★★★★ Crítica: O Samba da Pauliceia e Sua Gente resgata memória e tece críticas sociais
Por RUNAN BRAZ*
Especial para o Blog do Arcanjo
O Samba da Pauliceia e Sua Gente
★★★★ Muito Bom
Teatro musical requer sincronias entre música, dança e um enredo envolvente para engajar o público. Tudo isso está presente no espetáculo O Samba da Pauliceia e Sua Gente, da Cia Coisas Nossas, que resgata a memória do samba em São Paulo, além de tecer importantes críticas sociais, sob direção geral de Cristiano Tomiossi, com codireção de José Eduardo Rennó, também responsável pela direção musical. A montagem é uma referência de conhecimento sobre a história do samba na cidade de São Paulo e o gênero enquanto resistência, fator social e musicalidade. A leveza do humor mantém o aspecto de um espetáculo livre para refletir uma sociedade complexa e que desperta um pensamento crítico sobre origens e apagamento de narrativas. Com expressividade no roteiro, o espetáculo conecta o público a um cenário fidedigno de uma típica roda de samba, ambientado no clima da boemia que resgata a manifestação do gênero em variadas épocas, sem ordem cronológica, desde o começo do século 20 até os tempos atuais. Os diretores de movimento Zuba Janaína e Beto Alencar dão um toque especial na estética e na representação alegórica, expondo os variados passos do samba de umbigada, o samba de terreiro, marchinhas e samba-canção. Uma oportunidade criativa para o espectador entender e diferenciar os estilos, conforme o momento histórico da trama. A obra retrata moradores da Vila Primavera, uma comunidade fictícia do samba paulistano, que serão despejados para darem lugar ao “progresso da cidade”, explicando como a especulação imobiliária transformou os bairros que foram os primeiros redutos do samba cidade: Liberdade, Barra Funda e Bixiga. O texto usa uma linguagem emotiva que narra acontecimentos históricos e traz elementos de identidade e ancestralidade, em destaque, na alegoria da Madrinha, em excelente atuação da atriz Carlota Joaquina, uma personagem central que remete e homenageia às imortais matriarcas do samba, como Tia Ciata, Tia Olimpia, e aqui em São Paulo, Madrinha Eunice, fundadora da escola de samba Lavapés, a mais antiga da capital paulista, no bairro da Liberdade. A percussão dos chorinhos e flautas e complementam a potência das falas. Tambores, violão, caixa e tamborim se unem à sinfonia no palco. Homenagens aos baluartes do samba também cativam o público, com um elenco coeso e entregue. A participação do cantor, ator e interprete do Vai-Vai (1982) Aldo Bueno, do Bixiga, valoriza e leva a ideia do samba imortal. Outras figuras importantes na história do samba paulista como Adoniran Barbosa, Pato N’Água, Geraldo Filme e Maria Ester também são lembrados e têm músicas interpretadas, como Trem das Onze, Silêncio no Bixiga e canções do samba de umbigada. No roteiro, os diretores lançam a ideia do paralelismo histórico entre os territórios antigos e o novo. A obra provoca o senso crítico e ao mesmo tempo um sentimento de nostalgia. Isso se dá por meio da reflexão sobre o apagamento das memórias dos territórios, da exclusão do povo negros dos espaços culturais e de seu aquilombamento urbano, e da mercantilização das culturas populares, como a transferência do Carnaval antigo dos blocos e cordões de rua para o Sambódromo do Anhembi. Tem ainda humor e um leve sarcasmo de figuras como autoridades e do cidadão médio vestido de pullover, que gostam de samba, mas também do progresso, e não se importam com o fim dessas manifestações. A figuração dos personagens remete a diferentes gerações e hierarquias na comunidade do samba, com destaque no figurino de Maiwsi Ayana para peças como boinas, camisas de samba do bairro e a tradicional roupa da baiana. Nota-se também que o elenco tem uma diversidade étnica, etária e social, evidenciando a pluralidade cultural de São Paulo. O espetáculo O Samba da Pauliceia e Sua Gente merece variadas temporadas na capital paulista, além de circulação pelo interior e outros Estados. A cultura do samba agradece. @sambadapauliceia
O Samba da Pauliceia e Sua Gente
★★★★ Muito Bom
*Runan Braz é jornalista graduado pela Faculdade Cásper Líbero. Já colaborou com textos sobre arte e cultura para veículos como a Revista Teatral Legítima Defesa, Blog do Arcanjo e Alma Preta Jornalismo.
O Samba da Pauliceia e Sua Gente
Artistas Criadores: Carlota Joaquina, Aldo Bueno, Tiganá Macedo, José Eduardo Rennó, Tayrone Porto, Lívia Camargo, Joaz Campos, Beatriz Amado, Roquildes Junior, Miró Parma, Alexandre Moura, Ildo Silva, Débora Veneziani, Zuba Janaína e Cristiano Tomiossi
Produção: Cia Coisas Nossas de Teatro
Direção Geral: Cristiano Tomiossi
Co-Direção: José Eduardo Rennó
Direção de Movimento: Zuba Janaína e Beto Alencar
Direção Musical: José Eduardo Rennó
Arranjos Musicais: Alexandre Moura, Roquildes Júnior, Beatriz Amado, Miró Parma, Ildo Silva, Marco França e Tiganá Macedo
Arranjos Vocais: Roquildes Júnior e Alexandre Moura
Preparação Vocal: Roquildes Júnior, Alexandre Moura e Dani Nega
Dramaturgia: Paulo Rogério Lopes
Figurinos: Maiwsi Ayana
Cenário: Kleber Montanheiro
Projeção: Denis Kageyama
Iluminação: Karen Mezza
Desenho e operação de som: JP Hecht e Thiago Aparecido de Moraes Alves
Diretor de Palco: Nilton Araújo
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
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