Cia Veneno do Teatro estreia Hello, Édipo: ‘A encruzilhada de Édipo é a nossa também’ – Entrevista do Arcanjo
Por MIGUEL ARCANJO PRADO
@miguel.arcanjo
Bartholomeu de Haro e Elen Londero, criadores da Cia. Veneno do Teatro, discutem o poder a partir de dois clássicos do pensamento humano no espetáculo Hello, Édipo (Panóptico/Foucault), dirigido por Haro e produzido por Londero, também no elenco. Com inspiração em Édipo, de Sófocles, e também nos pensamentos do francês Michel Foucault, o espetáculo quer provocar reflexão no público. Estão no elenco Elen Londero, Bartholomeu de Haro, José Sampaio, Silvio Restiffe, Jéssica Marcele, Pedro Henrique Moutinho, Paula Sousa Lopez, Tayla Fernandes e Ted O’Rey. A obra estreia neste fim de semana, no Centro Cultural Penha, na zona leste paulistana. Depois, vai para o Teatro Flávio Império, também na zona leste, e a SP Escola de Teatro, no centro, sempre com entrada gratuita. O Blog do Arcanjo conversou com os dois artistas sobre o novo espetáculo.
Miguel Arcanjo Prado – Como a história de Édipo se cruza com os estudos de Michel Foucault neste espetáculo?
Bartholomeu de Haro – É notório que a emblemática tragédia Édipo Rei de Sófocles é conhecida universalmente e que Freud desenvolveu O Complexo de Édipo a partir daí. Neste espetáculo, lançamos nosso olhar para as indagações de Foucault, que proferiu conferências, inclusive no Brasil (A Verdade e as Formas Jurídicas – O Nascimento do Inquérito Grego), sobre a história de Édipo, onde o poder adquirido sem a premissa do autoconhecimento pode levar a resultados equivocados e tirânicos. Nesta compilação dramatúrgica, o enredo é mantido, porém reiterado e desdobrado por vários autores que intervém a todo instante. Também colocamos nossa pesquisa e criação textual.
Elen Londero – Nossa pesquisa para essa montagem encontra com Foucault a partir do seu estudo sobre A Verdade e as Formas Jurídicas e também em diálogo com a adaptação dramatúrgica realizada pelo Barthô e proposta de encenação, que encontra nos depoimentos do personagens formas de encontrar com a verdade. Para além dos estudos psicanalíticos propostos por Freud, nos interessava discutir formas de convivência na sociedade a partir da ordem estabelecida pelo status quo e a sociedade panóptica, cada vez mais instaurada pelo processo de globalização e menos consciente a todos.
Miguel Arcanjo Prado – Por que a Cia. Veneno do Teatro escolheu discutir o poder e a vigilância?
Bartholomeu de Haro – Os sistemas de poder trazem uma organização social que obtém resultados econômicos satisfatórios. Desde a Revolução Industrial esses mecanismos trouxeram progresso. No entanto, essa organização necessita ser vigiada para que não escape do controle (escolas, hospitais, sanatórios, prisões, etc.,) e até mesmo a convivência social comum. Isto pode levar a territórios cada vez mais compartimentados onde o poder se instala e não atende as comunidades.
Elen Londero – A estruturas de poder e vigilância sempre permearam as relações humanas e é justamente o poder alienado e alienante que gostaríamos de colocar em cena, como um espelho metafórico.
Miguel Arcanjo Prado – Como se deu o processo de escolha do elenco?
Bartholomeu de Haro – A Cia. Veneno do Teatro nterage com várias tendências teatrais, artísticas e de conhecimento. Realizamos desde espetáculos no circuito tradicional e em locais de fruição centrais bem como mostras com coletivos das periferias onde há uma imensa possibilidade criativa. A escolha do grupo se deu com essa proposta. Interações com artistas com os quais eu já havia trabalhado e também com artistas oriundos dos coletivos periféricos. Todos reunidos como atuantes protagonistas em torno dessa adaptação teatral que abrange o clássico, o contemporâneo, a arte urbana, o rap, os ritmos populares, que se manifestam e que precisam ser atualizados e ouvidos.
Miguel Arcanjo Prado – Vocês diriam que esta é uma peça de tribunal?
Elen Londero – Essa é uma peça de apropriação. A ideia de encenação surgiu a partir de uma música interpretada por Milton Nascimento para o Hello, Goodbye dos Beatles, magistralmente interpretada. Aos poucos nos encontramos com Édipo, assim como outros autores que entram no enredo, bem como criações próprias que compõem a dramaturgia. É entre um oi e um adeus, o que se encontra na vírgula (que muitas vezes é um universo inteiro) que nos motivou a encenar a tragédia, urbana no nosso caso.
Bartholomeu de Haro – Para responder, volto a Foucault: a partir dos testemunhos dos personagens a verdade será evocada. Os testemunhos ocorrem de diferentes formas (por observação, memória, dedução, etc.), onde as meias verdades se complementam em algum momento e trazem a elucidação. Édipo, em um primeiro momento ouve o oráculo – a divindade, mas isso não é o suficiente. Depois convoca Tirésias – o adivinho, o profeta – que mantém relações terrenas e divinatórias. Também não é o suficiente para esse soberbo rei que se propõe a ouvir todos, pois quer resolver sua melancolia cada vez mais manifesta. Por fim, quando é trazido um escravo que viveu a história de fato e é inquirido sobre todo o enredo, Édipo se confronta com a verdade de si mesmo… e crê nesse depoimento. A tomada da palavra dos anônimos e de casta mais popular deflagra o destino dos nobres.
