Raquel Hallak faz balanço da 17ª CineBH e 14º Brasil CineMundi: ‘Fazemos revolução no audiovisual’
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Com 15 mil pessoas de público, 63 profissionais do audiovisual de 18 países e exibição de 93 filmes, além de 32 debates e 360 encontros de coprodução, a 17ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte e o 14º Brasil CineMundi – International Coproduction Meeting chegaram ao fim neste domingo, 1º de outubro. E é uma mulher quem está no comando disso tudo, um dos nomes mais respeitados do audiovisual no Brasil e na América Latina: Raquel Hallak.
Em conversa exclusiva com o Blog do Arcanjo, a diretora da Universo Produção, Raquel Hallak, responsável pelo programa Cinema Sem Fronteiras, que engloba a Mostra de Cinema de Tiradentes, a Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP, a Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte – CineBH e Brasil CineMundi, faz um balanço positivo do evento.
Fazemos uma verdadeira revolução no audiovisual, a partir de Minas e fora do eixo Rio-São Paulo”.
Raquel Hallak
diretora da Universo Produção
Cinema Sem Fronteiras
“A CineBH começou em 2007, com a reabertura de um cinema de rua, o Cine Santa Tereza, e inaugurou o Circuito Cultural Liberdade, na Praça da Liberdade”, recorda a produtora cultural. Ela lembra que Belo Horizonte tem hoje 120 salas de cinema, “das quais apenas seis são cinema de rua”. “Por isso fazemos questão de ter a abertura no Cine Brasil Vallourec, na Praça Sete, um dos cinemas de rua mais tradicionais de BH, e várias sessões no Cine Santa Tereza”, entre elas a do premiado Tia Virgínia, que contou com a presença da atriz Louise Cardoso.
Na visão de Raquel Hallak, a CineBH, assim como os outros eventos da Universo Produção, contribuiu com a desenvolvimento do audiovisual em Minas Gerais e no próprio país. “Construímos um legado”, define, lembrando que os talentos atuais do audiovisual começaram praticamente todos nas mostras que comanda, nomes como Kleber Medonça, Affonso Uchôa, João Dumans e Gabriel Martins, entre outros.
Na 14º Brasil CineMundi, maior evento de negócios do audiovisual focado no mercado internacional, foram 63 representantes de 18 países e parcerias sólidas estabelecidas com sete eventos do mercado internacional do audiovisual, um trabalho de formiguinha que Raquel Hallak e sua equipe fazem o ano todo há praticamente três décadas, já que a mais antiga de todas, a Mostra de Cinema de Tiradentes, chega à 27ª edição em 2024.
“A gente fica batalhando o ano todo pelo filme brasileiro”, conta Hallak, lembrando que o primeiro filme de Kleber Mendonça passou em Tiradentes. E que a nova geração que surgiu no cinema mineiro, que teve ápice recentemente com Marte Um como representante do Brasil na corrida pelo último Oscar, também foi forjada nas mostras entre as montanhas mineiras.
Outro ponto forte da edição 2023 da CineBH foi a inauguração de uma mostra competitiva latino-americana. “Prtcisamos dialogar mais com nossos vizinhos”, propõe Hallak.
Sobre a homenagem a Zé Celso na programação, diz que foi por conta do forte impacto no setor cultural da morte do lendário diretor, que influenciou o campo das artes como um todo a partir de seu icônico Teatro Oficina. “Zé Celso nos deixou de uma maneira trágica. Quisemos mostrar na CineBH a versatilidade de sua arte, exibindo filmes nos quais atuou como ator, diretor e roteirista, o que vem ao encontro da transversatilidade da Mostra”, explica.
Já quanto à homenagem oficial ao cineasta Rafael Conde e à atriz Yara de Novas, que receberam o Troféu Horizonte, ela diz que foi uma forma de homenagear “o fazer artístico mineiro através do tempo”, lembrando a importância para o florescimento do cinema em Belo Horizonte a partir da obra e da persistência de Conde, que sempre contou com a parceria com Novaes nas telas. “Precisamos valorizar quem abriu caminhos”.
