época, como desculpa esfarrapada para a falta de capacidade de usar o Google. Até porque nem você, Marininha, e tampouco este escriba havíamos chegados ao mundo quando tudo isso aconteceu. Entretanto, pesquisamos, ouvimos, fomos atrás da cultura de nosso País, como artistas e jornalistas que merecem tal título devem fazer.
Aproveito a deixa e te peço desculpas em nome da minha profissão, atualmente feita sem muito esmero por tantos que aí escrevem, editam e publicam sem aquela velha palavra que estudávamos nos bancos das boas faculdades e tão em desuso na luta a qualquer preço pelo clique: a ética.
Vi, encabulado, Marininha, grandes e tradicionais veículos da comunicação debocharem da sua homenagem a Gal Costa no último domingo, no The Town, reproduzindo com deslealdade a internet, sem qualquer tipo de contextualização. Apenas lhe lançando às feras, jogando lenha na fogueira do ódio gratuito.
Ao reproduzir o duelo de Gal com a guitarra, você não quis fazer uma cópia, mas uma homenagem, como deixou evidente desde o choro sincero com que apareceu na TV momentos antes de o show começar. Mas, a verdade, esta que deveria ser a busca do bom e velho jornalismo, dá menos clique e está em desuso, lamentavelmente.
Foi constrangedor ver divulgarem como verdade absoluta a crítica de um tribunal de ignorantes acovardados detrás de um teclado de celular. Sequer foram ouvir críticos profissionais e especialistas em música popular brasileira ou os próprios artistas, porque a opinião que vale nestes tempos é a que condena.
É por isso que lhe escrevo esta singela carta pública, Marininha.
Não ligue pra essa gente. Só siga em frente fazendo aquilo que você sabe fazer de melhor desde que começou lá em Taiobeiras, no Norte de Minas, cidade que você colocou no mapa nacional. E depois ganhou Montes Claros, Belo Horizonte, São Paulo, o Brasil.
Siga fazendo sua música, com sua verdade. Acredite na sua intuição. E parabéns por ter colocado Gal Costa mais uma vez na boca do Brasil, este país tão desmemoriado de seus grandes, quase um ano depois que todos ficamos órfãos desta artista gigante.
Você fez um baita show, Marininha. “Você brilhou”, como bem definiu a lendária Thereza Eugênia, a dona dos cliques icônicos de Gal Costa que estavam naquele telão bem orquestrado pelo Vito naquele show tão bem dirigido pela Fernanda e pelo Iuri — sem falar nos meninos da banda, Levy, Janluska, meu xará Miguel e toda a turma. Mas, aí já são nomes para uma outra conversa. Até porque, certamente, esse povo da internet não deve saber quem são.
Bom, já falei demais, Marininha, e não quero mais tomar seu precioso tempo. Como manda nossa boa educação mineira, fique com Deus.
Um beijo em você, na dona Bete, no Vito, na Fernanda, no Iuri, no Jorginho e em toda a família.
Do seu sempre por aqui e gente de verdade como você,
Arcanjo
PS. Se me permite a sugestão, você deveria gravar um álbum cantando Gal Costa, vai ficar lindo que só.
Marina Sena reproduziu capas de álbuns de Gal Costa na divulgação do show no The Town: Blog do Arcanjo mostra as imagens
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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