Miguel Arcanjo Prado – Como o diálogo com a metrópole de São Paulo se dá neste espetáculo?
Bartholomeu de Haro – Há vários grupos numa metrópole como a nossa. Várias classes sociais que transitam e nem sempre se avistam. “Na sociedade atual, há uma enorme sensação de invisibilidade. Todo mundo acha que ficou fora de algo, mas não sabe do que exatamente. É como sempre houvesse uma festa imperdível em algum lugar e não conseguíssemos achar o local.”. Na concepção da peça, expressamos nossa criação cênica com cenários, figurinos, iluminação, sonoplastia, atuação, etc.} que remetem ao ancestral e ao urbano.
Elen Londero – Buscamos não localizar uma cidade ou lugar com a montagem, mas trazer a ideia de instituição, os atores amotinados, fazem parte de uma instituição (que poderia ser uma prisão, hospício, escola). Nossa sociedade se institucionalizou e segrega quem está à margem dela. Sófocles é genial em trazer no coro, nos servos, a visão consciente dos fatos e da trama que acontece no entorno do Rei.
Miguel Arcanjo Prado – Qual sensação vocês querem provocar no público que assistir Hello, Édipo PF?
Bartholomeu de Haro – O espaço do teatro propõe a arte do encontro. O jogo teatral é muito interessante e, através de associações, desejamos que o público interaja com a história de Édipo e se identifique com as pistas do cotidiano em que vivemos. A encruzilhada de Édipo é a nossa também. Daí vem o “Hello,… chegamos virgens a todos os acontecimentos da vida.
Elen Londero – Estamos absolutamente imbuídos dessa montagem e com alegria de levar ao público. Com Hello, Édipo queremos que o publico se emocione, se divirta e se questione com as relações apresentadas. Como colocamos: “antes de ficar cego, Édipo não fez outra coisa com o destino, senão brincar de cabra-cega com o destino.”
Hello, Édipo (Panóptico/Foucault)
Ficha técnica
Direção e adaptação dramatúrgica: Bartholomeu de Haro
Atuantes:
José Sampaio
Elen Londero
Silvio Restiffe
Jéssica Marcele
Pedro Henrique Moutinho
Paula Sousa Lopez
Tayla Fernandes
Ted O’Rey
Bartholomeu de Haro
Cenário: J. C. Serroni
Iluminação: Guilherme Bonfanti
Figurinos: Telumi Hellen
Sonoplastia: André Omote, Felipe Silotto e Bartholomeu de Haro
Cenotécnico: Alício Silva
Assistente de Figurino: Natália Munck
Aderecistas: Douglas Vendramini, Mirela Macedo
Operador de Luz: Emerson Fernandes
Operador de Som: Felipe Silotto
Preparação Corporal: Christiane Lopes
Desenho “Death of Oedipus”: Ian de Haro
Fotografia: Jonatas Marques
Design Gráfico, Edição de Imagens e Vídeo: Henrique Mello
Assessoria de Imprensa: Arte Plural
Produtor Executivo: Wemerson Nunes
Assistente de Produção: Marcelo Luis
Apoio Operacional: Fabricio Braghini
Coordenação de Projeto: Elen Londero
Realização: Cia Veneno do Teatro @ciavenenodoteatro
Este projeto foi contemplado pelo EDITAL DE APOIO A PROJETOS DE MÚLTIPLAS LINGUAGENS – 2ª Edição, para a cidade de São Paulo – Secretaria Municipal de Cultura.
Serviço
Apresentações:
Centro Cultural da Penha – Largo do Rosário, 20 – Penha de França
Dia 25/11 às 17h e 20h
Dia 26/11 às 19h
Gratuito
Teatro Flávio Império – Rua Prof. Alves Pedroso, 600 – Cangaíba
Dias, 28, 29, 30/11, 01/12 às 20h
Dia 03/12 às 19h
Gratuito
SP Escola de Teatro – Praça Franklin Roosevelt, 210 – Centro (Sala Alberto Guzik)
Dia 14/12 às 21h
Dias 15 e 16/12 às 21h e 00h
Dias 17, 18, 19, 20 e 21/12 às 21h
Gratuito
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Jornalista cultural influente, Miguel Arcanjo Prado dirige o Blog do Arcanjo desde 2012 e o Prêmio Arcanjo desde 2019. É Mestre em Artes pela UNESP, Pós-graduado em Mídia e Cultura pela ECA-USP, Bacharel em Comunicação pela UFMG e Crítico da APCA – Associação Paulista de Críticos de Artes, da qual foi vice-presidente. Eleito três vezes um dos melhores jornalistas culturais do Brasil pelo Prêmio Comunique-se. Passou por TV Globo, Grupo Record, Grupo Folha, Editora Abril, Huffpost Brasil, Grupo Bandeirantes, TV Gazeta, UOL, Rede TV!, Rede Brasil, TV UFMG e O Pasquim 21. Foi coordenador da SP Escola de Teatro. Integra o júri do Prêmio Arcanjo, Prêmio Jabuti, Prêmio Governador do Estado de SP, Sesc Melhores Filmes, Prêmio Bibi Ferreira, Destaque Imprensa Digital, Prêmio Guia da Folha e Prêmio Canal Brasil. Vencedor do Troféu Nelson Rodrigues, Prêmio Destaque em Comunicação ANCEC, Troféu Inspiração do Amanhã, Prêmio África Brasil, Prêmio Leda Maria Martins e Medalha Mário de Andrade Prêmio Governador do Estado, maior honraria na área de Letras de São Paulo.
Foto: Edson Lopes Jr.
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