Coisa que ela mesma sabe fazer muito bem para o audiovisual brasileiro.
Direitos autorais no streaming
Com o avanço cada vez mais veloz da inteligência artificial e das plataformas de streaming em detrimento das salas de exibição, algo que tem afligido Raquel Hallak e o mercado audiovisual como um todo são os direitos dos artistas e realizadores sobre suas obras neste atual turvo contexto.
Uma das discussões mais importantes desta CineBH foi a respeito do VOD (vídeo sob demanda), sobretudo em relação à sua regulação quanto aos direitos autorais.
“Precisamos do envolvimento de todos do audiovisual e da cultura nesta causa”, pontua. “Atualmente corre-se o risco de ser aprovada a lei que é favorável às plataformas, com apenas 1% dos lucros para os artistas realizadores. O setor exige 4% desse lucro”, afirma Raquel Hallak.
Em encontro realizado durante a 17ª CineBH com produtores do audiovisual brasileiro, Fábio Campos Barcelos, assessor da Secretaria de Regulação da Ancine (Agência Nacional do Cinema), conversou com os participantes sobre a intenção do órgão em avançar o marco regulatório das plataformas de VOD (video on demand). A questão esteve presente no 14º Brasil CineMundi, tanto por realizadores independentes quanto por representantes de entidades públicas.
Fábio Barcelos disse que uma das grandes dificuldades no desenvolvimento de políticas de regulação do VOD é a ausência de dados, tecnicamente chamada de “assimetria da informação”. Ele comentou: “A Ancine fez um levantamento de 59 plataformas, que não é a totalidade das que existem no país. A partir dessa pesquisa, constatamos que a média de produção brasileira em streamings estrangeiros, como Netflix e Amazon Prime Video, fica em torno de 5%”.
Além do baixíssimo índice de produções brasileiras, as plataformas têm contratos apontadops como “agressivos”, especialmente na falta de regulamentação sobre propriedade intelectual e patrimonial das obras desenvolvidas no Brasil.
“O que une a classe é a luta por dar aos produtores o direito à propriedade intelectual”, resumiu o representante da Ancine. Ele frisou que regulamentar atividades das plataformas de conteúdo audiovisual não é comprar uma guerra com elas, e sim “qualificar o bem cultural como algo que repercute na sociedade e que precisa er protegido e incentivado por nós, cidadãos e cidadãs”.
O assessor da Ancine esclareceu que chamar as plataformas para desenvolver marcos regulatórios é uma forma de reconhecer a importância delas para o audiovisual brasileiro tanto quanto a produção e audiência locais é essencial em seus ganhos. Ele citou como exemplo o fato de a Netflix tem no Brasil a sua segunda maior base de assinantes no mundo.
O ex-ministro da Cultura Juca Ferreira, também presente ao encontro, alertou para o fato de as grandes plataformas de streaming quererem dominar ao máximo as atenções enquanto não houver a regulação. “É preciso ter o Estado funcionando junto com a sociedade civil para criarmos essa regulação. Essas empresas de conteúdo estão numa velocidade muito grande, então precisamos ser ágeis e harmonizar nossas estratégias”.
Para Tatiana Carvalho Costa, presidente da Apan (Associação dos Profissionais Negros do Audiovisual), ações afirmativas e inclusivas precisam constar de qualquer marco regulatório relativo a conteúdos de plataformas audiovisuais. Ela deu como exemplo um edital de 2016 que permitiu a realização de filmes de grande repercussão, como Marte Um, de Gabriel Martins.
“As plataformas querem defender seus interesses e cabe à gente lutar pelos nossos. Estamos falando de política pública e ela precisa passar pela representatividade de quem sempre esteve à margem da produção”, frisou.
O jornalista e crítico Miguel Arcanjo Prado viajou a convite da CineBH e Universo Produção.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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