★★★★ Crítica: The Boys In The Band – Os Garotos da Banda revela gays atormentados pelo patriarcado
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
★★★★
THE BOYS IN THE BAND – OS GAROTOS DA BANDA
The Boys In The Band – Os Garotos da Banda é um retrato de uma vida gay atormentada pelos fantasmas do patriarcado machista e homofóbico, presente até mesmo nos oprimidos que sonham em ser opressores, como bem definiu o educador Paulo Freire. O espetáculo enclausura voluntariamente nove homens gays (se bem que um deles ainda não está muito convencido disso) em um apartamento no qual a premissa é celebrar o aniversário de um deles. Contudo, o que era para ser uma festa termina por se tornar um dramático acerto de contas com o passado e o presente, revelando temores, preconceitos e camadas de opressão existentes entre os nove rapazes, com suas hierarquias internas, com recortes visíveis de classe, raça e “macheza”. A peça tem o mérito de ser a primeira a retratar o universo gay sem subterfúgios. E, por mais que gays tenham avançado e conquistado direitos civis nestes 55 anos de história do espetáculo, montado pela primeira vez no off-Broadway em 1968 e transformado em filme em 1970 e em 2020, a problemática central do espetáculo permanece contemporânea. Em decisão inteligente, a sofisticada direção de Ricardo Grasson opta por não atualizar o texto. Assim, o público enxerga de forma indigesta o racismo e a grande dificuldade em sair do armário, para ficar em dois exemplos de comportamentos típicos de um tempo em que a segregação racial e o ataque a gays faziam parte do dia a dia (nada muito diferente do Brasil de hoje). Não custa lembrar que a peça surge um ano antes da Revolta de Stonewall e no ano do assassinato do líder negro Martin Luther King Jr. Com diversas nuances e longe do maniqueísmo bem e mal, os personagens desta peça são exigentes e pedem um mergulho stanislavskiano profundo de seus intérpretes, para que ganhem naturalidade em meio àquela festa de humor montanha-russa. O elenco escolhido está visivelmente entregue e traz distintas atmosferas à encenação, sendo composto por Mateus Ribeiro, Leonardo Miggiorin, Tiago Barbosa, Caio Paduan, Otávio Martins, Caio Evangelista, Júlio Oliveira, Bruno Narchi e Heber Gutierrez. Trata-se de uma peça absolutamente exigente, na qual o jogo importa mais que o brilho solo, com estado de presença exigido do começo ao fim, mesmo quando o texto não está na boca do ator. Certamente, este talentoso time ganhará ainda mais frescor e organicidade à medida que as sessões avancem, como é típico do teatro, no qual a repetição aprimora o artista. É preciso também destacar a arrojada direção de produção de Zuza Ribeiro, que forma um quarteto fantástico feminino nos bastidores com as produtoras executivas Érica Cardoso, Claudia Odorissio e Jeana Kamil. Outro ponto forte é o potente time criativo, com a luz propositiva e de belas nuances de Cesar Pivetti, a trilha envolvente de L.P.Daniel, a bela cenografia de Marco Lima, o figurino de época de Marcos Valadão combinado ao visagismo de Louise Helène. Também é preciso elogiar a acertada direção de movimento de Alonso Barros, coreógrafo que tem feito trabalhos nababescos neste ano — o momento em que os personagens dançam é um verdadeiro respiro e converte-se no maior frescor neste denso drama. The Boys In The Band – Os Garotos da Banda é uma peça necessária para compreender melhor os dificultosos caminhos pelos quais um homem gay precisa percorrer para encontrar seu lugar (e o respeito) na sociedade. Se hoje as coisas ainda são tão difíceis, com gente ruim em Brasília querendo cancelar o casamento igualitário dez anos após este tão suado direito ter sido conquistado, imagina como era a vida dessas pessoas meio século atrás. Ao jogar luz sobre isso, mesmo machucando o coração em alguns momentos com a crueza da vida, este belo e necessário espetáculo cumpre uma das mais nobres funções da arte: contribuir para que a sociedade avance. Corra pra ver e chame todos seus amigos héteros, por favor!
★★★★
THE BOYS IN THE BAND – OS GAROTOS DA BANDA
Avaliação: Muito Bom
Crítica por Miguel Arcanjo Prado
31 de outubro a 22 de novembro de 2023. Terça e quarta, 21h, no Teatro Procópio Ferreira – Rua Augusta, 2823, em São Paulo.
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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